Possibilidade de a microbiota orofaríngea ter um papel no atrofio do crescimento de crianças

O atrofio do crescimento é uma consequência da malnutrição crónica, sendo provavelmente desencadeado ou exacerbado por infeções entéricas recorrentes e má higiene. As crianças afetadas parecem apresentar disbiose intestinal caracterizada pela presença inesperada de microrganismos orais e faríngeos. 

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 06 Outubro 2021

Sobre este artigo

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 06 Outubro 2021


O atrofio do crescimento afeta um quarto das crianças abaixo dos 5 anos de idade, em todo o mundo. Uma causa possível é a disfunção entérica ambiental (DEA), uma síndrome responsável pela malnutrição que associa infeções bacterianas intestinais repetidas (causadas por má higiene) a inflamações crónicas atribuíveis ao SBID*. De acordo com um estudo francês em crianças com atrofio no crescimento (de Madagáscar e da República Centro Africana), esta síndrome não é fator único.

Translocação da microbiota oral

Apesar das diferenças genéticas, ambientais e nutricionais entre ambos os países, os investigadores descobriram que nas crianças afetadas de qualquer um havia colonização da microbiota intestinal por bactérias da microbiota orofaríngea. Foram observadas espécies pertencentes aos géneros Haemophilus, Neisseria, Moraxella e até Porphyromonas (que normalmente colonizam a flora oral) em 57 amostras gástricas e em 46 amostras duodenais recolhidas. No entanto, de acordo com a literatura científica, algumas destas bactérias estão associadas a doenças inflamatórias (incluindo cancro gástrico, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares).

Um marcador fecal com valor de diagnóstico

Estas bactérias orofaríngeas também foram encontradas em amostras duodenais e estavam sobre representadas nas 404 amostras peri-rectais recolhidas de crianças com atrofio no crescimento, mas não nas de crianças do grupo controlo. Bactérias enteropatógenas pertencentes aos géneros Escherichia coli/Shigella e Campylobacter também eram mais abundantes. Um decréscimo em Clostridiales também foi encontrado em crianças afetadas. Estas bactérias produzem butirato, um ácido gordo de cadeia curta (AGCC) que serve de alimento às células epiteliais e participa na defesa do hospedeiro à proliferação de bactérias oportunistas. As fezes de crianças afetadas podem então conter uma assinatura característica do atrofio do crescimento dada pela combinação de bactérias da orofaringe, enteropatógenos e um nível baixo de Clostridiales. Isto pode abrir o caminho ao desenvolvimento de marcadores não invasivos.

Nova hipótese

O estudo sugere que a presença de bactérias orofaríngeas na microbiota fecal pode ser um fator contributivo para a fisiopatologia da DEA. A proliferação destas bactérias da orofaringe no intestino delgado e no cólon pode conduzir a inflamação. Associada à presença de enteropatógenos e a níveis diminuídos de butirato, pode conduzir a malnutrição crónica em crianças e resultar assim no atrofio do crescimento. Esta hipótese pode ser confirmada por um estudo de coorte, com 1000 crianças, que se encontra atualmente em progresso.

*SBID = Supercrescimento bacteriano no intestino delgado