A microbiota desempenha algum papel na infertilidade?
Publicações científicas recentes vieram fornecer novos dados que destacam o papel fundamental da microbiota vaginal na saúde das mulheres. O Biocodex Microbiota Institute lança um conjunto de entrevistas com especialistas dedicado à microbiota, às mulheres e à saúde. O que é que já se sabe sobre a microbiota e a saúde feminina? O que é que ainda falta descobrir?
Neste último episódio, a Prof. Ina Schuppe explora o papel da microbiota na infertilidade feminina.
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Há cerca de 48 milhões de casais e 186 milhões de pessoas que vivem em todo o mundo com infertilidade.
Para começar, uma pergunta frequente: o que é a infertilidade?
Prof. Ina Schuppe-Koistinen: Segundo a OMS, a infertilidade é uma doença do sistema reprodutivo masculino ou feminino que se define pela incapacidade em se alcançar uma gravidez após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares desprotegidas 1. Os métodos utilizados para calcular a sua frequência variam entre os estudos de investigação, e essa variação torna difícil compreender e avaliar a magnitude do problema. Contudo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a infertilidade afete aproximadamente 15% de todos os casais em idade reprodutiva a nível mundial, o que tem impacto nas respetivas famílias e comunidades 1,2 – mas este número oculta variações consideráveis entre países e dentro de cada país. A infertilidade pode ser primária ou secundária. Há infertilidade primária quando nunca foi alcançada qualquer gravidez, e infertilidade secundária quando já houve pelo menos uma gravidez anterior.
Nos homens, a infertilidade é mais habitualmente causada por problemas de ejaculação, de ausência ou de baixos índices de espermatozoides, ou na forma e motilidade anormais dos mesmos.
Nas mulheres, a infertilidade pode ser causada por diferentes anomalias dos ovários, do útero, das trompas de Falópio ou do sistema endócrino.
Após exclusão desses problemas, aproximadamente 15% de todos os casos de infertilidade são inexplicáveis.
Estimativa da infertilidade
A Organização Mundial de Saúde estima que a infertilidade afete aproximadamente 15% de todos os casais em idade reprodutiva a nível mundial 1,2 e 15% de todos os casos de infertilidade são inexplicáveis.
Existe atualmente algum tratamento disponível para ajudar os casais?
I.S.-K.: A infertilidade é tratada através das
(sidenote:
Técnicas de procriação medicamente assistida (ART)
As ART incluem todos os tratamentos de fertilidade em existe manipulação dos óvulos ou dos embriões. Em geral, os procedimentos de ART envolvem a remoção cirúrgica de óvulos dos ovários de uma mulher, a sua combinação com espermatozoides em laboratório e A sua implantação no corpo dessa mulher ou a sua doação a outra.
NÃO incluem os tratamentos em que sejam manipulados apenas os espermatozoides (ou seja, inseminação intrauterina ou artificial), nem os procedimentos em que a mulher tome medicamentos apenas para estimular a produção de óvulos sem o objetivo de que os mesmos sejam colhidos.
)
(ART), como a fertilização in vitro (FIV), que se encontram disponíveis há mais de três décadas, responsáveis por mais de 5 milhões de crianças nascidas em todo o mundo. No entanto, estas técnicas ainda estão em grande parte indisponíveis, inacessíveis e incomportáveis em muitas regiões do mundo, particularmente nos países de baixos e médios rendimentos.
5 milhões de crianças nascidas em todo o mundo
Que papel desempenha a microbiota vaginal na infertilidade?
I.S.-K.: Para além de órgãos reprodutivos saudáveis, uma gravidez bem-sucedida depende de um cruzamento funcional entre o sistema imunitário e a expressão de hormonas que permitem a fertilização e a implantação do embrião semi-estranho, ao mesmo tempo que impedem a entrada e a colonização de
(sidenote:
Agente patogénico
Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença
Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6.
)
. Uma microbiota vaginal saudável é dominada por espécies de
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Lactobacilos
Bactérias em forma de bastonete cuja característica principal é a de produzirem ácido láctico. É por essa razão que se fala em “bactérias do ácido láctico”.
Estas bactérias estão presentes no ser humano ao nível das microbiotas oral, vaginal e intestinal, mas também nas plantas ou nos animais. Podem ser consumidas nos produtos fermentados: em produtos lácteos, como o iogurte e alguns queijos, e também em outros tipos de alimentos fermentados – picles, chucrute, etc..
Os lactobacilos são também consumidos em produtos que contêm probióticos, com algumas espécies a serem conhecidas pelas suas propriedades benéficas.
W. H. Holzapfel et B. J. Wood, The Genera of Lactic Acid Bacteria, 2, Springer-Verlag, 1st ed. 1995 (2012), 411 p. « The genus Lactobacillus par W. P. Hammes, R. F. Vogel
Tannock GW. A special fondness for lactobacilli. Appl Environ Microbiol. 2004 Jun;70(6):3189-94.
Smith TJ, Rigassio-Radler D, Denmark R, et al. Effect of Lactobacillus rhamnosus LGG® and Bifidobacterium animalis ssp. lactis BB-12® on health-related quality of life in college students affected by upper respiratory infections. Br J Nutr. 2013 Jun;109(11):1999-2007.
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que a ajudam a proteger contra agentes patogénicos ao produzirem ácido láctico e outras moléculas que os matam. Por isso, uma microbiota vaginal dominada por espécies de Lactobacillus é importante para a fertilidade.
35% Apenas 1 em cada 3 afirmam que o seu médico alguma vez lhes ensinou o que é a microbiota vaginal e para que serve
A microbiota vaginal
Há vários estudos que associam níveis elevados de células inflamatórias e marcadores de inflamação elevados na vagina e no útero das mulheres com infertilidade inexplicável. Múltiplos estudos apontam para a microbiota vaginal como fator de inflamação local mediante substâncias produzidas por micróbios vaginais e fatores de resposta inflamatória do hospedeiro 3,4. Por outras palavras, uma microbiota vaginal disbiótica contribui para um estado inflamatório que exerce impacto negativo na fertilidade.
Finalmente, já vários estudos demonstraram uma associação entre a microbiota e doenças e infeções que influenciam a fertilidade, como a vaginose bacteriana, o cancro do colo do útero, a síndrome do ovário poliquístico e a endometriose. É vital a existência de mais investigação sobre como a microbiota influencia a fertilidade 5.
E relativamente à vaginose bacteriana?
I.S.-K.: A vaginose bacteriana é uma causa vulgar de inflamação e de desconforto vaginal nas mulheres em idade reprodutiva. Na vaginose bacteriana, a microbiota vaginal saudável é subjugada por bactérias menos favoráveis. Embora na vaginose bacteriana a composição das bactérias varie de pessoa para pessoa, existem algumas espécies como Gardnerella, Atopobium, Sneathia, Megasphaera, Dialister e outras, que se encontram com mais frequência 6. A composição microbiana da vaginose bacteriana tem sido ligada a vários desfechos de gravidez, incluindo o nascimento pré-termo, e pode também afetar a microbiota do sémen após a relação sexual, o que, a prazo, pode ter impacto na qualidade ou na motilidade dos espermatozoides. A sua ligação à infertilidade não se encontra inteiramente estabelecida, mas os dados sugerem que a vaginose bacteriana levará a uma redução da fertilidade 7.
Vaginose bacteriana
Será que uma perturbação da flora vaginal tem impacto no resultado dos procedimentos das técnicas de procriação assistida?
I.S.-K.: Estudos têm demonstrado que uma microbiota vaginal saudável e com certas espécies de Lactobacillus durante as técnicas de procriação assistida pode ter um impacto positivo no sucesso, enquanto que as mulheres com vaginose bacteriana obtêm resultados inferiores.
É necessária mais investigação para se responder à pergunta sobre se a presença ou ausência de certas bactérias vaginais está ou não associada ao sucesso ou à incapacidade em engravidar após a FIV 8.
A saúde intestinal pode, através da microbiota intestinal, afetar a fertilidade?
I.S.-K.: A microbiota do aparelho reprodutivo feminino representa cerca de 10% da população microbiana total do organismo. A grande maioria dos micróbios humanos encontra-se nos intestinos. Esses micróbios estão altamente ligados à nossa saúde e não influenciam apenas o meio intestinal, mas também outros órgãos do corpo. Os micróbios vaginais derivam principalmente do intestino, embora os mecanismos em causa ainda não sejam bem compreendidos. Tendo em conta que os micróbios intestinais metabolizam o estrogénio, hormona sexual feminina, eles afetam diretamente a fisiologia e a saúde reprodutiva femininas. Por conseguinte, uma microbiota intestinal saudável é importante não só para a saúde, mas também para a fertilidade.
A microbiota intestinal
E quanto aos homens: a microbiota genital dos homens poderá desempenhar algum papel na fertilidade?
I.S.-K.: Uma vez mais, existem poucos estudos que tenham analisado a microbiota do sistema reprodutivo masculino9. A mucosa genital masculina contém uma composição bacteriana semelhante à das estructuras anatómicas adjacentes, com espécies bacterianas como Prevotella, Staphylococcus, Corynebacterium, e Anaerococcus, e é afetada pelas relações sexuais. A circuncisão masculina parece influenciar a microbiota peniana. São necessários mais estudos e mais investigação para se compreender o papel da microbiota genital masculina na fertilidade.
Tendo em conta o papel desempenhado pela microbiota, há algum conselho no sentido de se melhorar a fertilidade?
I.S.-K.: O mais importante é ter-se um estilo de vida saudável ao tentar engravidar. Fatores ambientais e de estilo de vida como o tabagismo, o consumo excessivo de álcool e o stress podem afetar a fertilidade, tal como o excesso ou a carência de peso. Um estilo de vida saudável inclui também uma dieta que faça a microbiota prosperar, tanto no intestino como na vagina. O meu conselho é que se recorra a uma dieta rica em vegetais e em frutas, para se alimentar a microbiota com fibras. Alimentos fermentados como o iogurte, o kefir, o kimchi ou a chucrute proporcionam as importantes espécies de lactobacilos que promovem a fertilidade.
As mulheres devem evitar hábitos de higiene que influenciem a pele sensível da vulva. Não devem usar sabão ou produtos que contenham perfumes, e não necessitam de lavar a vagina, uma vez que esta limpa-se a si própria através do corrimento natural. A lavagem apenas pode destruir a microbiota vaginal existente.
Descubra a entrevista da Prof. Ina Schuppe Koistinen:
BMI 23.09
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1. World Health Organization (WHO). Infertility. Sept 2020. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infertility
2. Mascarenhas MN, Flaxman SR, Boerma T, et al. National, regional, and global trends in infertility prevalence since 1990: a systematic analysis of 277 health surveys. PLoS Med 2012;9(12):e1001356.
3. Vitale SG, Ferrari F, Ciebiera M, et al. The Role of Genital Tract Microbiome in Fertility: A Systematic Review. Int J Mol Sci. 2021 Dec 24;23(1):180
4. Bokulich NA, Łaniewski P, Adamov A, et al. Multi-omics data integration reveals metabolome as the top predictor of the cervicovaginal microenvironment. PLoS Comput Biol. 2022 Feb 23;18(2):e1009876.
5. Elkafas H, Wall M, Al-Hendy A, et al. Gut and genital tract microbiomes: Dysbiosis and link to gynecological disorders. Front Cell Infect Microbiol. 2022 Dec 16;12:1059825.
6. Chen X, Lu Y, Chen T, et al. The Female Vaginal Microbiome in Health and Bacterial Vaginosis. Front Cell Infect Microbiol. 2021 Apr 7;11:631972.
7. Ravel J, Moreno I, Simón C. Bacterial vaginosis and its association with infertility, endometritis, and pelvic inflammatory disease. Am J Obstet Gynecol. 2021 Mar;224(3):251-257
8. Koedooder R, Singer M, Schoenmakers S, et al. The vaginal microbiome as a predictor for outcome of in vitro fertilization with or without intracytoplasmic sperm injection: a prospective study. Hum Reprod. 2019 Jun 4;34(6):1042-1054.
9. Gonçalves MFM, Fernandes R, Rodrigues AG, et al. Microbiome in Male Genital Mucosa (Prepuce, Glans, and Coronal Sulcus): A Systematic Review. Microorganisms. 2022 Nov 22;10(12):2312