Transplantes fecais para restaurar a microbiota dos bebés nascidos por cesariana?

Um novo estudo, publicado na revista científica Cell, mostra que a microbiota intestinal das crianças nascidas por cesariana pode ser restabelecida mediante um transplante de microbiota fecal proveniente da mãe, passando a assemelhar-se à das crianças nascidas por parto normal.

Publicado em 15 Março 2021
Atualizado em 06 Março 2024
Actu PRO : La transplantation fécale pour restaurer le microbiote des bébés nés par césarienne ?

Sobre este artigo

Publicado em 15 Março 2021
Atualizado em 06 Março 2024

30% 1 em cada 3 mulheres sabe também que o parto (vaginal ou por cesariana) tem impacto na microbiota intestinal do recém-nascido

Os bebés nascidos por cesariana (CS) apresentam uma microbiota intestinal diferente da dos que nascem por via vaginal, devido a não terem sido expostos às bactérias da mãe durante o parto. Alguns estudos sustentam que a cesariana poderá gerar consequências a curto e a longo prazo para a saúde dos lactentes, aumentando o risco de doenças imunológicas crónicas (asma, alergias, etc.), embora tal conclusão seja ainda alvo de controvérsia. Uma equipa finlandesa avaliou a eficácia e a segurança dos transplantes de microbiota fecal (TMF) para o restabelecimento da microbiota intestinal nos lactentes nascidos por cesariana.

Protocolo clínico rigoroso

Foram recolhidas amostras de fezes de 17 futuras mães, 3 semanas antes da data prevista para a cesariana. No total, foram selecionadas sete mulheres, após uma triagem rigorosa dos patógenos presentes nas respetivas fezes. Cada bebé recebeu, pelo biberão, nas 2 horas subsequentes ao nascimento por cesariana, um TMF da mãe - contendo cerca de 106 a 107 células bacterianas viáveis - ou seja, 1 ml de fezes maternas diluídas no leite materno, para um volume total de 5 ml. A microbiota intestinal e o estado de saúde de cada um dos recém-nascidos foram avaliados no momento do nascimento, ainda na maternidade durante 2 dias, semanalmente, em seguida, ao longo de um mês e, finalmente, aos 3 meses. A composição das suas microbiotas intestinais foi analisada por sequenciação do gene 16S rRNA, e comparada com a das microbiotas de 82 bebés nascidos por via vaginal ou também por cesariana mas sem terem recebido TMF.

Resultados prometedores

O TMF não provocou nos bebés quaisquer efeitos secundários ou complicações ao longo da duração do estudo. O desenvolvimento da microbiota intestinal dos bebés de CS tratados por TMF e o dos nascidos de parto normal diferiu nos primeiros dias, mas tornou-se semelhante após 1 semana, permanecendo bastante diferente do da microbiota dos bebés de CS que não receberam transplante. O TMF pareceu corrigir a assinatura bacteriana da cesariana, ao normalizar a abundância de Bacteroidales e Bifidobacteriales de forma comparável à dos nascidos de parto normal. Além disso, a presença de potenciais agentes patogénicos foi inferior nos bebés CS tratados por TMF na 1.ª semana e aos 3 meses, em comparação com os bebés CS não tratados. Esta primeira investigação de prova do conceito demonstra a segurança e a eficácia potencial dos TMF no restabelecimento da microbiota intestinal dos bebés nascidos por cesariana. Serão ainda necessários estudos a uma escala mais alargada, mas estes resultados vêm também dar respaldo adicional à tese da importância da transferência natural da microbiota da mãe para o filho durante o parto.