Para um índice de espécies-chave relacionadas com a saúde para a microbiota intestinal humana
ARTIGO COMENTADO - Fase adulta
Pelo Prof. Harry Sokol
Gastroenterologia e Nutrição, Hospital Saint-Antoine, Paris, França
Comentário ao artigo de Goel et al., Cell Reports 2025 1
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Sobre este artigo
Um índice robusto de taxa do microbioma intestinal, integrando a sua associação com a saúde do hospedeiro e a resiliência do microbioma, seria valioso para o desenvolvimento e otimização de terapêuticas baseadas no microbioma. Os autores apresentam uma classifi cação única de 201 taxas, o índice Health-Associated Core Keystone (HACK), com base na sua prevalência/associação comunitária em indivíduos não doentes, na sua estabilidade temporal e na sua associação com a saúde do hospedeiro. Este índice foi construído com base em 127 coortes de descoberta e 14 conjuntos de dados de validação
(totalizando 45.424 microbiomas intestinais de indivíduos com mais de 18 anos de idade, abrangendo 42 países, 28 categorias de doe nças e 10.021 amostras longitudinais). Os autores mostram que este índice é reprodutível, independentemente das estratégias de análise do microbioma e dos estilos de vida das coortes. Certos consórcios de taxas com um índice HACK elevado respondem positivamente a intervenções baseadas na dieta mediterrânica, estão associados a uma melhor resposta aos inibidores dos pontos de controlo imunitário e a perfi s funcionais específi cos a nível genómico. A disponibilidade dos índices HACK fornece assim uma base racional para comparar os microbiomas e facilitar a seleção e a conceção de terapias baseadas no microbioma.
O que é que já sabemos sobre isto?
As terapias baseadas no microbioma intestinal (probióticos, bioterapêuticos vivos, pré-sinbióticos, transplantes fecais) visam restabelecer uma microbiota saudável, mas o seu sucesso varia de uma população para outra. Para otimizar estas abordagens, precisamos de uma defi nição consensual de um microbioma “saudável”, uma tarefa difícil devido à grande variabilidade interindividual. No entanto, as meta-análises mostram que as taxas estão sistematicamente empobrecidas ou enriquecidas em várias doenças, sugerindo que os micróbios podem ser posicionados ao longo de um continuum de ligações com a saúde do hospedeiro 2, 3. As espécies no topo desta classifi cação teriam o maior potencial: i) como agentes terapêuticos diretos ou alvos de enriquecimento; ii) como marcadores de efi cácia clínica. Os autores propõem, portanto, a criação de um índice de prioridade que integre três critérios: associação positiva com a saúde, contribuição para a estabilidade da microbiota e forte “interação” da comunidade. Este índice poderia ser utilizado para selecionar e avaliar racionalmente futuras estratégias terapêuticas microbianas, com base em vastos conjuntos de dados públicos.
Quais são as principais conclusões deste estudo?
A partir de uma coorte de descoberta que inclui 39.926 microbiomas intestinais de 127 coortes (dados transversais e longitudinais
que abrangem 42 países e 28 doenças diferentes), os autores desenvolveram uma classifi cação de 201 taxas de microbiota intestinal prevalentes (detetadas em ≥ 5% das amostras em ≥ 50% das coortes estudadas), o “índice HACK” (Health-Associated Core Keystone Index), atribuindo-lhes uma pontuação baseada em três propriedades quantifi cáveis: i) prevalência/associação comunitária em indivíduos não doentes; ii) estabilidade temporal; e iii) associação negativa com a doença.
O índice HACK foi calculado como o produto de duas pontuações: i) a média das pontuações de associação de uma taxa para cada uma das três propriedades; e ii) uma pontuação de recompensa que avalia a semelhança (ou distribuição equilibrada) destas três pontuações entre elas. A análise das taxas mais bem classifi cadas por esta ordem revelou 17 taxas com um índice HACK de ≥ 75% (figura 1). Todas estas taxas tiveram pontuações ≥ 70% para as três propriedades. Estes incluem Faecalibacterium prausnitzii, um
marcador bem conhecido da saúde do microbioma 4, seguido de Bacteroides uniformis. A lista também inclui várias espécies dos géneros Roseburia, Alistipes e Eubacterium, bem como Coprococcus catus.
Os autores demonstraram então a reprodutibilidade das pontuações individuais e do índice HACK como um todo, recalculando as pontuações de associação individualmente em cada coorte, utilizando diferentes métodos de sequenciação (Shotgun ou 16S) e diferentes tipos de população (urbana industrializada vs. outra), e depois num conjunto de validação adicional constituído por 14 coortes adicionais, totalizando 5498 microbiomas.
Para além da sua ligação mais estreita com a saúde e a estabilidade da microbiota, certas taxas com um índice HACK elevado estão associadas a uma resposta favorável a várias intervenções terapêuticas relacionadas com a microbiota, como a dieta mediterrânica ou a imunoterapia contra o cancro.
Ao analisar as anotações funcionais ao nível do genoma obtidas a partir de 32.005 genomas que abrangem 122 das 201 taxas, os autores identificaram 150 famílias de funções especificamente enriquecidas e conservadas nos genomas de taxas com um índice HACK elevado. Isto representa uma vasta gama de funções: produção de butirato/propionato com propriedades anti-inflamatórias,
síntese de diversas vitaminas, biossíntese de aminoácidos neuroativos como o triptofano, bem como dos seus derivados anti-inflamatórios benéficos como os indóis ou os sulfatos de condroitina. Estas funções podem ser exploradas para compreender os mecanismos subjacentes.
Quais são as consequências práticas?
Os índices HACK foram calculados a partir de uma coorte global de 45.000 microbiomas intestinais, abrangendo os seis principais continentes, num dos estudos mais exaustivos realizados até à data. Estes índices representam um passo em frente na definição racional das prioridades das espécies microbianas intestinais como potenciais terapêuticas baseadas em microbiomas. Além disso, as
funcionalidades associadas aos índices HACK poderiam ajudar a identificar vias e capacidades metabólicas ligadas à saúde geral e à estabilidade do microbioma.
- Com base em 45.454 microbiomas de 141 coortes (42 países, 28 grupos de doenças), este estudo classificou 201 taxas de acordo com os seus modos de associação com três caraterísticas essenciais da saúde do hospedeiro e do microbioma: i) prevalência em indivíduos não doentes; ii) estabilidade temporal; e iii) associação negativa com a doença
- As 17 bactérias com as pontuações mais elevadas incluíram Faecalibacterium prausnitzii e Bacteroides uniformis em primeiro e segundo lugar, respetivamente
- A classificação foi reprodutível, independentemente do tipo de sequenciação e do estilo de vida das coortes
- As taxas mais bem classificadas estão associadas a respostas positivas a várias intervenções terapêuticas relacionadas com a microbiota
CONCLUSÃO
Utilizando uma base de dados muito alargada, este estudo identifica um grupo de 17 taxas que são particularmente prevalentes, estáveis ao longo do tempo e associadas à saúde. Para além de avançar na definição dos principais componentes da microbiota humana em termos de taxonomia e de funções, este trabalho fornece uma base racional para a definição de novas terapias baseadas ou dirigidas à microbiota intestinal.
- Goel A, Shete O, Goswami S, et al. Toward a health-associated core keystone index for the human gut microbiome. Cell Rep 2025 ; 44 : 115378.
- Shanahan F, Ghosh TS, O’Toole PW. The Healthy Microbiome—What Is the Definition of a Healthy Gut Microbiome? Gastroenterology 2021 ; 160 : 483-94.
- Pasolli E, Asnicar F, Manara S, et al. Extensive Unexplored Human Microbiome Diversity Revealed by Over 150,000 Genomes from Metagenomes Spanning Age, Geography, and Lifestyle. Cell 2019 ; 176 : 649-62.
- Martín R, Rios-Covian D, Huillet E, et al. Faecalibacterium: a bacterial genus with promising human health applications. FEMS Microbiol Rev 2023 ; 47.