Diarreia do viajante

Aviso aos viajantes e globetrotters vítimas da temível "doença do turista"! Esta infeção, geralmente benigna, que afeta a microbiota intestinal1 chama-se, na realidade, diarreia do viajante. Muito frequentemente, poderá manifestar-se em 10 a 40% dos turistas2 que realizem passeios de 2 semanas, dependendo do país visitado e das características de cada viajante. Em viagens em regiões tropicais ou subtropicais, pode afetar até 60% dos viajantes!3 Diferente em múltiplos aspetos da gastroenterite, ambas causam diarreias.2

Publicado em 17 Agosto 2021
Atualizado em 28 Outubro 2021

Sobre este artigo

Publicado em 17 Agosto 2021
Atualizado em 28 Outubro 2021

O que é a diarreia do viajante?

Ao contrário da crença popular, a diarreia do viajante não está relacionada com alimentos exóticos mal digeridos por estômagos que não estão habituados. Trata-se de uma verdadeira infeção, que pode ser causada por uma bactéria (Escherichia coli, Salmonella, Shigella, Campylobacter), caso que é o mais frequente.2 Por vezes pode dever-se a um parasita (Giardia, Cryptosporidium, etc.), ou a um vírus (norovírus, rotavírus).2 O agente patogénico responsável pela diarreia só é encontrado em 40 a 60% dos viajantes sintomáticos.4 Os principais vetores dos germes em causa são os alimentos contaminados (em especial vegetais crus, carne ou peixe mal cozinhado, frutas com casca, etc.), bem como água contaminada.5 Pode também ser transmitida a outras pessoas através do contacto, quando não se cumprem as regras mínimas de higiene.5

40 a 60% O agente patogénico responsável pela diarreia só é encontrado em 40 a 60% dos viajantes sintomáticos

E a microbiota no meio disto tudo? 

Um dos papeis da microbiota intestinal é prevenir e limitar as invasões de agentes patogénicos intestinais.6 Embora a "doença do turista" seja frequente, não deixa por isso de ter consequências. De facto, a diarreia (qualquer que seja o agente patogénico) perturba, pelo menos temporariamente, o equilíbrio da microbiota intestinal, causando a (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) .1 Este desequilíbrio pode ter consequências a longo prazo, aumentando nomeadamente o risco de se vir a sofrer de síndrome do cólon irritável pós-infeciosa,7 a qual poderá manifestar-se em 3% a 17% dos pacientes.2 Muito recentemente, uma equipa de investigação demonstrou que viajantes suecos eram mais propensos a contrair uma infeção bacteriana por Campylobacter durante as suas viagens sempre que a sua microbiota intestinal era menos rica em microrganismos em comparação com as pessoas que não se infetavam nessas mesmas viagens.8 Outra equipa comprovou que a ocorrência de diarreia durante a viagem estava associada com uma maior proporção de uma bactéria específica (Prevotella copri) nos seus intestinos, antes e depois do regresso da viagem.9 Será que a composição da microbiota intestinal dos viajantes permitirá avaliar o risco de surgir diarreia durante a viagem? Como há ainda poucos estudos, isso está ainda por confirmar!

Quais são os sintomas da diarreia do viajante?

Os sintomas e a duração variam de acordo com a causa4 (bactéria, vírus ou parasita) e permanecem, em média, entre 4 e 5 dias sem tratamento2. Às defecações abundantes, pouco consistentes ou líquidas, (pelo menos 3 por dia),5 soma-se pelo menos um dos seguintes sintomas: febre, náuseas, vómitos, cólicas abdominais e uma necessidade premente se ir à casa de banho.2 O principal risco é o de desidratação provocada pelas fezes líquidas frequentes. As pessoas de risco são as mais suscetíveis de necessitarem de hospitalização (crianças, idosos ou doentes crónicos com o sistema imunitário enfraquecido).2

Ilustração diarreia do viajante:10

Ligeira

Diarreia tolerável, que não cria dificuldades de maior nem interfere nas atividades previstas.

Moderada

Diarreia que limita ou que interfere nas atividades previstas.

Grave

Diarreia debilitante implicando incapacidade total de realizar as atividades previstas. A disenteria, ou seja, uma diarreia acompanhada de sangue e/ou muco é considerada uma diarreia grave.

Persistente

Diarreia com duração superior a 2 semanas.

Como prevenir e tratar a diarreia do viajante?

A prevenção da diarreia do viajante baseia-se sobretudo na higiene: lavagem frequente das mãos e precauções alimentares.5 Não hesite em aconselhar-se com o seu médico ou farmacêutico antes de viajar. A reidratação é fundamental no tratamento da diarreia do viajante:5 água limpa (água engarrafada ou potável), tisanas e chás de ervas, para beber frequentemente e em pequenas quantidades. Recomenda-se a ingestão de alimentos ligeiramente doces e/ou salgados (os alimentos sólidos não são contraindicados).4 Em alguns casos, podem ser receitados antidiarreicos.10 Estes permitem reduzir o risco de desidratação. Também podem ser necessários antibióticos em alguns casos. No entanto, estes podem causar uma redução da diversidade da microbiota intestinal, a qual perde assim a sua força de barreira contra as espécies (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) , e provoca a seleção de bactérias resistentes aos antibióticos.11 É por isso que eles só são recomendados nos casos de diarreia grave e em alguns casos de diarreia moderada,10 sob a supervisão de um médico. Os probióticos poderão ser úteis numa perspetiva preventiva,12 e para limitar  a extensão e a duração dos sintomas.13,14

Este artigo recorre a fontes científicas homologadas, mas não substitui o aconselhamento médico. Em caso de sintomas, consulte o seu médico generalista.

Fontes

1 Youmans BP, Ajami NJ, Jiang ZD et al. Characterization of the human gut microbiome during travelers’ diarrhea. Gut Microbes. 2015;6(2):110-9. 

2 Steffen R, Hill DR, DuPont HL. Traveler's diarrhea: a clinical review. JAMA. 2015 Jan 6;313(1):71-80. 

3 Eckbo EJ, Yansouni CP, Pernica JM, et al. New Tools to Test Stool: Managing Travelers' Diarrhea in the Era of Molecular Diagnostics. Infect Dis Clin North Am. 2019 Mar;33(1):197-212.

4 Fedor A, Bojanowski I, Korzeniewski K. Gastrointestinal infections in returned travelers. Int Marit Health. 2019;70(4):244-251. 

5 World Health Organization. 2017. Diarrhoeal disease. World Health Organization, Geneva, Switzerland. http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs330/en/. Accessed 28 October 2017.

6 Riddle MS, Connor BA. The Traveling Microbiome. Curr Infect Dis Rep. 2016 Sep;18(9):29.

7 Beatty JK, Bhargava A, Buret AG. Post-infectious irritable bowel syndrome: mechanistic insights into chronic disturbances following enteric infection. World J Gastroenterol. 2014 Apr 14;20(14):3976-85. 

8 Kampmann C, Dicksved J, Engstrand L, et al. Composition of human faecal microbiota in resistance to Campylobacter infection. Clin Microbiol Infect. 2016 Jan;22(1):61.e1-61.e8.

9 Leo S, Lazarevic V, Gaïa N, et al. The intestinal microbiota predisposes to traveler's diarrhea and to the carriage of multidrug-resistant Enterobacteriaceae after traveling to tropical regions. Gut Microbes. 2019;10(5):631-641.

10 Riddle MS, Connor BA, Beeching NJ, et al. Guidelines for the prevention and treatment of travelers' diarrhea: a graded expert panel report. J Travel Med. 2017 Apr 1;24(suppl_1):S57-S74.

11 McDonald LC. Effects of short- and long-course antibiotics on the lower intestinal microbiome as they relate to traveller's diarrhea. J Travel Med. 2017 Apr 1;24(suppl_1):S35-S38.

12 McFarland LV. Systematic review and meta-analysis of Saccharomyces boulardii in adult patients. World J Gastroenterol. 2010 May 14;16(18):2202-22. 

13 Dinleyici EC, Eren M, Ozen M, et al. Effectiveness and safety of Saccharomyces boulardii for acute infectious diarrhea. Expert Opin Biol Ther. 2012 Apr;12(4):395-410.

14 Allen SJ, Martinez EG, Gregorio GV, et al. Probiotics for treating acute infectious diarrhoea. Cochrane Database Syst Rev. 2010 Nov 10;2010(11):CD003048. 

15 Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. 

BMI 21.20