Cancro do pâncreas: o microbioma quístico sob suspeita

De acordo com um estudo Sueco, o potencial inflamatório do microbioma pancreático e o crescimento de bactérias orais nas lesões císticas pancreáticas poderão ser usados como ferramenta preditiva para a progressão a malignidade.

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 06 Outubro 2021

Sobre este artigo

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 06 Outubro 2021

Graças à melhoria da imagiologia médica, as lesões provocadas por neoplasias quísticas pancreáticas são detetadas cada vez mais frequentemente. Entre elas, as neoplasias mucinosas papilares intraductais (NMPI) do pâncreas, que podem progredir para cancro do pâncreas, são as mais comuns. A microbiota do pâncreas pode estar envolvida de várias formas no desenvolvimento destas lesões: 1) o tecido pancreático cancerígeno é mais rico em bactérias; 2) as bactérias da espécie Fusobacterium estão associadas a um pior prognóstico; 3) as bactérias intraquísticas poderão metabolizar a gencitabina, reduzindo assim os efeitos terapêuticos deste fármaco anticancerígeno.

Caracterização do microbioma quístico

Um estudo retrospetivo tentou caracterizar o microbioma de diversos quistos, mas não obteve resultados significativos, talvez porque a metodologia utilizada possa ter induzido contaminação (as amostras eram colhidas através da boca e esófago). Para resolver esta incerteza, recentemente foi levado a cabo um estudo prospetivo, com base em amostras do líquido dos quistos e do plasma colhidas durante a ressecção pancreática de 105 doentes do hospital Karokinska na Suécia: 21 quistos não-NMPI, 57 quistos NMPI e 27 quistos NMPI malignos foram posteriormente diagnosticados.

Mais bactérias e inflamação

Os resultados demonstraram que os doentes diagnosticados com uma NMPI (maligna ou não) têm uma maior quantidade de ADN bacteriano e um nível aumentado de IL-1 (interleucina pro-inflamatória) no líquido quístico, comparados com não portadores. Esta correlação não foi encontrada no plasma, sugerindo um processo local limitado ao quisto. Apesar de uma enorme variabilidade individual na composição da microbiota intraquística, o estudo sublinha que os quistos aparecem simultaneamente e apresentam níveis elevados de algumas bactérias orais, tais como Fusobacterium nucleatum e Granulicatella adiacens. Por último, a história clínica indica uma forte presença de ADN bacteriano intraquístico associado, entre outros, a lesões endoscópicas prévias relacionadas com procedimentos invasivos. Contudo, este aumento foi independente da utilização de inibidores da bomba de protões (IBP) e de antibióticos.

Conclusões terapêuticas

Apesar destes resultados ainda necessitarem de trabalho adicional, sugerem que algumas bactérias possam ter um papel no desenvolvimento de quistos que são precursores do cancro do pâncreas. Apesar de ser precoce imaginar um teste preditivo de cancro do pâncreas com base no ADN bacteriano intraquístico, os autores sublinham que o microbioma pancreático poderá eventualmente ser usado para tratar doentes. O interesse da utilização de antibióticos e o impacto de procedimentos invasivos estão entre os caminhos a explorar.