Interferência da microbiota intestinal no tratamento da doença de Parkinson

Algumas espécies bacterianas da microbiota intestinal são um obstáculo aos tratamentos de primeira linha da doença de Parkinson. Uma equipa de investigadores caracterizou e identificou uma molécula que é capaz de inibir esta interferência.  

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 04 Março 2022
Photo : Interference of the gut microbiota with the treatment of parkinson’s disease

Sobre este artigo

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 04 Março 2022

A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa que afeta mais de 1 % das pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo. O seu tratamento produz resultados muito heterogéneos em termos de eficácia e de efeitos secundários, dependendo dos doentes. Com base num estudo publicado na revista Science, a microbiota intestinal pode ser a causa subjacente a esta variabilidade.

Tratamento com efeitos heterogéneos

O tratamento atual baseia-se num medicamento, a levodopa (L-dopa), que, quando metabolizado no cérebro, substitui a dopamina que as células neurais já não produzem. Problema: uma parte significativa da L-dopa é transformada em dopamina nos intestinos; contudo, a dopamina produzida a nível periférico não pode atravessar a barreira hematoencefálica e não pode alcançar o cérebro, o que não só reduz a eficácia do tratamento como pode gerar efeitos secundários graves (perturbações gastrointestinais e arritmias cardíacas). Por conseguinte, uma outra molécula, a carbidopa, é administrada concomitantemente para bloquear este processo de metabolização: apesar disso, até 56 % da L-dopa não chega ao cérebro.

Interferência da microbiota intestinal

Embora já se suspeitasse da interferência da microbiota intestinal na eficácia do tratamento, o seu mecanismo de ação não era claro até à realização deste estudo. A exploração do metagenoma bacteriano ajudou primeiramente a identificar uma espécie - Enterococcus faecalis - com atividade da tirosina descarboxilase que degrada a L-dopa em dopamina. Os investigadores revelaram a conversão de dopamina em m-tiramina sob a ação de outra enzima - uma desidroxilase dependente do molibdénio - presente em Eggerthella lenta. As diferenças nestas atividades microbianas podem contribuir potencialmente para respostas heterogéneas à L-dopa observadas nos doentes, explicando assim a sua reduzida eficácia e os efeitos secundários observados em alguns deles.

Bloqueio da degradação intestinal da L-dopa

Os investigadores tentaram então compreender porque é que a L-dopa se revelou pouco eficaz para impedir a metabolização intestinal da L-dopa. A sua conclusão foi que, embora esta molécula seja efetivamente capaz de inibir a descarboxilase humana envolvida na metabolização da L-dopa, acabou por não ter qualquer efeito sobre a descarboxilase presente na E. faecalis in vivo. Identificaram então um inibidor (AFMT1) capaz de bloquear a enzima bacteriana. A última fase dos seus trabalhos demonstrou que a administração do tratamento padrão (L-dopa + carbidopa), combinado com AFMT, a ratos gnotobióticos2 colonizados por E. faecalis, aumenta a concentração sérica de L-dopa, demonstrando assim in vivo a inibição da degradação da L-dopa pela microbiota intestinal. Esta é uma descoberta promissora3 que poderá abrir caminho para novas terapias que visem melhorar a nossa microbiota.

1. (S)-α-fluorometiltirosina
2. Refere-se a animais de laboratório nos quais apenas estão presentes certas estirpes de microrganismos conhecidas
3. O Professor E. Balskus recebeu o Prémio Internacional 2019 da Fundação Biocodex Microbiota por estes trabalhos e como apoio a projetos futuros sobre este tema.

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