Manual de avaliação diagnóstica na dispepsia funcional
Quantos doentes com desconforto gastrointestinal superior persistente vê por semana? Quantos não são diagnosticados com Dispepsia Funcional (DF)?
A DF afecta cerca de 7% dos adultos3 mas é frequentemente mal diagnosticada devido à sobreposição de sintomas com refluxo, gastroparesia e SII. Sendo uma perturbação da interação intestino-cérebro, envolve alterações da motilidade, desequilíbrios da microbiota e factores psicológicos, o que torna o diagnóstico difícil.
Para ajudar, a Prof.ª Maura Corsetti, o Prof. Nicholas Talley e o Prof. Lucas Wauters, em colaboração com o Biocodex Microbiota Institute, desenvolveram uma lista de verificação para o diagnóstico da dispepsia funcional. Esta ferramenta ajuda a um diagnóstico mais exato e a uma comunicação mais clara com o doente, melhorando a gestão e os cuidados.
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Sobre este artigo

Como definir a dispepsia funcional?
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A dispepsia funcional (DF)
Muitas vezes referida como indigestão, é um distúrbio da interação intestino-cérebro (DIIC) caracterizado por sintomas abdominais superiores persistentes sem evidência de doença estrutural.
A dispepsia funcional é uma doença crónica e remitente com origem na região gastroduodenal superior, caracterizada por um ou mais dos seguintes sintomas2:

DOR EPIGASTRICA
"É como ser esfaqueado de dentro para fora."

ARDOR EPIGASTRICO
"O meu estômago arde como se estivesse a queimar."

SACIEDADE PRECOCE
(incapacidade de terminar uma refeição)
"Sinto-me cheio mesmo que não coma muito".

SACIEDADE PÓS-PRANDIAL
(após uma refeição de tamanho normal)
"Sinto-me como se tivesse uma pedra no estômago."
A dispepsia funcional é um DIIC altamente prevalente com base em critérios rigorosos de Roma IV:
7% da população mundial é afetada pela dispepsia funcional
No entanto, as estimativas de prevalência variam consoante os critérios de diagnóstico e as regiões geográficas.
A dispepsia funcional é ligeiramente mais comum nas mulheres do que nos homens e pode afetar indivíduos de todas as idades. A doença é frequentemente subdiagnosticada, uma vez que os sintomas podem sobrepor-se a outras perturbações gastrointestinais, como a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e a síndrome do intestino irritável (SII). Apesar da sua elevada prevalência, a dispepsia funcional continua a ser uma doença difícil de gerir devido à sua fisiopatologia complexa e multifatorial.
Lista de nomes de doenças sinónimas:
- Indigestão
- Gastrite
- Dispepsia não ulcerosa
O que dizer ao doente?
- O estômago e o intestino falam com o cérebro e o cérebro fala com o intestino.
- Um distúrbio da interação intestino-cérebro (DGBI)1 significa que a sinalização é perturbada, dando origem a sintomas. Um exemplo comum de um DIIC é a dispepsia funcional (DF).
- Na dispepsia funcional, o cérebro recebe demasiados sinais do estômago que são normalmente filtrados.
- A plenitude recorrente (frequentemente designada por inchaço), a dor ou ardor epigástrico e a dificuldade em terminar uma refeição normal (saciedade precoce) caracterizam esta perturbação sintomática designada por DF.
- A dispepsia funcional é um distúrbio da interação intestino-cérebro, em que os dois órgãos não comunicam corretamente um com o outro.
- A DF é uma perturbação baseada nos sintomas, sem danos nos tecidos.
- Os sintomas gastrointestinais não surgem isoladamente, a DF é frequentemente acompanhada por níveis mais elevados de perturbação psicológica, como ansiedade, stress e depressão.

Os dois subtipos de dispepsia funcional
Existem dois subtipos de dispepsia funcional:
Síndrome da dor epigástrica (SDE)
Síndrome do desconforto pós-prandial (SDP), que é a forma mais comum
Estes 2 subtipos de dispepsia, por vezes, sobrepõem-se

Na ausência de um biomarcador, o diagnóstico baseia-se em critérios de sintomas, dos quais os critérios de Roma IV são os mais recentes e os mais bem validados. Os critérios de Roma VI classificam os doentes em dois subgrupos de dispepsia funcional:
- Síndrome do desconforto pós-prandial (SDP), que se caracteriza por sintomas induzidos pela refeição,
- Síndrome da dor epigástrica (SPE), que se refere à dor epigástrica ou ao ardor epigástrico que não ocorre exclusivamente no período pós-prandial e que pode até melhorar com a ingestão de refeições

O que sabemos sobre a fisiopatologia?

Embora os mecanismos fisiopatológicos exactos subjacentes à dispepsia funcional ainda não sejam totalmente compreendidos e a etiologia exacta da doença permaneça indefinida, dados recentes identificaram os seguintes mecanismos fisiopatológicos1:
- Factores psicológicos: Interação intestino-cérebro alterada: incluindo o stress e a ansiedade, influenciam a função intestinal e podem exacerbar os sintomas
- Hipersensibilidade e dismotilidade do estômago: O aumento da sensibilidade dos neurónios sensoriais gástricos e duodenais leva a um exagero da dor e do desconforto em resposta a estímulos normais; perturbações da motilidade gástrica, como o atraso no esvaziamento gástrico, e uma acomodação fúndica prejudicada
- Ativação imunitária intestinal: A inflamação de baixo grau, particularmente o aumento dos mastócitos e dos eosinófilos no duodeno, contribui para os sintomas
- Alteração da barreira intestinal: Uma rutura da barreira intestinal permite que os antigénios alimentares e os produtos microbianos penetrem na mucosa, desencadeando potencialmente a ativação imunitária
- Microbiota duodenal alterada: As alterações da microbiota intestinal podem contribuir para a ativação imunitária, a hipersensibilidade visceral e a alteração da motilidade
Estes mecanismos interagem de forma complexa, tornando a dispepsia funcional uma doença multifacetada que requer uma abordagem personalizada do tratamento.
O que dizer ao doente?
- As comunidades microbianas que vivem no interior do intestino são chamadas microbiota.
- Uma microbiota duodenal desequilibrada, ou disbiose, é uma alteração da composição e das funções dos microrganismos que vivem no intestino.
- Os alimentos, as bactérias ou as substâncias presentes no intestino podem, por vezes, causar o mau funcionamento do intestino e desencadear sintomas.
- A dispepsia funcional é uma doença crónica cujos sintomas podem ser controlados através de mudanças no estilo de vida, terapia dietética, medicamentos e terapias psicológicas.
- Encontrar-nos-emos a cada 2-3 meses para acompanhar a eficácia do tratamento/estratégia.

Como fazer um diagnóstico confiável?
O diagnóstico é baseado nos sintomas de acordo com os critérios de Roma2:
Pergunta a fazer: Quando começaram os sintomas?
- Presença de pelo menos um sintoma suficientemente grave para afetar as atividades habituais nos últimos 3 meses tendo começado 6 meses antes do diagnóstico
- e nenhuma evidência de doença estrutural (incluindo na endoscopia digestiva alta) suscetível de explicar os sintomas.

Fatores de risco
- Infeção causada pela helicobacter pylori
- Ser mulher
- Utilização de certos analgésicos como a aspirina e o ibuprofeno
- Tabagismo
- Ansiedade ou depressão
- Histórico de abuso físico ou sexual na infância3

Quais são os sinais de alerta a excluir?
Lista de sinais de alerta a investigar para confirmar o diagnóstico
- Idade > 55 anos* com dispepsia iniciada recentemente.
- Evidência de hemorragia gastrointestinal excessiva, incluindo melena ou hematémese
- Disfagia, especialmente se for progressiva, ou odinofagia
- Vómitos persistentes
- Perda de peso não intencional
- Histórico familiar de cancro gástrico ou do esófago
- Massa abdominal ou epigástrica palpável ou adenopatia anormal
- Evidência de anemia por deficiência de ferro após análise ao sangue5
*Em regiões com uma elevada taxa de prevalência de cancro gástrico, como o Sudeste Asiático, deve ser considerado um limiar de idade mais baixo.
Encaminhar para o gastroenterologista para análise

Que investigações são necessárias?
Recomenda-se efetuar testes de rotina:
- O teste de H. pylori é recomendado como o primeiro a ser efetuado: antigénio das fezes, teste respiratório da ureia
- Avaliação dos sintomas gastrointestinais inferiores, uma vez que a SII se sobrepõe frequentemente à dispepsia funcional; essencial para avaliar a doença celíaca
- Avaliação do histórico de drogas (particularmente sobre opióides e cannabis)
Considerar em casos específicos:
- Endoscopia para pacientes cujos sintomas iniciaram recentemente, apresentam perda de peso e têm mais de 55 anos de idade; a biópsia deve ser feita se o status da H. pylori for desconhecido na endoscopia
- Esvaziamento gástrico (preferencialmente cintigrafia) em caso de náuseas/vómitos
Não é útil como teste de rotina:
- Análises ao sangue
Gestão geral
O tratamento da dispepsia funcional segue uma abordagem multifacetada que visa o alívio dos sintomas e a melhoria da qualidade de vida3,6,7

Quais são os conceitos gerais de gestão dos sintomas?
Lifestyle modifications, including:
- Dietary adjustments for limiting the intakes of potential dietary triggers (caffeine, spicy food…)
- A regular physical activity
- Good sleep habits
- And, probiotics intake
could help in reducing the symptoms.
Modificações do estilo de vida, incluindo:
- Uma dieta saudável para limitar a ingestão de potenciais gatilhos alimentares (cafeína, alimentos condimentados...)
- Uma atividade física regular
- Bons hábitos de sono
- E a ingestão de probióticos
podem ajudar a reduzir os sintomas.
Privilegia-se uma abordagem medicamentosa com supressores de ácidos (inibidores da bomba de protões, IBP, vulgarmente utilizados) e procinéticos.
Os neuromoduladores, como os antidepressivos tricíclicos, são utilizados para modular a hipersensibilidade visceral, alterar a perceção da dor e melhorar os sintomas em casos refractários
A terapia cognitivo-comportamental, a hipnoterapia e a gestão do stress podem desempenhar um papel fundamental no controlo dos sintomas a longo prazo
O que dizer ao doente?
Perguntas mais frequentes sobre a dispepsia funcional:
A dispepsia funcional pode ser tratada, mas não curada. É possível uma recuperação voluntária.
A dispepsia funcional não parece ser suscetível de levar o utente a desenvolver qualquer tipo de cancro
A dispepsia funcional é uma doença multifatorial causada por alterações da sensibilidade intestinal, da motilidade, da microbiota e da comunicação entre o intestino e o cérebro
A alimentação é relevante e constitui um forte aliado
A água não melhora a dispepsia funcional
A dispepsia funcional não aumenta o risco de morte

Como acompanhar o utente?
A abordagem de acompanhamento depende da resposta ao tratamento (muitos não respondem)
2-3 meses é um bom intervalo para o acompanhamento, com intervalos maiores em caso de resposta ao tratamento