Alcoolismo: explicação das perturbações de índole social através da microbiota

A microbiota dos pacientes alcoólicos poderá desregular o metabolismo dos corpos cetónicos e induzir perturbações neurocomportamentais: conclusão de um estudo de transplante de microbiota em ratos, corroborada por observação em seres humanos.

Publicado em 09 Fevereiro 2021
Atualizado em 31 Março 2022
Actu PRO : Alcoolisme : expliquer les troubles sociaux grâce au microbiote

Sobre este artigo

Publicado em 09 Fevereiro 2021
Atualizado em 31 Março 2022

Introversão, ansiedade social... observam-se alterações no comportamento social das pessoas dependentes do álcool que podem facilitar recaídas. Sabe-se que o consumo de álcool pode gerar disbiose da microbiota intestinal, e esta microbiota demonstrou capacidade para alterar o comportamento dos roedores. Daí a hipótese da sua contribuição para os problemas de sociabilidade associados com o alcoolismo. Para testar essa hipótese, os investigadores transplantaram para ratos microbiota de pacientes alcoólicos com disbiose (carga bacteriana reduzida, presença reduzida de Faecalibacterium prausnitzii e aumentada de Lachnospiraceae), permeabilidade intestinal e transtornos psicológicos (ansiedade, pulsões alcoólicas, perturbações da sociabilidade, etc.).

A microbiota bastou para a mudança de comportamentos

Resultados? Os ratos transplantados (FMT1) demonstram uma menor apetência por interações sociais e tendência para a depressão, e apresentam um nível mais elevado de corticosterona, e, portanto, de stress. Observa-se, no seu córtex pré-frontal e corpo estriado, uma alteração da mielinização e da neurotransmissão, bem como uma inflamação.

O β-hidroxibutirato, mediador metabólico?

O beta-hidroxibutirato (BHB), um corpo cetónico produzido pelo fígado que pode servir de fonte de energia aos neurónios, poderá contribuir para as perturbações cerebrais e comportamentais observadas: a nível reduzido no caso dos ratos FMT, é um dos metabolitos que os diferenciam do grupo de controlo. Investigações em outros modelos animais e, posteriormente, em seres humanos, confirmam essa sua participação: no rato, o aumento dos níveis de BHB em circulação em caso de dieta cetogénica melhora as competências sociais e a mielinização, e reduz a inflamação cerebral; nos pacientes de alcoolismo, um baixo nível de BHB em circulação está associado a graus mais elevados de ansiedade social, depressão e desejo de bebida, bem como a uma redução da integridade da substância branca (que tem a mielinização como um dos determinantes).

O etanol microbiano em causa?

Mas, como é que a microbiota é capaz de agir sobre os níveis de BHB em circulação? Nos pacientes alcoólicos, a microbiota produz etanol, mesmo em caso de abstinência prolongada de álcool, observação essa que foi confirmada nos ratos FMT. Segundo os autores, esse álcool poderá ter a capacidade de inibir a enzima Hmgcs2 e o fator de transcrição PPAR-α, que participam na síntese do BHB. E a expressão destas duas moléculas nos ratos FMT é efetivamente reduzida. O restabelecimento da microbiota ou do metabolismo dos corpos cetónicos faz parte das pistas clínicas suscitadas pelos trabalhos em questão: ao regular favoravelmente o eixo intestino-cérebro, poderá contribuir para a redução das recaídas.

1 Por Fecal Microbiota Transplant