Depressão: com vista à confirmação de um diálogo intestino-cérebro?

Poderão a qualidade de vida e a depressão estar parcialmente ligadas à composição da microbiota intestinal? Um estudo definiu os contornos de uma microbiota intestinal neuroativa – ou neuromicrobioma – um novo campo de investigação em rápido crescimento.

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 04 Novembro 2021
Photo : Depression: towards confirmation of a gut-brain dialogue?

Sobre este artigo

Publicado em 14 Julho 2020
Atualizado em 04 Novembro 2021

As doenças mentais não envolvem apenas processos cerebrais de forma isolada, como evidenciado pelo crescente corpo de investigação sobre o eixo intestino-cérebro. É o caso de um estudo Belgo-holandês que demonstrou uma ligação entre qualidade de vida (QV), depressão e a composição da microbiota intestinal.

Marcadores intestinais da doença?

Os investigadores sequenciaram o genoma de bactérias intestinais de duas coortes belgas e holandesas (1,054 e 1,063 indivíduos, respetivamente) após a recolha do questionário de QV* dos participantes (parcialmente diagnosticados com depressão). Ao analisar dados bioinformáticos, conseguiram correlacionar a presença de certas bactérias com a depressão: a título de exemplo, Dialister, Faecalibacterium e Coprococcus estavam positivamente ligados à pontuação final dos questionários de QV. Isto estaria de acordo com o facto de dois deles produzirem butirato, um ácido gordo de cadeia curta encontrado em pequenas quantidades em pessoas depressivas. Outro resultado importante: o Coprococcus e o Dialister foram eliminados em doentes depressivos (com ou sem tratamento antidepressivo) em ambas as coortes. Estes dois géneros bacterianos podem, portanto, representar potenciais "psicobióticos", ou seja, probióticos que promovem boa saúde mental.

Uma gama ampla de agentes neuroativos

Os investigadores também demonstraram uma correlação positiva entre a QV e a síntese do ácido diidroxifenilacético (DOPAC), um metabolito da dopamina, por certas bactérias intestinais. É provável que muitos outros compostos** estejam envolvidos nas interações intestino-cérebro, sob a influência da microbiota intestinal, principalmente a serotonina: possivelmente produzida pelas bactérias Akkermansia, Alistipes e Roseburia, a serotonina é a molécula mais comummente encontrada no trato gastrointestinal. Também é provável que o GABA (ácido gama-aminobutírico, outro neurotransmissor capaz de inibir o excesso de impulsos nervosos nos neurónios) tenha um papel neuroativo importante, já que uma das suas vias de síntese era mais ativa em doentes depressivos numa das coortes. Estes novos caminhos devem ser investigados para melhor caracterizar os efeitos do neuromicrobioma.

* Questionário RAND com 36 perguntas com pontuação entre 0 e 100
** dopamina, acetilcolina, glutamato, acetato, propionato, butirato, histamina, quinurenina, p-cresol, entre outros