Diarreia associada a antibióticos

Os antibióticos constituem uma ferramenta poderosa na luta contra as infeções bacterianas. Embora os tratamentos pareçam normalmente resultar sem que surjam efeitos secundários óbvios a curto prazo, o desequilíbrio da microbiota intestinal que eles causam  nos pacientes pode causar diarreia em até 35% destes1-3. Essa diarreia associada aos antibióticos pode, por vezes, ocultar uma infeção intestinal grave.3

Publicado em 19 Agosto 2021
Atualizado em 07 Novembro 2023

Sobre este artigo

Publicado em 19 Agosto 2021
Atualizado em 07 Novembro 2023

Como é que os antibióticos desequilibram a flora intestinal?

Os antibióticos, embora eliminem os (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) responsáveis por determinada infeção, também podem destruir algumas bactérias benéficas da microbiota, causando sistematicamente um desequilíbrio mais ou menos importante dentro deste ecossistema. Este fenómeno, conhecido por (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) , será a causa da diarreia associada a antibióticos, uma vez que a microbiota intestinal fica com menos capacidade para cumprir as suas funções de proteção. A referida situação pode afetar até 35% dos pacientes,1-3 percentagem que nas crianças pode mesmo atingir os 80%.1

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Além disso, a microbiota intestinal, apesar de possuir um certo nível de resiliência (ou seja, a sua composição regressar a uma composição próxima da que tinha antes do desequilíbrio induzido pelos antibióticos), pode, por vezes, não recuperar inteiramente.4,5 Um estudo recente demonstrou que os antibióticos podem alterar a diversidade e a abundância de bactérias, e que esse desequilíbrio pode ser prolongado (geralmente de 8 a 12 semanas após a cessação do tratamento).1,6

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Antibióticos são bem conhecidos por destruir patógenos, mas poucos sabem que eles também podem eliminar certas bactérias benéficas, chamadas comensais de nossa microbiota

Na maioria dos casos, trata-se de uma diarreia sem outros sintomas 

A principal consequência a curto prazo de um tratamento com antibióticos é uma alteração do trânsito intestinal em alguns pacientes, que na maioria das vezes resulta em diarreia. Esta define-se pela emissão, pelo menos três vezes, de fezes muito moles a líquidas, nas 24 horas seguintes ao início de um  tratamento com antibióticos, ou até 2 meses após a sua cessação.7-9 A incidência da diarreia associada aos antibióticos depende de vários fatores (idade, contexto, tipo de antibiótico, etc.). Na grande maioria dos casos, a diarreia é de origem funcional, ou seja, encontra-se associada a um desequilíbrio da microbiota intestinal, sendo geralmente de intensidade ligeira a moderada.1 Os antibióticos com atividade antimicrobiana de mais largo espectro (ou seja, que atuam sobre um maior número de bactérias) estão associados a taxas mais elevadas de ocorrência de diarreia.3 

Os antibióticos salvam vidas! Sabia que eles também têm impacto na sua microbiota? Sabia que a má utilização e o uso excessivo de antibióticos pode levar à resistência aos antibióticos? Já ouviu falar da Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW)? Todas as respostas nesta página :

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No entanto, em 10 a 20% dos casos, a diarreia resulta de uma infeção por Clostridioides difficile (C. difficile): uma bactéria que se pode tornar patogénica sob a influência de certos fatores, como a toma de antibióticos, por exemplo, mas também a idade acima dos 65 anos ou mesmo certas patologias associadas3... A colonização da microbiota intestinal por esta bactéria desencadeia uma reação inflamatória, com consequências clínicas que vão desde diarreia moderada até sintomas muito mais graves e mesmo à morte3.

A suspensão da toma de antibióticos é o tratamento mais eficaz?

O tratamento da diarreia associada a antibióticos depende dos sintomas e do agente patogénico (C. difficile, por exemplo).10 Em casos de diarreia leve a moderada, o tratamento baseia-se na interrupção da toma do antibiótico em questão (ou na sua substituição por outro antibiótico com menor probabilidade de causar diarreia), para permitir que a microbiota se restabeleça e que o paciente se reidrate.10

Múltiplos estudos demonstraram já o valor dos probióticos quanto a permitirem a reconstituição da microbiota intestinal: alguns probióticos demonstraram ser eficazes na prevenção e no tratamento da diarreia associada aos antibióticos.13-15 Comprovou-se que há outros probióticos cuja toma durante o tratamento com antibióticos reduz o risco de uma primeira infeção por C. difficile, bem como de infeções recorrentes.6,11,12 Para terminar, o transplante de microbiota fecal, que consiste em implantar por via natural uma microbiota sã na pessoa doente para restaurar o seu ecossistema microbiano, está por enquanto restrito aos casos mais graves de infeções: apenas está indicado para o tratamento de recidivas de infeções pela bactéria patogénica C. difficile16,17

Este artigo recorre a fontes científicas homologadas, mas não substitui o aconselhamento médico. Em caso de sintomas, não hesite em consultar o seu médico generalista ou o pediatra dos seus filhos.

O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?

Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência antimicrobiana mundial.

A resistência antimicrobiana ocorre quando as bactérias, vírus, parasitas e fungos alteram-se com o tempo e já não respondem aos medicamentos. Como resultado da resistência aos medicamentos, os antibióticos e outros medicamentos antimicrobianos tornam-se ineficazes e as infeções tornam-se cada vez mais difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de doenças, doenças graves e morte.

Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizar cuidadosamente antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasíticos, de forma a evitar o surgimento futuro de resistência antimicrobiana. 

Fontes

1 McFarland LV, Ozen M, Dinleyici EC et al. Comparison of pediatric and adult antibiotic-associated diarrhea and Clostridium difficile infections. World J Gastroenterol. 2016;22(11):3078-3104.

2  Bartlett JG. Clinical practice. Antibiotic-associated diarrhea. N Engl J Med 2002;346:334-9.

3  Theriot CM, Young VB. Interactions Between the Gastrointestinal Microbiome and Clostridium difficile. Annu Rev Microbiol. 2015;69:445-461.

4 Dethlefsen L, Relman DA. Incomplete recovery and individualized responses of the human distal gut microbiota to repeated antibiotic perturbation. Proc Natl Acad Sci U S A. 2011;108 Suppl 1(Suppl 1):4554-4561.

5  Francino MP. Antibiotics and the Human Gut Microbiome: Dysbioses and Accumulation of Resistances. Front Microbiol. 2016;6:1543.

6 Kabbani TA, Pallav K, Dowd SE et al. Prospective randomized controlled study on the effects of Saccharomyces boulardii CNCM I-745 and amoxicillin-clavulanate or the combination on the gut microbiota of healthy volunteers. Gut Microbes. 2017;8(1):17-32.

7 Wiström J, Norrby SR, Myhre EB, et al. Frequency of antibiotic-associated diarrhoea in 2462 antibiotic-treated hospitalized patients: a prospective study. J Antimicrob Chemother. 2001 Jan;47(1):43-50. 

8 McFarland LV. Epidemiology, risk factors and treatments for antibiotic-associated diarrhea. Dig Dis. 1998 Sep-Oct;16(5):292-307. 

9 Bartlett JG, Chang TW, Gurwith M, et al. Antibiotic-associated pseudomembranous colitis due to toxin-producing clostridia. N Engl J Med. 1978 Mar 9;298(10):531-4. 

10 Barbut F, Meynard JL. Managing antibiotic associated diarrhoea. BMJ. 2002 Jun 8;324(7350):1345-6. 

11 Szajewska H, Kołodziej M. Systematic review with meta-analysis: Saccharomyces boulardii in the prevention of antibiotic-associated diarrhoea. Aliment Pharmacol Ther. 2015 Oct;42(7):793-801. 

12 Hempel S, Newberry SJ, Maher AR, et al. Probiotics for the prevention and treatment of antibiotic-associated diarrhea: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2012 May 9;307(18):1959-69. 

13 McFarland LV, Surawicz CM, Greenberg RN, et al. A randomized placebo-controlled trial of Saccharomyces boulardii in combination with standard antibiotics for Clostridium difficile disease. JAMA. 1994 Jun 22-29;271(24):1913-8. 

14 Kotowska M, Albrecht P, Szajewska H. Saccharomyces boulardii in the prevention of antibiotic-associated diarrhoea in children: a randomized double-blind placebo-controlled trial. Aliment Pharmacol Ther. 2005 Mar 1;21(5):583-90. 

15 McFarland LV. Probiotics for the Primary and Secondary Prevention of C. difficile Infections: A Meta-analysis and Systematic Review. Antibiotics (Basel). 2015 Apr 13;4(2):160-78. 

16 Surawicz CM, Brandt LJ, Binion DG, et al. Guidelines for diagnosis, treatment, and prevention of Clostridium difficile infections. Am J Gastroenterol. 2013 Apr;108(4):478-98; quiz 499.

17 Li YT, Cai HF, Wang ZH, et al. Systematic review with meta-analysis: long-term outcomes of faecal microbiota transplantation for Clostridium difficile infection. Aliment Pharmacol Ther. 2016 Feb;43(4):445-57.

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