Microbiota 23 - Outubro 2025
Caros leitores,
Quando os medicamentos encontram os micróbios: um diálogo ignorado durante demasiado tempo
Nos últimos anos, habituámo-nos a pensar na microbiota intestinal como um pilar da saúde digestiva e imunitária, um órgão complexo por si só. Mas o que será que acontece quando ela se encontra com outro interveniente fundamental da medicina moderna, os medicamentos? Este é o tema fascinante da nossa mais recente edição, resumido com maestria pelo Prof. Emmanuel Montassier (Universidade de Nantes, França).
Estamos a aprender que o diálogo entre os micróbios intestinais e os medicamentos não só é real, como também é profundamente bidirecional. Os medicamentos podem reformular a microbiota, por vezes com consequências a longo prazo. Por sua vez, os micróbios podem metabolizar, ativar ou inativar os medicamentos, influenciando tanto a sua efi cácia como a sua toxicidade. De acordo com estudos referenciados nesta edição, cerca de 24% dos medicamentos não antibióticos inibem pelo menos uma espécie comensal e 10-15% são metabolizados pela microbiota, com possíveis implicações clínicas que vão desde a redução do benefício terapêutico até reações adversas aos medicamentos.
Estas interações, ainda amplamente ignoradas no desenvolvimento e prescrição de medicamentos, estão a servir de base para uma nova área científi ca: a farmacomicrobiómica. Ao combinar dados do microbioma com a genómica e as informações clínicas, estamos prestes a poder personalizar tratamentos de formas antes inimagináveis
Nesta edição, o Prof. Montassier apresenta-nos as principais descobertas, incluindo os danos colaterais dos antibióticos comuns na fl ora intestinal, os efeitos subestimados de medicamentos como os PPI e a metformina nas comunidades microbianas e as estratégias emergentes para preservar e restaurar a microbiota, que vão desde inibidores enzimáticos microbianos a medicamentos que preservam a microbiota e até mesmo a conceção de tratamentos orientados por IA.
Ao conferir clareza a esta área em rápida evolução, esperamos promover uma consciência mais ampla da microbiota intestinal, não apenas como uma vítima passiva dos medicamentos, mas como um agente terapêutico por direito próprio.
Boa leitura!