Aspirina: efeito antibiótico no cancro colorretal?

Conhecida pelos seus efeitos anti-inflamatórios, a aspirina também manifesta ação antibiótica face a certas bactérias envolvidas no cancro colorretal. Ao ponto de prevenir, in vitro e in vivo, a tumorigénese.

Publicado em 18 Novembro 2021
Atualizado em 19 Novembro 2021

Sobre este artigo

Publicado em 18 Novembro 2021
Atualizado em 19 Novembro 2021

O conhecimento das correlações clínicas e dos potenciais papéis mecanicistas de certos microrganismos do intestino e da microbiota tumoral no início, progressão e sobrevivência do cancro colorretal (CCR) está a avançar. Mas ainda há um longo caminho a percorrer antes de se chegar a abordagens diagnósticas, preventivas ou terapêuticas que envolvam a microbiota. Mais um passo acaba, contudo, de ser dado: uma equipa demostrou que a aspirina, um quimiopreventivo recomendado pela (sidenote: United States Preventive Services Task Force Um painel independente e voluntário de especialistas nacionais em prevenção de doenças e em medicina baseada em evidências. 
 
)
para a profilaxia do CCR, exerce efeitos específicos sobre a (sidenote: Fusobacterium nucleatum Presença acrescida nos adenomas do cólon e CCR do ser humano, responsável pela proliferação tecidual in vitro e nos modelos animais.  ) , uma bactéria associada à doença.

Efeito in vitro e in vivo

Investigadores americanos acabaram de demonstrar que a aspirina interrompe o crescimento da cepa Fn7-1 de F. nucleatum ou pode mesmo matá-la, in vitro, em culturas de tecidos de adenomas do cólon humano. Em doses que não inibem o crescimento bacteriano, a aspirina influencia a expressão genética de Fn7-1: 55 genes são sobrerregulados e 155 são subregulados.

Foram também realizadas experiências in vivo pelos investigadores a fim de avaliar a relevância da modulação de F. nucleatum pela aspirina. Num modelo de rato, foi inoculada diariamente Fn7-1 por via oral para induzir um tumor intestinal: uma dieta enriquecida com aspirina bastou para inibir a tumorigénese observada nos ratos em comparação com a que não recebeu aspirina. O efeito protetor da aspirina também foi encontrado relativamente a outras cepas de F. nucleatum, incluindo algumas isoladas de tecidos CRC humanos, revelando-se estas mais sensíveis do que a cepa Fn7-1. Em contrapartida, o efeito protetor revelou-se muito mais moderado face a outras bactérias associadas ao CCR, como a Bacteroides fragilis enterotóxica e a Escherichia coli produtora de colibactina.

Finalmente, uma (sidenote: PCR quantitativa Método específico de PCR (reação em cadeia da polimerase) que permite medir a quantidade inicial de ADN. 
 
)
realizada no ADN de adenomas de pessoas que tomam aspirina diariamente, mostrou uma abundância 2 a 3 vezes menor de fusobactérias nesses tecidos em comparação com a dos pacientes do grupo de controlo. Este resultado sugere que o efeito modulador observado in vitro se verifica no ser humano.

Efeito antibiótico além do efeito anti-inflamatório

O conjunto destes dados confirma a atividade antibiótica direta da aspirina contra as cepas de F. nucleatum. O seu efeito protetor nos adenomas e no cancro colorretal excede, portanto, o seu papel anti-inflamatório. Parece promissor ter em consideração os efeitos da aspirina na microbiota para se otimizar a avaliação do risco/benefício da sua utilização na prevenção e tratamento do CCR. No entanto, o efeito anti-inflamatório da aspirina não é provavelmente suficiente para interromper a tumorigénese em sua totalidade. Portanto, continuam a ser necessários mais estudos antes de se perspetivar a sua utilização para melhorar o prognóstico do CCR, que é a segunda causa de morte por cancro em todo o mundo.

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