Uma nova geração de agentes antibacterianos? Um plasmídio capaz de matar bactérias patogénicas

Há já alguns anos, tesouras moleculares que cortam o ADN têm sido testadas para matar algumas bactérias patogénicas. Porém, não havia uma maneira fiável e eficaz de atingir uma grande população de células-alvo. Ora isso está agora em curso.

Publicado em 09 Setembro 2020
Atualizado em 30 Março 2022

Sobre este artigo

Publicado em 09 Setembro 2020
Atualizado em 30 Março 2022

Como podemos ter como alvo bactérias patogénicas sem criar resistência ou induzir danos colaterais noutros membros da comunidade microbiana e com uma ferramenta simples mas eficaz? Uma equipa de Londres poderá ter encontrado a solução, baseada na CRISPR-Cas9, ou “tesoura moleculares” que pode implementar correções nos genes: um guia RNA reconhece uma sequência de ADN (chamada CRISPR) à qual a nuclease Cas9 se liga, cortando a sequência-alvo. E sabemos que qualquer corte no ADN circular bacteriano evita a sua replicação e induz a morte da célula.

Um vetor plasmídio

A ideia por trás deste estudo é a seguinte: em vez de inserir Cas9 no ADN bacteriano, os investigadores inseriram-na num plasmídio, um pequeno componente de ADN presente adicionalmente ao genoma bacteriano. Qual é a vantagem? As bactérias disseminam estes plasmídios através de um processo chamado conjugação*, até entre espécies diferentes. Até agora, porém, os estudos estavam limitados pela baixa frequência destas transferências de plasmídios. Esta deficiência foi colmatada através do desenvolvimento de um plasmídio que contém não apenas a nuclease Cas9, mas também algum equipamento necessário para o processo de conjugação. Graças às sucessivas conjugações entre bactérias (em que o recipiente se torna dador e assim sucessivamente), este novo plasmídio dissemina-se com muita rapidez, de uma população de E. coli (dadora) até uma população de quase 100 % de Salmonella entérica, considerando que quanto mais próximo for o contacto entre as células (num biofilme, por exemplo), maior a frequência da conjugação. Dever-se-á notar que esta propagação é possível porque a expressão da Cas9 é controlada: a arabinose é necessária para a expressão da nuclease e, portanto, para matar bactérias. Na ausência de arabinose, o plasmídio só é capaz de se disseminar.

Alvo: genes não essenciais

A eficácia do plasmídio em matar bactérias-alvo tinha ainda de ser avaliada ao variar um parâmetro: o gene cortado pela nuclease. Os investigadores testaram assim 65 fragmentos de guia RNA, cada um reconhecendo um gene diferente do ADN bacteriano de S. enterica – uns essenciais e outros não essenciais. Usando a E. coli como dador inicial do plasmídio, a equipa descobriu que a taxa de mortalidade da S. enterica variava entre 1 e 100 %, dependendo do gene-alvo. Embora estas diferenças estejam ainda por explicar, ter genes essenciais como alvo parece menos eficiente: leva à inserção de fragmentos de ADN no plasmídio, que subsequentemente perde a sua capacidade de matar bactérias. Ora isto não acontece com os genes não essencais.

Uma solução para alcançar os biofilmes?

Embora o modelo seja apenas baseado em 2 espécies testadas, teoricamente o plasmídio poderia ser transferido para uma comunidade microbiana complexa: portanto, a conjugação poderia já não ser o limite. Os investigadores têm agora de se centrar na eficácia do plasmídio e nos parâmetros que impactam a sua atividade. Este processo poderia ter uma vasta série de aplicações, incluindo a penetração de biofilmes que são difíceis de alcançar através de outros vetores: uma bactéria nativa do biofilme podia ser o dador inicial, permitindo assim que o plasmídio se disseminasse com muita rapidez e destruísse bactérias-alvo, mesmo as mais resistentes aos antibióticos.

*A bactéria dadora liga-se à recipiente e transfere uma hélice do ADN do plasmídio que mais tarde será novamente transformada pela recipiente num plasmídio de dupla hélice.