A microbiota intestinal participa na defesa dos pulmões contra as infeções respiratórias virais

A microbiota desempenha um papel fundamental no desenvolvimento, treino e funcionamento do sistema imunitário, tanto a nível local como sistémico. Embora a microbiota das vias aéreas regule localmente a função imunitária, a microbiota intestinal pode também influenciar a imunidade respiratória, através do eixo intestino-pulmão.1 Têm-se observado alterações das microbiotas pulmonar e intestinal em muitas doenças respiratórias, não tendo, contudo, sido possível determinar ainda se a disbiose desses locais surge como causa ou consequência da doença.2 A alteração da composição da microbiota intestinal devido à dieta, ao uso de antibióticos, ao envelhecimento ou a doença, encontrase associada a respostas imunitárias alteradas e homeostase das vias aéreas,3 revelando que a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento de doenças em todo o corpo, inclusivamente quanto ao risco de infeções respiratórias (figura 6).4

Em comparação com a microbiota intestinal, os estudos sobre a microbiota pulmonar ainda se encontram na infância.5 Pensou- se originalmente que os pulmões eram estéreis, mas investigadores descobriram recentemente que abrigam a sua própria microbiota, com uma composição diferente da microbiota intestinal.6

Quaisquer fatores que induzam a disbiose na microbiota podem alterar a normalmente benéfica interação intestino-pulmão, aumentando a suscetibilidade às infeções respiratórias.10

Estudos têm revelado que a microbiota intestinal poderá participar no fornecimento de proteção contra as infeções respiratórias virais (como a gripe e o vírus respiratório sincicial),2 através de múltiplos mecanismos. Por exemplo, metabolitos microbianos intestinais, como os AGCC (ácidos gordos de cadeia curta, obtidos da fermentação de fibras alimentares por bactérias comensais) e a desaminotirosina (DTA, produto da degradação de flavonoides vegetais produzida por bactérias intestinais humanas7) influenciam a produção pulmonar de interferon tipo I (IFNs), que induz proteção antiviral.8,9 Juntamente com os metabolitos microbianos, há componentes microbianos (como LPS) que ajudam a proteger os pulmões contra infeções respiratórias virais (figura 6). A microbiota intestinal também desempenha um papel na eliminação de vírus (influenza - gripe) ao estimular a função efetora das células T CD8+.10

FIGURA 6: O papel da microbiota intestinal nas infeções
respiratórias virais.

Adaptado de Sencio V et al, 202010

Quaisquer fatores que induzam disbiose na microbiota intestinal (envelhecimento, antibióticos, doenças como a obesidade, a diabetes, etc.) também podem alterar a normalmente benéfica interação intestino-pulmão, aumentando a suscetibilidade às infeções respiratórias.10

Fontes

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Dumas A, Bernard L, Poquet Y, et al. The role of the lung microbiota and the gut-lung axis in respiratory infectious diseases. Cell Microbiol. 2018 Dec;20(12):e12966. 

Dang AT, Marsland BJ. Microbes, metabolites, and the gut-lung axis. Mucosal Immunol. 2019 Jul;12(4):843-850.

4 Thibeault C, Suttorp N, Opitz B. The microbiota in pneumonia: From protection to predisposition. Sci Transl Med. 2021 Jan 13;13(576):eaba0501.

5 Huffnagle GB, Dickson RP, Lukacs NW. The respiratory tract microbiome and lung inflammation: a two-way street. Mucosal Immunol. 2017 Mar;10(2):299-306. 

6 Man WH, de Steenhuijsen Piters WA, Bogaert D. The microbiota of the respiratory tract: gatekeeper to respiratory health. Nat Rev Microbiol. 2017 May;15(5):259-270. 

Schoefer L, Mohan R, Schwiertz A, et al. Anaerobic degradation of flavonoids by Clostridium orbiscindens. Appl Environ Microbiol. 2003 Oct;69(10):5849-54.

Antunes KH, Fachi JL, de Paula R, et al. Microbiota-derived acetate protects against respiratory syncytial virus infection through a GPR43-type 1 interferon response. Nat Commun. 2019 Jul 22;10(1):3273. 

9 Steed AL, Christophi GP, Kaiko GE, et al. The microbial metabolite desaminotyrosine protects from influenza through type I interferon. Science. 2017 Aug 4;357(6350):498-502.

10 Sencio V, Machado MG, Trottein F. The lung-gut axis during viral respiratory infections: the impact of gut dysbiosis on secondary disease outcomes. Mucosal Immunol. 2021 Mar;14(2):296-304.

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Amortecimento da inflamação gastrointestinal atraves da nutrição

por Dr Genelle Healey

Há várias formas de se influenciar a composição da microbiota intestinal e modular a resposta imunitária (prebióticos, probióticos, etc.).31 Uma das opções consiste em intervenções dietéticas com o potencial de alterar a atividade do sistema imunitário local, amortecendo assim o aumento do tónus inflamatório observado nessas situações - aquilo que se designa imunonutrição.32 Os imunonutrientes mais amplamente estudados incluem os ácidos gordos polinsaturados ómega 3 (n-3 PUFA), a vitamina D, a arginina, os nucleótidos e a glutamina.32

Fontes de Vitamina D:

  • peixes gordos, óleo de fígado de bacalhau
  • ovos, cogumelos
  • alimentos fortificados: laticínios, cereais e alternativas ao leite (por exemplo, leite de soja)38
  • produzida na pele em resposta à exposição à luz solar39

A vitamina D e os seus efeitos nas respostas imunitárias intestinais 

Embora a função melhor caracterizada da vitamina D seja o seu papel no controlo dos níveis de cálcio e, portanto, na manutenção da saúde dos ossos, também se sabe que possui efeitos importantes nas respostas imunitárias GI. A vitamina D regula vários genes que regem a função de barreira intestinal, bem como genes que codificam peptídeos antimicrobianos, ajudando assim a manter o equilíbrio intestinal (figura 5).33 Exerce um efeito imunomodulador, incluindo a diferenciação, migração e funções anti-inflamatórias das células imunes,34 e pode agir diretamente nas células de Paneth para promover a secreção de defensina 2.35 A vitamina D também promove a diversidade da composição da microbiota intestinal, provocando o aumento da produção de butirato. O butirato pode exercer efeitos anti-inflamatórios, aumentar a função de barreira intestinal e reforçar a secreção de defensinas pelas células de Paneth (figura 5). Curiosamente, demonstrou-se que algumas bactérias probióticas (por exemplo, cepas de Lactobacillus) aumentam os níveis de vitamina D no sangue.36

FIGURA 5: Efeitos da vitamina D nas células intestinais, na microbiota intestinal e na barreira intestinal.

Adaptado de Chen J et al, 2021.37
Fontes

31 Vieira AT, Teixeira MM, Martins FS. The role of probiotics and prebiotics in inducing gut immunity. Front Immunol. 2013 Dec 12;4:445.

32 Grimble,RF. Basics in clinical nutrition: Immunonutrition – Nutrients which influence immunity: Effect and mechanism of action. e-SPEN. 2009; 4(1):e10-e13

33 Cantorna MT, McDaniel K, Bora S, et al. Vitamin D, immune regulation, the microbiota, and inflammatory bowel disease. Exp Biol Med (Maywood). 2014 Nov;239(11):1524-30. 

34 Celiberto LS, Graef FA, Healey GR, et al. Inflammatory bowel disease and immunonutrition: novel therapeutic approaches through modulation of diet and the gut microbiome. Immunology. 2018 Sep;155(1):36-52. 

35 Battistini C, Ballan R, Herkenhoff ME, et al. Vitamin D Modulates Intestinal Microbiota in Inflammatory Bowel Diseases. Int J Mol Sci. 2020 Dec 31;22(1):362. 

36 Jones ML, Martoni CJ, Prakash S. Oral supplementation with probiotic L. reuteri NCIMB 30242 increases mean circulating 25-hydroxyvitamin D: a post hoc analysis of a randomized controlled trial. J Clin Endocrinol Metab. 2013 Jul;98(7):2944-51.

37 Chen J, Vitetta L. Modulation of Gut Microbiota for the Prevention and Treatment of COVID-19. J Clin Med. 2021 Jun 29;10(13):2903.

38 Roseland JM, Phillips KM, Patterson KY, et al. Vitamin D in foods: An evolution of knowledge. Pages 41-78 in Feldman D, Pike JW, et al, eds. Vitamin D, Vol 2: Health, Disease and Therapeutics, 4th Ed. Elsevier, 2018.

39 Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D. Washington, DC: National Academy Press, 2010.

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O impacto da dieta ocidental na camada de muco

Por Dr Larissa Celiberto

A ingestão de fibras ajuda a assegurar movimentos intestinais regulares. Além disso, uma vez que as fibras não são digeríveis pelas enzimas humanas, podem também servir como nutriente de base para a microbiota intestinal, pois esses micróbios produzem enzimas distintas que são capazes de fermentar e degradar as fibras em metabólitos importantes, como os SCFAs (ou AGCCs).28

Observa-se disbiose microbiana, degradação da camada de muco e alteração do equilíbrio entre as células T pró e anti-inflamatórias no intestino de pessoas que consomem dietas do tipo ocidental, originando inflamação intestinal e extraintestinal.26

FIGURA 4: Impacto da dieta ocidental face a dietas ricas em fibras e vitaminas na imunidade e na homeostase local e sistémica.

Adaptado de Siracusa F et al, 2019.26

A camada de muco intestinal pode ainda servir de fonte de energia alternativa para certos micróbios intestinais (80% da sua massa é composta de açúcares), quando a dieta carece de fibras.29 Este aumento do abastecimento em muco pelas bactérias intestinais pode ser prejudicial, uma vez que estudos em animais demonstraram que ratos sujeitos com uma dieta sem fibras são mais suscetíveis a infeções e inflamação intestinais. Essa suscetibilidade deve-se à erosão do muco pela microbiota residente, que faz com que deixe de ser capaz de proteger o epitélio subjacente face a agentes patogénicos invasores.29 As dietas ocidentais reduzem a composição da microbiota em bactérias que degradam as fibras, em favor de espécies bacterianas que prosperam no muco (figura 4).30 Assim, as nossas dietas ocidentais podem provocar a perda de micróbios protetores e a proliferação de outros micróbios que enfraquecem as principais defesas e barreiras do intestino, ajudando assim a desencadear a inflamação intestinal crónica.

O que é a dieta ocidental?

As dietas de estilo ocidental compõem-se principalmente de gorduras dietéticas específicas, açúcares, alimentos processados e pesticidas ambientais, com carência em fibras. O consumo de dietas de estilo ocidental tem sido associado à obesidade, bem como a doenças inflamatórias e metabólicas, como a diabetes tipo 2, a resistência à insulina e as DII.26 Além de conterem alimentos de baixa qualidade e alto teor calórico, são também bastante desprovidas de fibras em virtude da ausência de frutos, vegetais, legumes e cereais integrais, o que torna a ingestão diária de fibras recomendada para adultos de 28 a 35g27 extremamente difícil.

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Fatores que influenciam o desenvolvimento da microbiotae a maturação do sistema imunitario no inicio da vida

O nascimento representa a maior mudança ambiental substancial da vida, uma vez que o recém-nascido é exposto pela primeira vez a uma variedade incontável de micróbios que colonizam todas as superfícies do corpo, levando ao estabelecimento da microbiota comensal em paralelo com o sistema imunitário. Múltiplos fatores moldam a composição da microbiota intestinal e a maturação do sistema imunitário do recém-nascido (figura 3). As anomalias na interação entre a microbiota e a imunidade durante cada estágio de desenvolvimento podem ter efeitos de longo prazo na suscetibilidade a doenças.13

O nascimento tem impacto na composição da microbiota intestinal...

Dr Travis J. De Wolfe

O tipo de parto determina os tipos de bactérias da mãe que são transmitidas ao intestino neonatal.14 Os bebés nascidos através do canal de parto trazem normalmente muitas bactérias intestinais que sintetizam lipopolissacarídeo (LPS), um importante componente da membrana das bactérias Gram-negativas que podem preparar adequadamente o sistema imunitário humano para responder de forma apropriada às ameaças microbianas.15 Em contrapartida, as crianças nascidas por cesariana estão predispostas a serem colonizadas por agentes patogénicos oportunistas em circulação nos hospitais.14


...Bem como na maturação da estrutura imunitária 

Estas diferenças na colonização microbiana inicial podem afetar a  maturação subsequente das estruturas linfoides inatas locais e alterar a população de células T reguladoras (Treg) protetoras, implicando efeitos a longo prazo na fisiologia intestinal humana. A maturação das células T e a indução de fatores imunitários podem proteger contra, ou, em alguns casos, contribuir para, doenças autoimunomediadas (diabetes, esclerose múltipla, etc.) que surgem mais tarde na vida.15,16

Impacto dos antibióticos nas respostas imunitárias

Dr Pascal Lavoie

Os antibióticos são essenciais para tratar infeções bacterianas graves; no entanto, a exposição desnecessária a antibióticos pode ter consequências graves para a saúde e deve ser evitada (nomeadamente quando a infeção for causada por um vírus). Em adultos mais idosos, o uso prolongado de antibióticos pode levar a uma proliferação excessiva de um agente patogénico bacteriano intestinal denominado Clostridioides difficile, com consequências potencialmente fatais.17 A utilização excessiva de antibióticos pode também provocar resistência antimicrobiana, o que eventualmente limitará as opções de tratamento de infeções futuras.18 Em modelos animais, a perturbação da microbiota intestinal causada pelos antibióticos altera as funções imunitárias e os limiares da resposta imunitária.19 Dados em seres humanos indicam que o recurso desnecessário a antibióticos pode aumentar o risco de surgimento de problemas de saúde crónicos, como diabetes tipo I, asma, alergias ou até obesidade.20 Sabe-se ainda que o uso prolongado de antibióticos (> 1 semana) reduz a diversidade da microbiota intestinal, sendo os bebés nascidos prematuramente os mais vulneráveis a esse tipo de perturbações. O uso prolongado de antibióticos de largo espectro na mãe ou no bebé prematuro reduz a diversidade bacteriana intestinal, aumentando o risco de sépsis e de enterocolite necrosante.21 Em geral, os dados em humanos confirmam o conceito segundo o qual a microbiota intestinal desempenha um papel importante, ajudando os bebés a tornarem-se adultos saudáveis. Embora os riscos da exposição excessiva a antibióticos sejam menos graves nos adultos, ela pode continuar a afetar o desenvolvimento das suas respostas imunitárias, pelo que o recurso a antibióticos em qualquer idade deve limitar-se aos casos em que estes sejam estritamente necessários.

A disbiose não é universal e define-se para cada indivíduo em função do seu estado de saúde. Uma definição habitual descreve-a como uma alteração funcional e da composição da microbiota que é gerada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o hospedeiro que perturbam o ecossistema microbiano.9

FIGURA 3: Fatores ambientais que influenciam o desenvolvimento da microbiota e do sistema imunitário da mucosa dos recém-nascidos.

Adaptado de Kalbermatter C et al, 202113

Ao longo da gravidez, os metabolitos microbianos (oriundos da dieta e da microbiota maternas) influenciam o desenvolvimento imunitário fetal. Desde o nascimento, a colonização da microbiota começa em paralelo com o desenvolvimento do sistema imunitário. Nesta fase, o recém-nascido depende ainda da proteção materna que lhe é assegurada pela amamentação: o leite materno contém antigénios bacterianos originários da mãe que estimulam a maturação do sistema imunitário inato da mucosa. Relativamente à colonização da microbiota intestinal, as famílias bacterianas Enterococcacae, Clostridiaceae, Lactobacillaceae, Bifidobacteriaceae e Streptococcaceae são dominantes nas primeiras semanas de vida. A introdução dos alimentos sólidos na dieta da criança leva a um aumento da diversidade da microbiota intestinal, que evolui para uma microbiota mais adulta: a abundância em Bifidobacteriaceae diminui, enquanto Bacteroides, Ruminococcus e Clostridium se tornam mais predominantes. O tipo de parto, o leite materno, os alimentos sólidos e a ingestão de antibióticos são fatores que moldam a microbiota e o sistema imunitário neonatal.

Prova de conceito: a colonização da microbiota intestinal é essencial ao desenvolvimento do sistema imunitário

Dr Travis J. De Wolfe

Estudos com ratos axénicos (livres de germes) demonstraram o importante papel que a microbiota desempenha na prevenção de um sistema imunitário imperfeito.22 É inibida a produção de células CD4 - linfócitos T auxiliares positivos nos ratinhos para, enquanto se realiza a colonização seletiva dos mesmos com Clostridia, um grupo bacteriano comensal, poder induzir-se a produção dessas células que, subsequentemente, favorecem o aumento das defesas antimicrobianas no intestino e protegem contra a infeção por agentes patogénicos.23 Os anticorpos IgA são outro elemento fundamental do sistema imunitário em falta nos ratos axénicos. Estes anticorpos ligam-se às bactérias comensais e impedem que se escapem do trato gastrointestinal. A colonização seletiva de ratos livres de germes com uma estirpe de Escherichia coli ou diferentes cepas de Bacteroides desencadeia uma rápida recuperação/normalização dos IgA.24,25

Fontes

13 Kalbermatter C, Fernandez Trigo N, Christensen S, et al. Maternal Microbiota, Early Life Colonization and Breast Milk Drive Immune Development in the Newborn. Front Immunol. 2021 May 13;12:683022. 

14 Shao Y, Forster SC, Tsaliki E, et al. Stunted microbiota and opportunistic pathogen colonization in caesarean-section birth. Nature. 2019 Oct;574(7776):117-121.

15 Wampach L, Heintz-Buschart A, Fritz JV, et al. Birth mode is associated with earliest strain-conferred gut microbiome functions and immunostimulatory potential. Nat Commun. 2018 Nov 30;9(1):5091. 

16 Vatanen T, Kostic AD, d'Hennezel E, et al. Variation in Microbiome LPS Immunogenicity Contributes to Autoimmunity in Humans. Cell. 2016 May 5;165(4):842-53. 

17 Guh AY, Kutty PK. Clostridioides difficile Infection. Ann Intern Med. 2018 Oct 2;169(7):ITC49-ITC64.

18 Costelloe C, Metcalfe C, Lovering A, et al. Effect of antibiotic prescribing in primary care on antimicrobial resistance in individual patients: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2010 May 18;340:c2096.

19 Konstantinidis T, Tsigalou C, Karvelas A, et al. Effects of Antibiotics upon the Gut Microbiome: A Review of the Literature. Biomedicines. 2020 Nov 16;8(11):502.

20 Sarkar A, Yoo JY, Valeria Ozorio Dutra S, et al. The Association between Early-Life Gut Microbiota and Long-Term Health and Diseases. J Clin Med. 2021 Jan 25;10(3):459.

21 Walker WA. The importance of appropriate initial bacterial colonization of the intestine in newborn, child, and adult health. Pediatr Res. 2017 Sep;82(3):387-395. 

22 Sommer F, Bäckhed F. The gut microbiota--masters of host development and physiology. Nat Rev Microbiol. 2013 Apr;11(4):227-38. 

23 Ivanov II, Atarashi K, Manel N, et al. Induction of intestinal Th17 cells by segmented filamentous bacteria. Cell. 2009 Oct 30;139(3):485-98.

24 Hapfelmeier S, Lawson MA, Slack E, et al. Reversible microbial colonization of germ-free mice reveals the dynamics of IgA immune responses. Science. 2010 Jun 25;328(5986):1705-9. 

25 Yang C, Mogno I, Contijoch EJ, et al. Fecal IgA Levels Are Determined by Strain-Level Differences in Bacteroides ovatus and Are Modifiable by Gut Microbiota Manipulation. Cell Host Microbe. 2020 Mar 11;27(3):467-475.e6

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O intestino da criança no cerne da imunidade

Por Dr Travis J. De Wolfe

Desenvolvimento de barreiras imunitarias inatas

O desenvolvimento do sistema imunitário intestinal começa antes do nascimento e continua até ao desmame neonatal. In utero, são geradas estruturas linfoides imaturas, incluindo placas de Peyer e gânglios linfáticos mesentéricos (figura 1A).
Uma vez que essas estruturas não se encontram inteiramente funcionais até mais tarde no desenvolvimento, para compensar, são produzidos peptídeos antimicrobianos (AMP) pelo epitélio intestinal que funcionam como uma barreira de defesa face aos primeiros colonizadores bacterianos (figura 1B).1 O muco é outra importante estrutura de barreira, produzida pelas células caliciformes e segregada na superfície apical do trato GI. Juntas, estas barreiras imunitárias inatas desempenham um papel fundamental na limitação do contacto direto da microbiota intestinal com as células epiteliais do hospedeiro, especialmente enquanto a microbiota se estabelece no intestino da criança.

 

80% Pelo menos 80% das células produtoras de Ig do corpo estão localizadas no intestino.

O sistema imunitário adaptativo neonatal também é fundamental durante o desenvolvimento

A imunoglobulina A (IgA) é produzida com afinidade variável relativamente aos componentes da microbiota, bem como a antigénios alimentares específicos ingeridos pelo recém-nascido. A IgA segregada atua para fixar esses alvos no lúmen intestinal e limitar a sua capacidade de aderir e/ou penetrar no epitélio intestinal (figura 1B).Paralelamente, durante o desmame, a microbiota intestinal neonatal torna-se cada vez mais diversificada e concentrada em resposta à modificação da dieta e ao desenvolvimento da arquitetura cripto-vilosa. Tal requer proteção adicional da barreira epitelial através da maturação das estruturas linfoides locais. As células de Paneth ativadas começam a produzir proteínas de defesa do hospedeiro (defensinas) na base das criptas do intestino delgado, permitindo que outras células epiteliais deixem de produzir AMP na linha de base. Por fim, a proliferação de células epiteliais aumenta juntamente com o aumento da secreção de muco (figura 1C).

FIGURA 1: Desenvolvimento da microbiota intestinal e do sistema imunitário intestinal antes do nascimento (A), antes do desmame (B) e depois do desmame (C).

Adaptado de Brandtzaeg P, 20173 and Ximenez C et al, 20176

A importancia da homeostase intestinal

Pelo menos 80% das células produtoras de Ig do corpo estão localizadas no intestino:este é o maior órgão efetor da imunidade humoral. As células epiteliais especializadas na captura e transporte de antigénios (células M) têm uma função de controlo, facilitando o transporte de antigénios – provenientes de bactérias comensais, da dieta ou de agentes patogénicos – do lúmen intestinal para as células linfoides subjacentes. Esses antigénios serão depois digeridos pelas células dendríticas (DC) e apresentados ao sistema imunitário adaptativo.

Conjuntamente, os diferentes elementos da imunidade intestinal promovem a homeostase através de duas estratégias anti-inflamatórias (figura 1C):

1) A exclusão imunitária de antigénios estranhos limita/evita que a microbiota intestinal colonize ou penetre na mucosa intestinal. Isto é realizado pela sIgA.3

2) 2) A tolerância oral atua para limitar as respostas imunitárias locais e periféricas a antigénios inócuos que entrem em contato com a barreira epitelial.4 Isto depende de células Treg com funções regulatórias (figura 2).3

Quando essas estratégias funcionam de forma adequada, a regulação do sistema imunitário juntamente com as ações da microbiota comensal no desenvolvimento e treino deste sistema leva ao estabelecimento de um relação hospedeiro-comensal durável e homeostática que tem implicações a longo prazo para a saúde humana.5

Para além das células imunitárias: a importância da barreira de muco intestinal

por Dra. Larissa Celiberto

Os intestinos são revestidos por uma camada única de células, chamada epitélio
intestinal, sobre a qual se encontra uma densa camada de muco (figura 1). Juntas, essas
barreiras confinam os micróbios no interior do lúmen intestinal, além de protegerem
o sistema imunitário subjacente de ativação desnecessária pela microbiota.3 O muco
intestinal gera e liberta a mucina 2 (MUC2), uma glicoproteína revestida de açúcar que
proporciona estrutura ao muco. Estudos recentes têm demonstrado que a maturação
e a função da camada de muco são fortemente influenciadas pela microbiota
intestinal
, enquanto os tipos de açúcares encontrados na MUC2 também podem
influenciar quais as bactérias que são capazes de se ligar a ela ou de usá-la, e às
suas cadeias de açúcares, como fonte de nutrientes.7 Nomeadamente, uma barreira
de muco perturbada ou incapacitada pode levar a um aumento da penetração ou
da passagem de bactérias potencialmente prejudiciais para fora do lúmen (por
exemplo, intestino permeável)
, resultando em infeção e inflamação sistémica.8 Além
disso, uma camada de muco defeituosa e a correspondente disbiose da microbiota
intestinal9 observa-se em várias doenças (como a doença inflamatória intestinal (DII),10,11
a diabetes,12 etc.), destacando assim a importância desta barreira protetora para a
saúde humana.

FIGURA 2: Células dos sistemas imunitários inato e adaptativo e respetivas funções.

Fontes

Kai-Larsen Y, Bergsson G, Gudmundsson GH, et al. Antimicrobial components of the neonatal gut affected upon colonization. Pediatr Res. 2007 May;61(5 Pt 1):530-6.

Corthésy B. Multi-faceted functions of secretory IgA at mucosal surfaces. Front Immunol. 2013 Jul 12;4:185.

3 Brandtzaeg P. (2017) Role of the Intestinal Immune System in Health. In: Baumgart D. (eds) Crohn's Disease and Ulcerative Colitis. Springer, Cham. 

Commins SP. Mechanisms of Oral Tolerance. Pediatr Clin North Am. 2015 Dec;62(6):1523-9.

Belkaid Y, Hand TW. Role of the microbiota in immunity and inflammation. Cell. 2014 Mar 27;157(1):121-41. 

Ximenez C, Torres J. Development of Microbiota in Infants and its Role in Maturation of Gut Mucosa and Immune System. Arch Med Res. 2017 Nov;48(8):666-680.

Schroeder BO. Fight them or feed them: how the intestinal mucus layer manages the gut microbiota. Gastroenterol Rep (Oxf). 2019 Feb;7(1):3-12.

Miner-Williams WM, Moughan PJ. Intestinal barrier dysfunction: implications for chronic inflammatory conditions of the bowel. Nutr Res Rev. 2016 Jun;29(1):40-59.

Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232.

10 Swidsinski A, Loening-Baucke V, Theissig F, et al. Comparative study of the intestinal mucus barrier in normal and inflamed colon. Gut. 2007 Mar;56(3):343-50.

11 Johansson ME, Gustafsson JK, Holmén-Larsson J, et al. Bacteria penetrate the normally impenetrable inner colon mucus layer in both murine colitis models and patients with ulcerative colitis. Gut. 2014 Feb;63(2):281-91.

12 Chassaing B, Raja SM, Lewis JD, et al. Colonic Microbiota Encroachment Correlates With Dysglycemia in Humans. Cell Mol Gastroenterol Hepatol. 2017 Apr 13;4(2):205-221.

 

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Compreendermos a interação complexa Entre a microbiota e a imunidade e algo que esta apenas a dar os primeiros passos

Por Dr Bruce Vallance

Goblet cells. Coloured transmission electron micrograph (TEM) of a section through goblet cells in the lining of the small intestine,part of the digestive tract.

O nosso corpo abriga triliões de bactérias, as quais, na companhia de vírus, fungos e outros organismos, formam coletivamente a microbiota humana.

Esses micróbios desempenham um papel importante na promoção da nossa saúde, bem como no controlo da nossa suscetibilidade a doenças, influenciando múltiplos aspetos da nossa vida quotidiana. Por exemplo, a atividade metabólica da nossa microbiota intestinal determina se certos medicamentos como o paracetamol são tóxicos para o nosso fígado.1 Há elementos específicos da microbiota que também podem mudar e evoluir em resposta a novas fontes dietéticas de hidratos de carbono, permitindo-nos digerir alimentos como o sushi2 ou produzir compostos químicos importantes e protetores, como ácidos gordos de cadeia curta (SCFA).3 Outros micróbios moldam seletivamente o nosso sistema imunitário para que se torne reativo ou tolerante a organismos invasores, controlando assim o nosso risco de infeções gastrointestinais (GI) graves.4

 

Durante os 1000 primeiros dias de vida, o período crítico do crescimento e desenvolvimento na primeira infância (que vai desde a conceção até aos 2 anos de idade), qualquer interferência no estabelecimento da microbiota no intestino neonatal pode gerar potencialmente resultados negativos para a saúde.5

1000 primeiros dias de vida período crítico do crescimento e desenvolvimento

Embora os cientistas tenham comprovado a importância da microbiota na manutenção da saúde humana, a nossa compreensão da complexa interação entre a microbiota e a imunidade está apenas a começar.

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Detalhe do dossier Gastroenterologia Pediatria

HIV, afeções bucais e microbiota oral: ligações a explorar

Estomatites, gengivites, cáries, doenças periodontais... Mesmo sob tratamento antirretroviral, as pessoas que vivem com o VIH estão particularmente expostas ao risco de doenças que afetam a cavidade oral. As perturbações imunitárias que conduzem a essa vulnerabilidade não estão todas esclarecidas, mas parece haver o envolvimento de uma inflamação persistente e de um desequilíbrio da microbiota oral.

A microbiota ORL
VIH

Por ocasião do Dia Mundial de luta contra a SIDA, a 1 de dezembro, lembremo-nos de que o vírus da imunodeficiência humana (VIH) ataca certos glóbulos brancos, os linfócitos T CD4. O sistema imunitário enfraquecido permite o desenvolvimento de infeções oportunistas, vários tipos de cancro e outras doenças dos órgãos. Hoje, graças à terapia antirretroviral, o número de linfócitos T CD4 pode ser restaurado e a carga viral reduzida para níveis indetetáveis. Infelizmente, no entanto, nem todos os efeitos nocivos da infeção desaparecem. As inflamações que afetam a cavidade oral são, portanto, particularmente vulgares em pessoas que vivem com HIV e costumam estar associadas a um desequilíbrio da microbiótico oral.

Desequilíbrio intestinal envolvido na resposta imunítaria em caso de infeção 

Aquando da infeção pelo VIH, os linfócitos T CD4 ativam-se e posteriormente esgotam-se na luta contra o vírus; o vírus termina por destruir os linfócitos ou por impedir que eles funcionem adequadamente. Além disso, a microbiota intestinal desequilibra-se, o que se designa por disbiose: certas bactérias benéficas (como os (sidenote: Lactobacilos Bactérias em forma de bastonete cuja característica principal é a de produzirem ácido láctico. É por essa razão que se fala em “bactérias do ácido láctico”. 
Estas bactérias estão presentes no ser humano ao nível das microbiotas oral, vaginal e intestinal, mas também nas plantas ou nos animais. Podem ser consumidas nos produtos fermentados: em produtos lácteos, como o iogurte e alguns queijos, e também em outros tipos de alimentos fermentados – picles, chucrute, etc..
Os lactobacilos são também consumidos em produtos que contêm probióticos, com algumas espécies a serem conhecidas pelas suas propriedades benéficas.   W. H. Holzapfel et B. J. Wood, The Genera of Lactic Acid Bacteria, 2, Springer-Verlag, 1st ed. 1995 (2012), 411 p. « The genus Lactobacillus par W. P. Hammes, R. F. Vogel Tannock GW. A special fondness for lactobacilli. Appl Environ Microbiol. 2004 Jun;70(6):3189-94. Smith TJ, Rigassio-Radler D, Denmark R, et al. Effect of Lactobacillus rhamnosus LGG® and Bifidobacterium animalis ssp. lactis BB-12® on health-related quality of life in college students affected by upper respiratory infections. Br J Nutr. 2013 Jun;109(11):1999-2007.
)
) diminuem em favor de outras espécies, incluindo certos agentes (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) . A infeção agride também a mucosa intestinal, que perde sua impermeabilidade e libera seu conteúdo, causando uma inflamação que se espalha por todo o corpo e danifica órgãos. Surge assim um círculo vicioso, uma vez que essa inflamação vai promover a proliferação do vírus! A terapia antirretroviral precoce permite preservar a integridade da mucosa intestinal e o equilíbrio da microbiota intestinal, mas infelizmente não previne a continuação da inflamação, aumentando provavelmente o risco de afeções orais.

VIH e afeções orais: primeiras hipóteses e soluções

Porque é que a infeção pelo VIH, mesmo controlada  através de tratamento, enfraquece as mucosas orais e aumenta o risco de doenças da boca? Talvez por alterar a produção na saliva de imunoglobulinas A secretoras, anticorpos que são considerados a principal linha de defesa contra os agentes patogénicos orais. Ou também porque a perda de linfócitos T CD4, como acontece na microbiota intestinal, induz a inflamação e a disbiose oral. Mas há poucos estudos que se têm concentrado na análise da composição da microbiota oral das pessoas infetadas com o VIH e os respetivos resultados nem sempre coincidem. Além disso, é atualmente muito difícil avaliar o impacto nas comunidades bacterianas orais do próprio vírus face ao tratamento.

(sidenote: Uma revisão cientifica publicada em setembro de 2021 faz o ponto da situação. ) . Delas depende a possibilidade de desenvolverem terapias para alívio dos sintomas orais dolorosos das pessoas que vivem com o VIH. Já foi proposta a solução «probióticos» para a prevenção das afeções da boca, havendo equipas a trabalhar, nomeadamente, sobre uma espécie bacteriana que origina cáries, visando torná-la menos patogénica. Agora cabe aos cientistas testar a eficácia das cepas probióticas e dos agentes antimicrobianos nas funções imunitárias orais, através de estudos clínicos rigorosos.

Fontes

Coker, Modupe O et al. “HIV-Associated Interactions Between Oral Microbiota and Mucosal Immune Cells: Knowledge Gaps and Future Directions.” Frontiers in immunology vol. 12 676669. 20 Sep. 2021.

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Microbiota: uma rede interligada para a sua saúde!

As pesquisas científicas mais recentes sugerem que nossa microbiota formará uma rede de interconexões entre os intestinos, os pulmões, a pele, a boca e o trato urinário e genital. Ao comunicarem, esses ecossistemas exercerão forte influência na nossa saúde e quanto ao aparecimento de doenças.

Embora seja a mais conhecida, a microbiota intestinal não é a única microbiota que possuímos. Há vários outros ecossistemas microbianos alojados no interior dos nossos órgãos, e essas microbiotas surgem muitas vezes em destaque nas publicações científicas e na comunicação social. A cada novo estudo que é publicado, a sua ação na nossa saúde parece ser mais decisiva. Análise aprofundada no seio dessa vasta “rede”.

Microbiota humana: uma comunidade de microrganismos...

A microbiota humana é o conjunto de todos os microrganismos - principalmente bactérias, mas também vírus e fungos - que habitam nosso corpo. Na sua grande maioria (70%), encontra-se no sistema digestivo, que abriga assim 1,5 quilos de bactérias. Mas há cinco outros órgãos que também (sidenote: Alojam É o organismo que fornece abrigo e cobertura aos germes que o colonizam.  )  microbiota: a pele, a boca, os pulmões, o trato urinário e o trato genital. Os microrganismos da microbiota são (sidenote: Simbióticos Em biologia, é associação estreita e mutuamente benéfica entre dois ou mais organismos diferentes. ) ; nós damos-lhes as condições necessárias para a sua sobrevivência e, em troca, eles contribuem para o bom funcionamento do nosso organismo (digestão dos alimentos, proteção contra as infeções, síntese das vitaminas). Ambas as partes ganham! Uma microbiota equilibrada é a garantia de que nos mantemos de boa saúde. Pelo contrário, uma microbiota desequilibrada é uma situação propícia ao surgimento de várias doenças. Fala-se então de disbiose.

…no seio de uma rede de ecossistemas interligados

Na aparência, os ecossistemas da microbiota encontram-se compartimentados em cada um dos seis órgãos do hospedeiro. Mas isso é só na aparência... Muitos estudos têm demonstrado que o desequilíbrio de um órgão pode repercutir nos outros. Por exemplo, uma microbiota intestinal alterada estará associada a determinadas doenças de pele (dermatite, psoríase) e dos pulmões (asma, bronquite crónica, cancro), e a higiene oral deficiente aumentará o risco de desenvolvimento de infeções pulmonares. Os mais recentes estudos científicos sugerem, portanto, a existência de uma interconexão entre esses diferentes ecossistemas, os quais formam uma rede com um elemento central: o intestino. Falamos de eixos intestino-cérebro, intestino-pele, intestino-pulmões, intestino-boca e intestino-fígado... O intestino canalizará as informações e atuará como um retransmissor perante os ecossistemas periféricos. 

O intestino como única torre de controlo?

Há investigações que sugerem a existência de outras trocas entre as diferentes regiões do corpo sem a participação do intestino, como o eixo pulmão-boca, ou outros ligados à respetiva proximidade anatómica - a microbiota urinária influenciará a microbiota do trato genital. Assim, toda a microbiota distribuída pelos seis órgãos poderá formar uma rede em comunicação constante, influenciando de sobremaneira o nosso estado de saúde.

Perspetivas promissoras para a investigação e para a medicina

A investigação sobre a microbiota encontra-se ainda nos seus primórdios. Para se confirmar a hipótese de uma rede interligada em torno do sistema digestivo e entre os órgãos, são necessários novos estudos que abarquem a microbiota como um todo. No entanto, as respetivas aplicações na medicina parecem ser promissoras: ao restaurarmos o equilíbrio de um ecossistema, poderíamos alterar o de outro órgão doente, o que abre caminho a estratégias de tratamento inovadoras.

Recomendado pela nossa comunidade

"Interessante" - Comentário traduzido de Brian Gorman (Da My health, my microbiota)

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Microbiota humana: uma rede interligada que determina o equilíbrio entre a saúde e a doença?

Uma resenha da literatura publicada em agosto de 2021 na revista Nutrients postula a hipótese de uma organização da microbiota humana sob a forma de uma rede interligada centrada no trato digestivo e entre diferentes regiões do corpo humano. O estudo sugere que a disbiose existente num órgão pode desequilibrar outras microbiotas e contribuir para o aparecimento de múltiplas patologias.

Sabe-se que microbiota humana é um elemento-chave para a saúde do hospedeiro que a aloja. Ela encontra-se repartida pelo trato digestivo (70%), pele, trato respiratório, orofaringe, trato urinário e aparelho genital. Essas várias microbiotas surgem compartimentadas, albergando microrganismos diferentes. No entanto, a disbiose de um órgão parece ter repercussões à distância, gerando patologias metabólicas, inflamatórias, imunológicas, neoplásicas, cognitivas, degenerativas e genéticas. Os autores da referida resenha debruçaram-se sobre os vários eixos de comunicação entre os diferentes locais da microbiota humana, no sentido de explorarem a ligação entre disbiose e patologia.

Microbiota: um sistema de eixos de comunicação centrado na microbiota intestinal?

Eixo intestino-pulmões

Vários estudos relatam a existência de associação entre a disbiose intestinal e doenças respiratórias: infeciosas (tuberculose, pneumopatia), genéticas (fibrose quística), inflamatórias (asma, DPOC) e neoplásicas. A microbiota intestinal difere de acordo com as patologias, mas apresente sempre uma proliferação de Proteobacteria e Firmicutes. O SARS-CoV-2, por outro lado, surge associado a uma disbiose intestinal que pode persistir após a recuperação.

Eixo intestino-fígado

De acordo com um estudo, mais de 50% dos pacientes cirróticos sofrem de proliferação microbiana excessiva no intestino delgado (SIBO, ou Small Intestinal Bacterial Overgrowth) associada a endotoxemia.

Eixo intestino-pele

Vários estudos encontraram uma ligação entre as perturbações da microbiota intestinal e a prevalência da dermatite inflamatória e da psoríase.

Eixo intestino-boca

Alguns estudos revelaram a existência de disbiose oral em pacientes com cancro colorretal e com cirrose hepática. A migração de bactérias periodontais para o intestino poderá ser a respetiva causa. A disbiose oral e a digestiva encontram-se também associadas a patologias sistémicas, em particular à artrite reumatoide e à lúpus.

Eixo boca-pulmões

A microbiota respiratória será formada principalmente mediante a migração de microrganismos orofaríngeos durante as primeiras semanas de vida. Vários estudos associam a disbiose oral com asma e a pneumonia. Além disso, o SARS-CoV-2 acumula-se na cavidade orofaríngea, criando nela um desequilíbrio. Os pacientes com COVID-19 nos cuidados intensivos apresentam maior risco de infeção pulmonar adicional por bactérias da microbiota oral. 

Eixo vagino-urinário

A microbiota urinária e a vaginal são contíguas e comunicam entre si, partilhando múltiplas bactérias. De acordo com um estudo, a microbiota urinária altera-se em caso de vaginose.

Eixo oral-genital-retal

Nas mulheres, as microbiotas retal e vaginal estão ligadas. Algumas microbiotas retais poderão ser consideradas fatores de risco de vaginose bacteriana. Nos homens, observam-se disfunções da microbiota seminal em pacientes inférteis, as quais são associadas a alterações na microbiota retal. As microbiotas dos órgãos genitais dos homens e das mulheres comunicam durante as relações sexuais. Vários estudos relacionam a microbiota com o risco de transmissão de DSTs. A microbiota do pénis influenciará também a ocorrência da vaginose bacteriana. Outros estudos sugerem também a participação de outra microbiota, a microbiota oral, na ocorrência da vaginose bacteriana. Observa-se frequentemente nas pacientes disbiose simultânea da microbiota oral e vaginal.

Mecanismos de comunicação entre as microbiotas

Há vários mecanismos não exclusivos que poderão explicar a interligação entre as diferentes microbiotas:

  • Difusão sistémica de metabolitos imunomoduladores da fermentação de fibras dietéticas, em particular ácidos gordos de cadeia curta (SCFA). Através da corrente sanguínea, esses metabolitos poderão chegar às outras microbiotas. A acumulação de SCFAs no trato respiratório será, por exemplo, responsável pela inflamação pulmonar e pela hipersensibilidade aos alérgenos. 
  • Circulação sistémica de fragmentos bacterianos, especialmente de vesículas extracelulares bacterianas. 
  • Migração de bactérias inteiras:
    • Devido à contiguidade (por exemplo, entre a cavidade oral e o trato respiratório, ou entre o trato urinário e o trato genital).
    • Por penetração sistémica em caso de perda de integridade de uma barreira epitelial (translocação intestinal em especial).

Novas pistas para a investigação

Os autores concluem sua análise aludindo a necessidade de novos estudos para se esclarecer as interligações da microbiota, e em particular a relação de causalidade ou consequência entre a disbiose e as doenças. Futuras investigações multiómicas que integrem dados globais (genomas, transcriptomas, metabolomas, proteomas, microbiomas, fenótipos) permitirão uma melhor compreensão das relações entre a microbiota, os órgãos hospedeiros e a patologia humana, abrindo caminho a novas abordagens terapêuticas.

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