Probióticos

Probióticos: o que são exatamente? Foi necessário esperar pelo século XXI para que tenham a sua definição “oficial”. Entretanto, o consumo destes microrganismos benéficos remonta aos primórdios dos tempos.

Publicado em 27 Agosto 2021
Atualizado em 31 Agosto 2023

Sobre este artigo

Publicado em 27 Agosto 2021
Atualizado em 31 Agosto 2023

Sumário

Sumário

Sabia disso? Os nossos antepassados consumiam os antepassados dos probióticos de hoje!1 Desde o período Neolítico, foi constatado que a fermentação de alguns alimentos possuía virtudes inimagináveis. O leite, o trigo ou os legumes tornaram-se mais fáceis de conservar, mais saborosos, mais digestos... e melhores para a saúde1,2.

Na aurora da antiguidade, há pelo menos 5.000 anos atrás, os egípcios, os romanos e os hindus já apreciavam o leite fermentado2. Os turcos antigos consideravam-no como um elixir de vida. Qual o segredo da sua força lendária? Três séculos antes da nossa era, os operários chineses que construíam a Grande Muralha, comiam couve fermentada para o seu bem-estar2. Por outro lado, o célebre Hipócrates, “pai da medicina” aconselhava queijo aos atletas olímpicos1. Mesmo para os soldados do terrível Genghis Khan, o leite fermentado era fonte de força e vigor para vencer as batalhas!3 Foi somente a partir do início do século XX, sobretudo após os trabalhos de Louis Pasteur, que se descobriu que essas virtudes vinham de microrganismos benéficos1.

O que é um probiótico? 

Os probióticos são “microrganismos vivos que, ao serem administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício para a saúde do hospedeiro”!4,5. Precisa de legendas para esta versão original de especialistas?

Microrganismos…

Como bactérias ou leveduras.

vivos...

Em forma para agir: microrganismos mortos não são probióticos!

que, ao serem administrados em quantidades adequadas...

Nem demais nem de menos para agir eficazmente e sem perigo.

conferem um benefício para a saúde do hospedeiro.

Neste caso, eles possuem um efeito positivo na saúde daquele ou daquela que os consome6.

Um probiótico não é...

  • … um antibiótico, ao contrário! O termo “probiótico” (pela vida) foi justamente proposto pelos investigadores nos anos 60 para se opor ao termo “antibiótico”(contra a vida)1.
  • … uma microbiota, que descreve todos os microrganismos presentes num determinado ambiente - como os intestinos. O microbioma, é simplesmente o genoma (todos os genes) do conjunto destes microrganismos7!
  • … um pré-biótico, fibras alimentares específicas não digeríveis que “alimentam” especificamente as boas bactérias da microbiota e, assim, proporcionam um benefício para a saúde8. Quando eles são adicionados aos probióticos, em determinados produtos, nós chamamo-los de simbióticos9.
  • … um alimento fermentado, que é um alimento elaborado com microrganismos vivos escolhidos e graças a certas transformações enzimáticas: iogurte, queijo, chucrute… Mesmo tendo virtudes para a saúde, um alimento fermentado não é obrigatoriamente um probiótico10.
  • … um transplante de microbiota fecal (TMF), um tratamento que consiste em tratar a microbiota de uma pessoa doente, transplantando a de um doador saudável. Hoje em dia, o TMF é utilizado apenas em casos de infeção intestinal recidivante por uma bactéria chamada “Clostridioides difficile11.

Quem são os microrganismos probióticos?

Familiarmente chamados de “micróbios” ou então “germes”, os microrganismos são seres vivos “microscópicos”, ou seja, é impossível vê-los a olho nu12. Geralmente, eles só têm uma célula!

Entre eles, existem as bactérias, que vivem em todos os lugares no nosso ambiente: na terra, na água e mesmo dentro e fora do nosso corpo!12,13
Encontramos também os cogumelos microscópicos: leveduras (do fermento de padeiro Saccharomyces às Candida responsáveis por micoses) ou os bolores (como o Penicillium, que dá a cor “azul” ao queijo Roquefort, e da penicilina, este conhecido antibiótico)12, 14, 15,16. Os vírus também são microrganismos, mas incapazes de sobreviver sem infetar uma célula e não são sempre considerados “seres vivos”12,17. Existem também as amebas, as microalgas…18,19 Este pequeno mundo é gigantesco: existe um bilião de bactérias numa pequena colher de terra! Não fique preocupado: mais de 99% deles são inofensivos para nós12,20.
 

Os microrganismos mais comumente usados como probióticos são:

    Todos são designados por um nome específico em latim:

    1. Primeiro vem o género, por exemplo, Lactobacillus,
    2. Depois a sua espécie dentro deste género, que dá, por exemplo, Lactobacillus acidophilus”,
    3. E, finalmente, a cepa, dentro desta espécie, sob a forma de um conjunto de letras e/ou números que, como um código de barras, identifica precisamente o microrganismo. A cepa distingue as particularidades genéticas de cada espécie de microrganismo. É ela que torna o probiótico único!21

    Por exemplo Lactobacillus acidophilus XYZ123.

    Perdeu as aulas de latim?

    Pense numa salada de frutas com ameixas, cerejas, pêssegos e nectarinas. Todas elas vêm do mesmo género Prunus! A espécie Prunus avium é o nome da cereja e o Prunus persica é o nome do pêssego - do qual existe ainda centenas de variedades: amarelos, brancos, lisos, macios, redondos, achatados!22

    Como escolher os probióticos?

    Encontrar os “sortudos” entre milhares de milhões de espécies de microrganismos: dura tarefa para os investigadores! É justamente para homenagear os seus esforços que as espécies de probióticos frequentemente levam o seu nome: Saccharomyces boulardii foi, assim, isolada por Henri Boulard23 e Lactobacillus reuterii (cujo nome novo é Limosilactobacillus reuteri24) por Gerhard Reuter25.

    Sejam provenientes do leite, de frutas ou do corpo humano, as espécies de microrganismos potencialmente benéficos são estudados profundamente para encontrar as cepas mais interessantes.

      • Na primeira fase, eles são identificados de acordo com as características do seu genoma. Os microrganismos são classificados. Eles recebem um nome com um número de cepa.4,26
      • Na segunda fase, os potenciais candidatos são gradualmente reduzidos de acordo com suas propriedades benéficas, como ações reguladoras antipatogénicas, ação anticolesterol ou atuação sobre o trânsito intestinal...4,26
      • A terceira fase é para verificar se eles são seguros, ou seja, se não são prejudiciais à saúde; os investigadores então verificam se eles não possuem genes de resistência a antibióticos, toxinas ou se causam efeitos indesejáveis mas também se os candidatos a probióticos são capazes de sobreviver em certas condições extremas como o ambiente intestinal (temperatura, pH, ácidos biliares, etc.).4,26
      • A quarta fase, não menos importante, trata da validação da eficácia do probiótico nos humanos - isto é conhecido como um "ensaio clínico" que deve seguir as recomendações precisas das autoridades sanitárias ou das agências científicas (locais/nacionais). É no final disto tudo que o microrganismo testado pode ser qualificado como um probiótico4,26.
      • A última fase serve para garantir que o probiótico está vivo e na dose efetiva durante toda a vida útil do produto. As cepas probióticas são depositadas num "banco internacional de cepas microbianas"4,27.

      Para que servem os probióticos?

      O nosso corpo tem várias microbiotas. A mais importante está nos intestinos (a "flora intestinal"), mas existe também uma microbiota na pele, vagina, boca, vias respiratórias...28,29 Nestas microbiotas, milhares de milhões de microrganismos trabalham em harmonia28,30. A maioria deles é inofensivo ou benéfico para a saúde31. Alguns são potencialmente patogénicos, isto é, poderiam causar doenças, mas o seu desenvolvimento é retardado pelos microrganismos "amigos"32. Por várias razões, tais como uma dieta pouco saudável, stress, doença ou antibióticos, o equilíbrio da microbiota pode ser perturbado: isto é conhecido como " (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) "28,30. A composição da microbiota é alterada, é empobrecida, os microrganismos benéficos são menos abundantes e os agentes patogénicos tiram partido disso para colonizar o espaço e multiplicar-se33

      Vindo “em socorro” da microbiota, os probióticos podem ajudá-la a manter ou a recuperar o seu equilíbrio, agir sobre o nosso sistema de defesa imunitária reduzindo a inflamação e atacando os agentes (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) ou as suas toxinas.26 Tudo isto para prevenir ou corrigir perturbações e doenças associadas a uma disbiose34,35,36. Contudo, dependendo das cepas, os probióticos têm modos de ação diferentes, na maioria dos casos, o efeito benéfico específico pode não ser extrapolado de uma cepa para outra37.

      Porquê tomar probióticos?

      Qual o benefício? O que é que isto me dá?

      Os benefícios dos probióticos para a nossa saúde são numerosos. No entanto, de acordo com a eficácia que cada cepa de probiótico, foi demonstrando em estudos humanos, o seu interesse em situações muito específicas5,38:

      • Distúrbios do aparelho digestivo como diarreia causada por antibióticos39, as diarreias por C. difficile40, gastroenterites41, diarreia do viajante (ou "turista")42, distúrbios funcionais do intestino (ou “intestino irritado”)43,44, dos distúrbios da digestão da lactose21, as doenças inflamatórias intestinais (DICI )45…,
      • Infeções respiratórias de inverno46,
      • Doenças cutâneas47,
      • Infeções urinárias48,
      • Infeções vaginais49.

      Nos bastidores dos probióticos: como são fabricados?

      O fabrico dos probióticos exige o domínio de um procedimento técnico delicado e controlos restritos e repetidos em cada etapa da cadeia de produção. Ele deve, na verdade, garantir ao consumidor um produto final que atende a todas as normas de qualidade e de segurança. Os microrganismos probióticos devem permanecer vivos, em número suficiente e estável até ao final do tempo de conservação do produto, ser corretamente dosado para o benefício anunciado para além de não conter contaminantes.5,6,51

      Esta infografia é uma representação simplificada e não exaustiva de um processo de seleção e de fabrico de probióticos com exemplos teóricos dos pontos de controlo.

      Diferentes etapas de fabrico:6,52

      Este processo por etapas é um exemplo simplificado e não exaustivo do fabrico de probióticos.

      Colocação na cultura

      O microrganismo selecionado é colocado em cultura com substâncias nutritivas esterilizadas para que se multiplique.

      Fermentação industrial

      Esta primeira cultura é transferida para (sidenote: Fermentador Aparelho ou cuba no qual são multiplicados os microrganismo de acordo com condições de cultura controladas. Mustafa MG, Khan MGM, Nguyen D, et al. (2018)  Omics Technologies and Bio-engineering: Volume 2: Towards Improving Quality of Life, , pp. 233-249. ) sucessivos (de tamanho médio e, depois, maiores) para uma produção industrial. As condições de crescimento e a ausência de (sidenote: Contaminante Substância indesejável, impureza (microrganismos patogénicos, resíduos...) Motarjemi Y, Moy GG, & Todd EC (2014). Encyclopedia of food safety. ) devem ser estritamente controladas.

      Centrifugação

      Após a sua multiplicação, os microrganismos são separados do seu meio de cultura por centrifugação ou filtração.

      Liofilização

      A pasta obtida, que contém os microrganismos, vai ser submetida a um congelamento rápido e, de seguida, a uma desidratação para extrair a água. É a liofilização que permite evaporar, pelo menos, 96%53 da humidade restante. Assim, os microrganismos conservam-se melhor, mantendo-se vivos.

      Transformação em pó e mistura

      Este “bolo seco” obtido após a liofilização é transformado em pó fino para ser misturado (segundo o processo de produção do fabricante) aos (sidenote: Excipiente substância adicionada a um princípio ativo para melhorar o aspeto, o gosto, a conservação de um medicamento ou ainda para facilitar a colocação no seu formato comercial ou a sua administração. Cha J, Gilmor T, Lane P, Ranweiler JS. Ch.12 Stability Studies (2011) in Handbook of Modern Pharmaceutical Analysis. Separation Science and Technology, 10 (C), pp. 459-505. ) .

      Acondicionamento

      O pó é, então, condicionado no seu formato definitivo (cápsulas, saquetas, ampolas...). A escolha e a qualidade do formato utilizado deve permitir aumentar a estabilidade do produto. Finalmente, eles são colocados na sua embalagem final ou em caixas.

      Armazenamento

      Os probióticos embalados são armazenados em ambiente controlado (temperatura, humidade...).

      Distribuição dos lotes

      Finalmente eles são enviados para os seus pontos de venda, como por exemplo, as farmácias.

      Em cada etapa de produção - ou mesmo várias vezes durante uma mesma etapa - devem ser realizados controlos em amostras de forma a garantir que o produto está em conformidade, ou seja, a qualidade e a pureza são ideais.6 É necessário que os microrganismos estejam sempre vivos e sem qualquer perigo para o seu consumo.6 Para que os consumidores possam ter o máximo de confiança na qualidade dos seus produtos, certos laboratórios, além dos seus próprios controlos, fazem apelo a organismos externos e independentes que verificam se o conjunto dos processos de fabrico e de controlo da qualidade estão em conformidade com a regulamentação e as boas práticas.27

      Não é assim tão fácil escolher entre os muitos probióticos existentes, como já viu, nem todos os probióticos são idênticos. E nenhum deles, cepa ou combinação de cepas probióticas, terá todos os efeitos benéficos aqui descritos ao mesmo tempo50. Aconselhe-se com o seu médico ou farmacêutico, ele recomendará os produtos de que necessita de acordo com o seu estado de saúde.

      Observatório Internacional de Microbiotas

      Descubra os resultados de 2023

      O que é que a ciência nos reserva?

      A investigação sobre a microbiota humana e os probióticos tem vindo a desenvolver-se há vários anos. Estimulada pelos avanços tecnológicos da biologia, fornece-nos novos e por vezes surpreendentes conhecimentos científicos sobre as interações finas e complexas no âmbito dos ecossistemas microbianos. Probióticos de precisão, microRNAs, consórcios probióticos, pós-bióticos... A investigação está a abrir caminho a novas e promissoras propostas para responder às necessidades de saúde de todos e de cada um de nós, tanto agora como no futuro. 

      A ciência já nos desvendou alguns dos segredos sobre a ação dos probióticos na nossa saúde. Atualmente, sabemos que o efeito benéfico de um probiótico depende tanto da estirpe como de determinadas características da pessoa que o consome, como a idade, a alimentação, o estado de saúde, a medicação e, também, a microbiota 54 . Esse efeito pode, por conseguinte, variar de pessoa para pessoa 55 . Nos últimos anos, foram feitos grandes avanços científicos na compreensão das interações entre a microbiota e o organismo humano. Eles sugerem que a modulação desses ecossistemas microbianos poderá fornecer novas soluções para os principais desafios de nutrição e saúde 56 .

      Então, como podemos garantir que os probióticos do futuro sejam mais eficazes, mais direcionados e melhor adaptados à microbiota de cada pessoa? Muitas equipas científicas já se lançaram neste vasto campo de investigação. As armas delas para o desbravar:

      • As disciplinas “-ómicas” da biologia atual.

      (sidenote: Genómica Estudo do conjunto de genes de um ser vivo (genoma), incluindo as interações entre os genes e com seu ambiente. https://www.genome.gov/about-genomics/fact-sheets/A-Brief-Guide-to-Genomics   ) , (sidenote: Transcriptómica Estudo de todas as moléculas do ARN numa célula. O ARN é copiado a partir de pedaços de ADN e contém informação para produzir proteínas e desempenhar outras funções importantes na célula. A transcriptómica é utilizada para saber mais sobre a forma como os genes são ativados (como são regulados e expressos) em diferentes tipos de células. https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/transcriptomics https://www.nature.com/subjects/transcriptomics ) , (sidenote: Proteómica Estudo das proteínas presentes numa célula, num tecido ou num organismo (proteoma) ou da estrutura e função de uma proteína. https://academic.oup.com/chromsci/article/55/2/182/2333796     ) , (sidenote: Metabolómica Estudo de todos os metabolitos, substâncias geradas por processos biológicos durante o metabolismo, para obter a sua impressão química específica. Clish CB. Metabolomics: an emerging but powerful tool for precision medicine. Cold Spring Harb Mol Case Stud. 2015;1(1):a000588.   )  56 …. Em conjunto, estas disciplinas abrangem todos os processos e trocas celulares envolvidos no funcionamento de um sistema do organismo, como a microbiota humana. Quanto à (sidenote: Bioinformática Análise informática dos dados biológicos Cunningham M, Azcarate-Peril MA, Barnard A et al. Shaping the Future of Probiotics and Prebiotics. Trends Microbiol. 2021;29(8):667-685 ) , ela possibilita tratar os enormes volumes de dados que essas novas ferramentas geram.

      • Identificação dos principais organismos da microbiota:

      O conhecimento científico proporcionado por estes novos métodos permite aos investigadores compreender muito mais pormenorizadamente a organização da microbiota: como funciona, como os microrganismos interagem entre si e com o indivíduo que os alberga, 56 etc.… O objetivo? Identificar os microrganismos que são fundamentais para o seu equilíbrio. Isto permite aos investigadores isolar estirpes específicas seleccionadas de acordo com os seus potenciais benefícios para a microbiota e para a saúde. Podem igualmente observar o modo de acção destes futuros probióticos no seio das suas células, as suas interações com a microbiota e a resposta do hospedeiro 54,57 .

      Estas novas abordagens científicas e tecnológicas conduziram ao aparecimento dos chamados (sidenote: Probióticos de “próxima geração” Microrganismos vivos identificados com base em análises comparativas da microbiota que, quando administrados em quantidades adequadas, são benéficos para a saúde do hospedeiro. Martín R, Langella P. Emerging Health Concepts in the Probiotics Field: Streamlining the Definitions. Front Microbiol. 2019;10:1047. ) ). Entre os mais recentemente identificados contam-se a Roseburia intestinalis, a Faecalibacterium prausnitzii, a Akkermansia muciniphila e outras.  Pensa-se que estas estirpes, provenientes de espécies importantes para a microbiota humana, atuam em processos fisiológicos (metabolismo, imunidade) que não são necessariamente afetados pelos probióticos convencionais 56 , mas também em determinados mecanismos patológicos específicos implicados, por exemplo, no cancro, na obesidade, na diabetes, nas doenças cardiovasculares, inflamatórias e autoimunes, na dor, 56,58,59,60 etc... Por conseguinte, podem ser classificados como (sidenote: Produto ou agente bioterapêutico Produto biológico que contém organismos vivos, como bactérias, e que se destina a prevenir ou tratar perturbações ou doenças (as vacinas não se incluem nesta categoria). Rouanet A, Bolca S, Bru A, et al. Live Biotherapeutic Products, A Road Map for Safety Assessment. Front Med (Lausanne). 2020;7:237. ) , ou seja, medicamentos que contêm organismos vivos. Os probióticos de nova geração são, antes de mais, estirpes que nunca foram utilizadas antes. Mas podem também tratar-se de probióticos geneticamente modificados para produzir moléculas específicas de interesse, como os ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), para aumentar a sua sobrevivência no tubo digestivo, ou para melhorar o seu metabolismo, as suas propriedades imunomoduladoras, a sua capacidade de lutar contra certos agentes patogénicos, etc... 60

      Probióticos de precisão para medicina personalizada 

      A era dos “probióticos de precisão” já está em curso. E, tirando partido da variabilidade da resposta do hospedeiro, a dos probióticos personalizados está a caminho! Uma vez que o conceito de medicina personalizada toma em consideração das características específicas de cada doente para vencer a doença, os probióticos de “próxima geração” podem naturalmente ser integrados nesta abordagem devido à sua capacidade de modular a microbiota do hospedeiro de acordo com as suas características 54 .

      Os investigadores estão agora a desenvolver formas de analisar a microbiota intestinal de qualquer pessoa que possa beneficiar de um probiótico, de modo a determinar antecipadamente o mais adequado. O desenvolvimento de dispositivos miniaturizados que possam ser ingeridos visando a recolha de uma amostra da flora para a caracterizar está já a ser ponderado. Os cientistas acreditam também que, graças à democratização clínica da sequenciação de alta velocidade, cada um de nós poderá em breve ter acesso ao genoma da sua microbiota e, assim, obter recomendações “à medida” para se manter de boa saúde através da nutrição, dos probióticos ou dos prebióticos 54 .

      Novas aplicações em saúde pública

      Os probióticos estão atualmente a ser explorados como uma resposta a questões de saúde pública, particularmente em situações em que as opções terapêuticas convencionais se estão a revelar insuficientes. Por exemplo, tendo em conta o aumento preocupante da resistência aos antibióticos a nível mundial, os probióticos com atividades antimicrobianas ou imunomoduladoras estão a ser estudados como alternativas aos antibióticos. O potencial terapêutico dos probióticos para outros problemas de saúde importantes, como a obesidade, as doenças do fígado, os problemas de fertilidade, o colesterol elevado e as perturbações do humor, está também a ser testado3. Por último, pensa-se que os probióticos podem ajudar a melhorar o tratamento do cancro: por exemplo, certas estirpes parecem otimizar os tratamentos (e/ou reduzir a sua toxicidade) para os cancros do cólon, do pulmão, do rim, etc. 60,62  

      Foco sobre um agente revelado pela transcriptómica: os microARNs

      Descobertos nos anos 90, os microARNs são de grande interesse para os investigadores: reguladores finos da expressão genética, estão envolvidos em muitos processos celulares. Como a sua disfunção conduz a numerosas doenças, incluindo o cancro 63 , estão agora a ser explorados como alvos terapêuticos 64 .

      Os microARNs também regulam as interações entre as células do organismo e os microrganismos da microbiota. No entanto, os probióticos parecem ser capazes de modificar a sua expressão, por exemplo, quando esta está associada à inflamação intestinal. A possibilidade de se utilizar probióticos para atuar sobre os microARNs a fim de equilibrar a microbiota e tratar certas doenças, nomeadamente digestivas, é muito promissora. 65

      Os consórcios tem dez vezes mais poder probiótico

      Os probióticos também estão a mudar de cara: os cientistas estão a fazer experiências com eles em grupos... ou em pedaços! De facto, o equilíbrio da microbiota depende das interações entre os seus microrganismos e, em caso de disbiose, várias espécies podem estar anormalmente sub-representadas. Inspirados pelos sucessos do (sidenote: Transplante fecal Esta abordagem terapêutica consiste em introduzir as fezes de uma pessoa saudável no tubo digestivo de um doente, a fim de reconstituir a sua flora intestinal. De momento, só está autorizado para o tratamento de infeções recorrentes por Clostridioides difficile. Quigley EMM, Gajula P. Recent advances in modulating the microbiome. F1000Res. 2020;9:F1000 Faculty Rev-46. ) que integra todo um ecossistema bacteriano, os investigadores estão atualmente a testar consórcios de probióticos: formulações de várias estirpes que atuam em “rede” e em sinergia 56 para produzirem um efeito terapêutico definido 66 .

      Já ouviu falar de pós-bióticos?

      Bio pós...o quê? Pós-bióticos! 67 Não se trata de microrganismos vivos inteiros, como devem ser os probióticos, mas sim de fragmentos microbianos, de estirpes inativadas (a célula está morta e já não se multiplica) ou de metabolitos bacterianos (proteínas, enzimas, etc.) capazes de proporcionar benefícios ao hospedeiro. Vantajosos porque são fáceis de produzir e conservar, diz-se que têm alguns efeitos semelhantes ou mesmo superiores aos dos seus homólogos probióticos 56,68 . São necessários mais estudos para confirmar estes resultados iniciais encorajadores.

      Bacteriófagos: vírus assassinos de bactérias...

      Mas não é tudo: a investigação sobre tratamentos com fagos, vírus que atacam especificamente certas bactérias patogénicas da microbiota, está a ser retomada após décadas de dormência. Investigações recentes sugerem que os fagos podem vir a fazer parte do arsenal terapêutico para infeções multirresistentes. Poderão também ajudar a corrigir a disbiose associada a certas doenças ou servir de “meio de transporte” para medicamentos específicos. Também aqui são necessários mais trabalhos científicos e ensaios clínicos para que a terapia com fagos possa ser convertida numa das novas opções, eficazes e seguras, da medicina do futuro 69 .

      Explore o mundo das microbiotas!

      Imagem

      Recomendado pela nossa comunidade

      "Isso é verdade, de facto" Comentário traduzido de Farida Persaud (Da My health, my microbiota)

      "Obrigado pelas vossas importantes informações!" - Comentário traduzido de Sylvie Lalonde (Da My health, my microbiota)

      Fontes

      Gasbarrini G, Bonvicini F, Gramenzi A. Probiotics History. J Clin Gastroenterol. 2016;50 Suppl 2, Proceedings from the 8th Probiotics, Prebiotics & New Foods for Microbiota and Human Health meeting held in Rome, Italy on September 13-15, 2015:S116-S119.

      Gogineni VK, Morrow LE, Gregory PJ et al “Probiotics: History and Evolution”. 2013 J Anc Dis Prev Rem 1:2, 107.

      Butel, M-J. “Probiotics, gut microbiota and health.” Medecine et maladies infectieuses vol. 44,1 (2014): 1-8.

      4 FAO/OMS, Joint Food and Agriculture Organization of the United Nations/ World Health Organization. Working Group. Report on drafting  guidelines for the evaluation of probiotics in food, 2002.

      Hill C, Guarner F, Reid G, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014;11(8):506-514.

      Fenster K, Freeburg B, Hollard C, et al. The Production and Delivery of Probiotics: A Review of a Practical Approach. Microorganisms. 2019;7(3):83. Published 2019 Mar 17.

      7 Ursell LK, Metcalf JL, Parfrey LW, et al. Defining the human microbiome. Nutr Rev. 2012;70 Suppl 1(Suppl 1):S38-S44.

      8 Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017;14(8):491-502.

      Swanson KS, Gibson GR, Hutkins R, et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of synbiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2020;17(11):687-701. 

      10 Marco ML, Sanders ME, Gänzle M, et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on fermented foods. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2021;18(3):196-208.

      11 Zallot, Camille : Transplantation de microbiote fécal et pathologies digestives, La Lettre de l'Hépato-gastroentérologue, Vol. XXI -n° 1, janvier-février 2018.

      12 InformedHealth.org [Internet]. Cologne, Germany: Institute for Quality and Efficiency in Health Care (IQWiG); 2006-. What are microbes? 2010 Oct 6 [Updated 2019 Aug 29]. 

      13 Site Web Microbiology Society : Bacteria (accédé le 05/06/21).

      14 Site Web Microbiology Society : Fungi (accédé le 05/06/21).

      15 Guarner F, World Gastroenterology Organisation Global Guidelines : Probiotiques et prébiotiques, février 2017 :

      16 Ropars J, Caron T, Lo YC, et al. “La domestication des champignons Penicillium du fromage” [The domestication of Penicillium cheese fungi]. Comptes rendus biologies vol. 343,2 155-176. 9 Oct. 2020.

      17 Site Web Microbiology Society : Viruses (accédé le 05/06/21).

      18 Site Web Microbiology Society : Algae (accédé le 05/06/21).

      19 Site Web Microbiology Society : Protozoa (accédé le 05/06/21).

      20 “Microbiology by numbers.” Nature reviews. Microbiology vol. 9,9 (2011): 628.

      21 ILSI Europe, 2013 Probiotics, Prebiotics and the Gut Microbiota. ILSI Europe Concise Monograph. 2013:1-32

      22 https://jardinage.lemonde.fr/dossier-212-cerisier-prunus-cerasus.htm

      23 McFarland LV. Systematic review and meta-analysis of Saccharomyces boulardii in adult patients. World J Gastroenterol. 2010;16(18):2202-2222.

      24 Zheng J, Wittouck S, Salvetti E, et al. A taxonomic note on the genus Lactobacillus: Description of 23 novel genera, emended description of the genus Lactobacillus Beijerinck 1901, and union of Lactobacillaceae and LeuconostocaceaeInt J Syst Evol Microbiol. 2020;70(4):2782-2858.

      25 Britton RA. Lactobacillus reuteri. 2017 inThe Microbiota in Gastrointestinal Pathophysiology: Implications for Human Health, Prebiotics, Probiotics and Dysbiosis, 89–97.  Edited by:MH. Floch, YRingel and WA Walker

      26 Quigley EMM. Prebiotics and Probiotics in Digestive Health. Clin Gastroenterol Hepatol. 2019;17(2):333-344.

      27 Jackson SA, Schoeni JL, Vegge C, et al. Improving End-User Trust in the Quality of Commercial Probiotic Products. Front Microbiol. 2019;10:739.

      28 Site Web Inserm : Microbiote intestinal (flore intestinale) (MAJ 01/02/16, accédé le 06/06/21).

      29 Beck JM, Young VB, Huffnagle GB. The microbiome of the lung. Transl Res. 2012;160(4):258-266.

      30 INRA : Microbiote : la révolution intestinale, Dossier de Presse SIA 2017 (publié le accédé le 14/06/21)

      31 Normal Microbiota and Host Relationships. 3 Jan. 2021

      32 McFarland LV. “Normal flora: diversity and functions”. Microb Ecol Health Dis 2000;12:193–207

      33 Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232.

      34 Francino M P. Antibiotics and the Human Gut Microbiome: Dysbioses and Accumulation of Resistances. Frontiers in microbiology vol. 6 1543. 12 Jan. 2016.

      35 Karl JP, Hatch AM, Arcidiacono SM, et al. Effects of Psychological, Environmental and Physical Stressors on the Gut Microbiota. Front Microbiol. 2018;9:2013. Published 2018 Sep 11.

      36 McFarland LV. Use of probiotics to correct dysbiosis of normal microbiota following disease or disruptive events: a systematic review. BMJ Open. 2014;4(8):e005047.

      37 McFarland LV, Evans CT, Goldstein EJC. “Strain-Specificity and Disease-Specificity of Probiotic Efficacy: A Systematic Review and Meta-Analysis”. Front Med (Lausanne). 2018;5:124.

      38 Williams NT. Probiotics. Am J Health Syst Pharm. 2010;67(6):449-458.

      39 Szajewska H, Canani RB, Guarino A, et al. Probiotics for the Prevention of Antibiotic-Associated Diarrhea in Children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2016;62(3):495-506.

      40 McFarland LV, Surawicz CM, Greenberg RN, et al. A randomized placebo-controlled trial of Saccharomyces boulardii in combination with standard antibiotics for Clostridium difficile disease [published correction appears in JAMA 1994 Aug 17;272(7):518]. JAMA. 1994;271(24):1913-1918.

      41 Guarino A, Ashkenazi S, Gendrel D, et al. European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition/European Society for Pediatric Infectious Diseases evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe: update 2014. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014;59(1):132-152.

      42 McFarland LV. Meta-analysis of probiotics for the prevention of traveler's diarrhea. Travel Med Infect Dis. 2007;5(2):97-105.

      43 Brenner DM, Chey WD. Bifidobacterium infantis 35624: a novel probiotic for the treatment of irritable bowel syndrome. Rev Gastroenterol Disord. 2009;9(1):7-15

      44 McKenzie YA, Thompson J, Gulia P, et al. (IBS Dietetic Guideline Review Group on behalf of Gastroenterology Specialist Group of the British Dietetic Association). British Dietetic Association systematic review of systematic reviews and evidence-based practice guidelines for the use of probiotics in the management of irritable bowel syndrome in adults (2016 update). J Hum Nutr Diet. 2016;29(5):576-592.

      45 Bejaoui M, Sokol H, Marteau P. Targeting the Microbiome in Inflammatory Bowel Disease: Critical Evaluation of Current Concepts and Moving to New Horizons. Dig Dis. 2015;33 Suppl 1:105-112.

      46 Smith TJ, Rigassio-Radler D, Denmark R, et al. Effect of Lactobacillus rhamnosus LGG® and Bifidobacterium animalis ssp. lactis BB-12® on health-related quality of life in college students affected by upper respiratory infections. Br J Nutr. 2013;109(11):1999-2007.

      47 Li L, Han Z, Niu X, et al. Probiotic Supplementation for Prevention of Atopic Dermatitis in Infants and Children: A Systematic Review and Meta-analysis. Am J Clin Dermatol. 2019;20(3):367-377.

      48 Beerepoot MA, Geerlings SE, van Haarst EP, et al. Nonantibiotic prophylaxis for recurrent urinary tract infections: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Urol. 2013;190(6):1981-1989.

      49 Borges S, Barbosa J, Teixeira P. Gynecological Health and Probiotics. 2016. In book Probiotics, Prebiotics, and Synbiotics (pp.741-752)

      50 Video ISAPP : Probiotics : How to choose a probiotic?

      BMI-23.38