As fibras podem modificar a microbiota?

Descodificar como as diferentes bactérias intestinais usam os compostos bioativos das fibras da dieta pode abrir caminho ao desenvolvimento de alimentos específicos para a microbiota, trazendo benefícios metabólicos ao hospedeiro.

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 30 Março 2022

Sobre este artigo

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 30 Março 2022

Como o impacto da microbiota intestinal na nossa saúde está cada vez mais documentado, estão a ser desenvolvidas estratégias capazes de modificar a microbiota de forma favorável, nomeadamente através da dieta. Alguns investigadores focaram-se então em alimentos específicos, destinados a atuar sobre a microbiota ou ADM (alimentos direcionados à microbiota); neste caso, em polissacarídeos (fibras das plantas).

Analisaram-se 34

Um modelo murino conduziu a um melhor entendimento de como as nossas bactérias intestinais humanas interagem com os polissacarídeos da dieta, tal como umas com as outras: ratinhos germ-free colonizados por estirpes bacterianas intestinais benéficas (Bacteroides spp. de um adulto macho magro, o que o distinguia do seu gémeo obeso) foram alimentados com combinações diferentes de 34 fibras alimentares, em adição a uma dieta pobre em fibras (representativa da típica dieta americana). Através da combinação de várias tecnologias de ponta, os investigadores identificaram os compostos bioativos das fibras que promoviam o desenvolvimento de espécies Bacteroides. Vinte e um dos 34 polissacarídeos testados melhoraram significativamente o crescimento de algumas espécies, tais como a pectina dos citrinos e a fibra da ervilha com Bacteroides thetaiotaomicron. Estes resultados podem eventualmente levar-nos a aumentar o teor destes compostos ativos na nossa dieta.

Competição inter espécies

Para compreender os mecanismos envolvidos e identificar as fibras que são ingeridas ou não, foram feitas experiências adicionais usando biossensores i.e., esferas magnéticas revestidas com polissacarídeos e facilmente removíveis das fezes. Confirmaram que 2 espécies bacterianas diferentes (por exemplo Bacteroides cellulosilyticus e Bacteroides vulgatus) são capazes de degradar os mesmos polissacarídeos, desde que tenham os genes necessários. Como resultado, concluíram que estirpes diferentes competem por recursos nutricionais.

Rumo à medicina nutricional personalizada?

Analisando como os microrganismos do intestino se adaptam ao seu ambiente (contrabalançando a ausência de uma espécie específica ou competindo uns com os outros), os cientistas observaram que algumas bactérias eram mais flexíveis do que outras quanto ao substrato utilizado. É o caso dos Bacteroides ovatus, capazes de se adaptarem à presença de B. cellulosilyticus, seus competidores para arabinoxilanos (componentes maioritários das paredes celulares de cereais e ervilhas), enquanto os B. vulgatus não têm essa capacidade. Identificar que organismos são os mais flexíveis ajuda-nos a compreender como certas estirpes podem coexistir com outros “habitantes” da comunidade intestinal. Com base nestes resultados, a equipa prevê o desenvolvimento de guidelines alimentares personalizadas, baseadas em dados microbiológicos e fisiológicos do hospedeiro, obtidos através de biossensores.