Cancro: a microbiota associada ao efeito abscópico
Como se explicam os efeitos abscópicos da radioterapia no âmbito da imunoterapia? Crê-se que a irradiação intestinal de dose reduzida, tanto intencional como acidental, atua em sinergia com a imunoterapia, tendo a microbiota intestinal um papel importante.
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Sobre este artigo
Trata-se de um dos enigmas da investigação oncológica: os efeitos (sidenote: E Efeito abscópico Do latim ab- “distante” e do grego skopos “alvo”, literalmente “longe do alvo” - Regressão de lesões tumorais localizadas fora do campo de irradiação, uma vez que a irradiação de uma lesão pode levar à ativação de respostas imunitárias antitumorais, ou potenciar a sua eficácia, levando assim à destruição de lesões não irradiadas por parte de efetores imunitários antitumorais. Aprofundar: https://doi.org/10.1016/j.mednuc.2024.11.007 ) da radioterapia, que se observam em alguns doentes, mas não noutros. No entanto, há uma grande novidade em 2025: uma equipa internacional demonstrou que a irradiação intestinal de baixa dose (ILDR) aumenta a eficácia clínica da quimioterapia ou das imunoterapias que têm como alvo os (sidenote: Os pontos de controlo imunitário são utilizados pelos tumores para se protegerem dos ataques do sistema imunitário e podem ser bloqueados pela terapêutica com ICI, de modo a restaurar a função do sistema imunitário. ) em 8 coortes retrospetivas de doentes e num modelo pré-clínico de ratinho. Esta investigação evidencia o papel fundamental do ambiente intestinal na resposta ao tratamento.
Uma questão de dose...
Os investigadores tomaram como ponto de partida doentes com tumores metastáticos incluídos num ensaio multicêntrico de fase 2, os quais receberam (sidenote: SABR (Stereotactic Ablation Body Radiotherapy, ou radioterapia de ablação estereotáxica) também chamada SBRT (Stereotactic Body Radiation Therapy, ou radioterapia estereotáxica corporal) Radioterapia, que consiste na emissão de múltiplos feixes de radiação de diferentes ângulos que convergem para o tumor. O tumor recebe assim uma elevada dose de radiação, enquanto cada feixe que circula no tecido vizinho é de dose reduzida. Isto reduz os efeitos da radiação no tecido saudável ao redor do tumor. A SBRT é administrada em menos sessões do que a radioterapia externa convencional. Pode ser utilizada para tratar tumores do pâncreas, do pulmão, do fígado ou da coluna vertebral. Aprofundar: https://cancer.ca/fr/treatments/treatment-types/radiation-therapy/external-radi… ) em combinação com um anticorpo anti-PD-L1. De entre estes, 13 doentes (41%) expostos a ILDR acidental, com uma dose mediana de radioterapia de 3,3 Gy no duodeno, 1,0 Gy no jejuno/íleo e 1,3 Gy no cólon, apresentaram uma taxa de sobrevivência muito superior aos 24 meses: 38% (5/13) contra 5% (1/19). Este resultado destaca o aumento da eficácia de um tratamento combinado.
Na sequência deste resultado inesperado, os investigadores revisitaram os resultados de 7 coortes independentes de doentes com cancro, num total de 388 doentes. A conclusão foi a mesma: a administração fortuita de ILDR em doses de 0,25 a 3 Gy aumenta a sobrevivência nos doentes com cancro avançado.
Microbiota, cancro e imunoterapia
A microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na resposta às imunoterapias contra o cancro. Determinadas bactérias intestinais, como as Clostridiales, reforçam a imunidade antitumoral. Inversamente, os antibióticos podem comprometer a eficácia dos tratamentos imunitários. O transplante de microbiota fecal (TMF) surge assim, portanto, como uma estratégia terapêutica promissora.
... e bactérias
A resposta imunitária antitumoral e a taxa de sobrevivência parecem também estar ligadas a diferenças na flora intestinal dos pacientes: em comparação com adultos saudáveis, os indivíduos refratários ao tratamento combinado de ILDR e anticorpos anti-PD-L1 albergavam, antes do tratamento, menos espécies de bactérias típicas daqueles que responderam ao tratamento (Christensenella minuta e Ruminococcus bromii) e mais espécies de bactérias típicas de uma má resposta ao tratamento (Enterocloster aldensis e Parabacteroides distasonis).
Aparentemente, as interações metabólicas e imunitárias entre o hospedeiro e a microbiota intestinal permitirão a ativação das células T CD8⁺. Diversas estirpes de Christensenella minuta parecem aumentar seletivamente a eficácia da ILDR e do anti PD-L1, fomentando a migração de células dendríticas intestinais que expressam PD-L1 para os gânglios linfáticos que drenam o tumor.
Segundo os autores, a análise da microbiota intestinal antes do início do tratamento poderá ajudar a selecionar os doentes suscetíveis de beneficiar deste tratamento combinado... e os doentes disbióticos que poderão tirar partido de um transplante prévio de microbiota fecal.