Envolvimento do e. Faecalis na hepatite alcoólica

As bactérias intestinais E. faecalis migram até ao fígado na presença de álcool e podem produzir uma toxina que agrava a hepatite alcoólica. Um bacteriófago específico para este tipo de bactérias elimina a inflamação e as lesões hepáticas.

Publicado em 09 Setembro 2020
Atualizado em 30 Março 2022

Sobre este artigo

Publicado em 09 Setembro 2020
Atualizado em 30 Março 2022

 

A hepatite alcoólica é forma mais grave de doença hepática alcoólica : e está associada a uma taxa de mortalidade de 20 a 40% dentro de 1 a 6 meses. Embora se saiba que a microbiota intestinal pode promover doenças hepáticas induzidas por etanol, em ratinhos, os fatores microbianos responsáveis por este processo continuam por compreender. Daí o interesse nos resultados publicados na Nature sobre o papel da microbiota na transmissão e na progressão desta doença.

E. faecalis, secretores de citolisina

A investigação mostra que os doentes com hepatite alcoólica têm uma composição da microbiota fecal específica com, nomeadamente, 2700 vezes mais Enterococcus faecalis, bactérias encontradas nas fezes de 80% dos doentes. No entanto, certos tipos “citolíticos” destas bactérias produzem uma endotoxina chamada citolisina que se manifesta contra células eucarióticas e bactérias Gram-positivas. A presença de bactérias E. faecalis citolíticas parece estar relacionada com a gravidade da doença hepática e mortalidade dos doentes.

Da citolisina às lesões hepáticas

Ratinhos submetidos a uma dieta com um elevado teor de etanol (ou a uma dieta isocalórica de controlo, sem etanol) quer com estirpes citolíticas quer não citolíticas de E. faecalis, confirmaram que as estirpes citolíticas induziram mais lesões hepáticas, esteatose e inflamação e conduziram mais rapidamente à morte. Estas bactérias também foram encontradas nos fígados de todos os ratinhos submetidos ao regime com álcool, mas não nos fígados dos ratinhos de controlo, sugerindo que o etanol é necessário para a translocação do E. faecalis do intestino para o fígado.

Um bacteriófago protetor

Os investigadores estudaram posteriormente os efeitos terapêuticos dos bacteriófagos direcionados a E. faecalis citolíticos em ratinhos que receberam estirpes de E. faecalis responsáveis por esteatose hepática. Os bacteriófagos reduziram os níveis de citolisina no fígado dos roedores e eliminaram as lesões hepáticas induzidas pelo etanol. Os investigadores estudaram então ratinhos colonizados com bactérias de fezes provenientes de doentes com hepatite alcoólica. A administração de bacteriófagos suprimiu o aparecimento de lesões hepáticas e de esteatose e levou à diminuição da quantidade de Enterococcus.

Um tratamento no futuro?

Estes resultados não só estabeleceram uma ligação entre bactérias E. faecalis citolíticas e a gravidade e taxa de mortalidade da hepatite alcoólica, como também mostraram que um bacteriófago pode ter como alvo uma bactéria específica e, como tal, ser uma alternativa aos antibióticos. Ainda assim, é necessário que se desenvolvam estudos clínicos que provem a aplicabilidade da citolisina enquanto biomarcador em humanos e que confirmem que os bacteriófagos constituem uma abordagem terapêutica segura e eficaz.