O impacto da microbiota genital masculina na saúde da mulher
Prof. Jean-Marc Bohbot
Diretor, Instituto Fournier, Paris, França
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Sobre este artigo
Autor
Os temas relativos a infeções vaginais, fertilidade ou complicações na gravidez centram-se frequentemente apenas nas mulheres. Mas há outro interveniente importante: o trato urogenital masculino (TUGM). A grande variedade de micróbios no TUGM pode afetar significativamente a saúde reprodutiva e vaginal feminina (Figura 1). A compreensão destas influências pode melhorar os desfechos para as mulheres, especialmente as que sofrem de infeções vaginais persistentes, problemas de fertilidade e complicações na gravidez.
Figura 1. Consequências da troca de bactérias associadas à vaginose durante o contacto sexual entre homens e mulheres.

O que sabemos sobre a microbiota genital masculina?
O TUGM inclui diversos ambientes microbianos distintos: a pele do pénis, a uretra, o sémen e o trato urinário. Cada um tem uma comunidade microbiana única, influenciada por fatores como a circuncisão, as práticas sexuais, a higiene e o estilo de vida.
A pele do pénis tem bactérias semelhantes às que se encontram noutras superfícies cutâneas (pele) — principalmente Corynebacterium e Staphylococcus genera1, 2. Nos homens não circuncidados, a área sob o prepúcio (o sulco balanoprepucial) é predominada por bactérias anaeróbias, tais como Anaerococcus, Peptoniphilus, Finegoldia, e Prevotella, algumas das quais também se encontram em mulheres com vaginose bacteriana (VB)1, 2. A circuncisão reduz significativamente estes organismos anaeróbios, o que pode explicar o facto de as mulheres com parceiros circuncidados terem um menor risco de VB2.
A amostragem direta da uretra é dolorosa, pelo que a maioria dos estudos utiliza a urina da primeira micção como substituto para estudar a microbiota uretral. Este fluido contém uma mistura de bactérias como Lactobacillus, Streptococcus, Sneathia, Veillonella, Corynebacteria, e Prevotella3. Curiosamente, algumas delas estão ligadas à VB (ex.: Gardnerella vaginalis) e vaginite aeróbica (S. agalactiae)4.
O sémen não é apenas o esperma, inclui também os fluidos da próstata e das glândulas seminais. Estudos mostram que uma microbiota seminal predominada por Lactobacillus está associada a melhor qualidade espermática, enquanto outras bactérias (ex.: Ureaplasma, Mycoplasma, Prevotella, e Klebsiella pneumoniae) estão associadas a uma menor fertilidade5.
A microbiota urinária masculina é menos estudada, mas níveis mais baixos de géneros de Streptococcus, Lactobacillus, Pseudomonas, e Enterococcus foram encontrados em homens com concentração anormal de espermatozoides em comparação com homens com concentração normal de espermatozoides6. Os homens com motilidade anormal dos espermatozoides podem ter níveis elevados da bactéria Dialister micraerophilus, que contribuem para um microambiente pró-inflamatório do esperma6.
A microbiota do TUGM varia consoante o estado de circuncisão, as práticas sexuais e a composição da microbiota vaginal da parceira7.
Curiosamente, a microbiota uretral dos homens homossexuais não aparenta ser modificada pelo tipo de relação sexual (oral ou anal)8. As trocas bacterianas entre parceiros durante o contacto sexual são a regra. A razão pela qual estas trocas levam à disbiose vaginal em alguns casos e não noutros não é clara.
A microbiota seminal também é influenciada por várias funções fisiológicas (idade, alterações hormonais) e pelo estilo de vida ou fatores epigenéticos (tabagismo, consumo de álcool, obesidade, dieta rica em gordura, exposição a toxinas)5. Estes fatores modificáveis são potenciais alvos de intervenção.
Qual é o impacto do TUGM na saúde das mulheres?
A transmissão de microrganismos responsáveis por infeções bacterianas e virais sexualmente transmissíveis (IST), incluindo o VIH e o vírus Herpes simplex, durante o contacto sexual é a consequência mais óbvia do impacto do TUGM na saúde feminina. As complicações femininas ao nível de IST bacterianas (gonorreia, infeções por Chlamydia trachomatis ou M. genitalium) são amplamente conhecidas (inflamação e infeção do trato genital superior, risco de infertilidade associada às trompas de Falópio).
Diversos estudos mostraram que o perfil epidemiológico das mulheres com VB é comparável ao das mulheres com IST, sugerindo uma possível transmissão sexual das bactérias envolvidas na VB. A presença de bactérias associadas à VB no prepúcio e na uretra de parceiros de mulheres com VB e uma correspondência de estirpes bacterianas vaginais e uretrais masculinas sustentam a partilha destas estirpes ou a transmissão sexual da VB.
O tratamento do parceiro do sexo masculino com antibióticos orais (metronidazol) teve um impacto muito limitado nas taxas de recorrência em mulheres com VB recorrente, embora a combinação de metronidazol com um antibiótico tópico aplicado na pele do pénis em parceiros de mulheres com VB possa reduzir o risco de recorrência9.
O impacto do TUGM na saúde uterovaginal não se limita à transferência passiva de bactérias. O líquido seminal contém substâncias próinflamatórias (como as prostaglandinas) que podem ter impacto nas respostas imunitárias e na inflamação no trato genital feminino10.
PRINCIPAIS PONTOS
- A microbiota genital masculina desempenha um papel com impacto, mas pouco reconhecido, na saúde reprodutiva feminina, nomeadamente nas infeções genitais recorrentes e nos problemas de fertilidade.
- O rastreio de rotina de IST pode não detetar bactérias importantes que não são tradicionalmente classificadas como agentes patogénicos, mas que perturbam a microbiota genital feminina.
- O tratamento da VB recorrente juntamente com o parceiro do sexo masculino pode ter de ir além dos antibióticos orais e incluir terapêuticas tópicas e dar resposta a fatores de risco partilhados.
CONCLUSÃO
A microbiota urogenital masculina é importante, não só para a saúde dos homens, mas também para a das mulheres. Embora a investigação ainda esteja a evoluir, é evidente que a dinâmica do parceiro do sexo masculino, o estilo de vida e a troca microbiana influenciam a saúde urogenital feminina. A evidência científica apoia cada vez mais uma abordagem mais holística e baseada no casal no que toca a gerir as preocupações reprodutivas, incorporando os cuidados do parceiro do sexo masculino nas estratégias de saúde sexual e reprodutiva de rotina para melhorar os desfechos para ambos os parceiros, especialmente em casos de infeções vaginais persistentes ou recorrentes. Incentivar hábitos mais saudáveis nos homens, incluindo deixar de fumar ou melhorar a dieta, pode melhorar a saúde microbiana do sémen e reduzir o risco de desfechos negativos para as suas parceiras.