Qual é a diferença entre prebióticos, probióticos e pós-bióticos?

Prebióticos, probióticos, pós-bióticos... Estes termos confusos escondem um universo fantástico relacionado com a nossa saúde. Estes "bióticos" são as pequenas mãos discretas que trabalham nos bastidores para proteger a nossa preciosa microbiota intestinal. Pronto para descobrir as suas funções únicas e diferenças fundamentais? Este artigo desvenda os fios desta teia microscópica para que consiga domar estes insuspeitos aliados do bem-estar. Juntos, vamos explorar este fascinante ecossistema que vive em cada um de nós!

A microbiota intestinal Perguntas sobre microbiota Prebióticos: o essencial para os compreender

Introdução

Estamos prestes a mergulhar no fascinante mundo dos "bióticos". Poderá estar a pensar: "Mas o que são «bióticos»?" Bem, tudo remonta à antiga palavra grega "bíos", que significa simplesmente "vida". Esta palavra de raiz dá-nos termos como probióticos, prebióticos, pós-bióticos e simbióticos. Não são apenas nomes científicos extravagantes: são como as diversas partes que compõem um bairro animado, desempenhando cada uma delas um papel único para manter tudo a funcionar corretamente.

Imagine que é o novo morador desse bairro e que um vizinho simpático se oferece para lhe mostrar as redondezas, apresentando-lhe todas as pessoas e locais mais importantes, que fazem com que a comunidade funcione bem. É isso que queremos fazer: levá-lo numa visita guiada ao bairro dos "bióticos" no interior do seu corpo.

Probióticos: os ajudantes do seu corpo

Na nossa cidade da saúde, os probióticos são como os bons amigos que nos visitam: microrganismos vivos que se instalam dentro de nós e contribuem para o nosso bem-estar. Na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Associação Científica Internacional de Probióticos e Prebióticos (ACIPP), os probióticos são "microrganismos vivos que, quando administrados nas quantidades adequadas, conferem um benefício para a saúde do hospedeiro." 1

Em termos mais simples, são micróbios benéficos, como as bactérias e as leveduras, entre outros, que contribuem para o nosso bem-estar geral. Os probióticos contribuem para a nossa saúde de várias formas, nomeadamente:

  • Promovem um microbioma equilibrado 2
  • Inibem o crescimento de patógenos no interior do corpo humano 3
  • Melhoram as funções de proteção e metabolismo dos órgãos visados 4, 5, 6
  • Apoiam a função imunitária 7
  • E modulam a sinalização diversa e as vias metabólicas 8

Um equívoco comum é assumir que todos os alimentos fermentados, como o iogurte, o kefir ou a kombucha são inerentemente probióticos. Embora a fermentação possa introduzir bactérias benéficas, nem todos os produtos fermentados contêm estirpes probióticas vivas que cumprem os critérios estabelecidos pelas autoridades de saúde. 10 No entanto, alguns alimentos são fermentados com recurso a um micróbio que é comprovadamente probiótico, ou suplementados com probióticos em quantidades suficientes para que possam beneficiar a nossa saúde.

É fundamental que leia cuidadosamente os rótulos e que consulte fontes fidedignas para garantir que está a consumir produtos com culturas de probióticos com validação científica e clínica. Além disso, por vezes assume-se que os probióticos são uma solução única para todas as pessoas. Na verdade, as diferentes estirpes podem ter efeitos variáveis em função das pessoas e das condições de saúde. 1, 11 Consultar profissionais de saúde e seguir diretrizes com base científica são passos essenciais para otimizar os benefícios dos probióticos de acordo com as suas necessidades e circunstâncias únicas.

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Se quiser saber mais sobre probióticos, pode ler a nossa secção dedicada aqui:

Probióticos

Saiba mais
Diet

Prebióticos: alimento para os bons da fita... e não só!

A definição de prebiótico é "um substrato que é utilizado seletivamente pelos microrganismos do hospedeiro, conferindo um benefício para a saúde."  12, 13 Ao contrário dos probióticos, os prebióticos não são micróbios vivos. São antes o combustível para as bactérias benéficas que existem no nosso microbioma. Uma simplificação algo excessiva, mas recorrente, é descrever os prebióticos como "alimento para os probióticos."

Embora os prebióticos promovam o crescimento dos probióticos, os seus efeitos benéficos resultam da atividade da microbiota intestinal residente, que metaboliza estes compostos e confere indiretamente vantagens fisiológicas ao hospedeiro: nós! Além disso, nem todas as fibras alimentares são prebióticos, e nem todos os prebióticos são fibras. 14 Esta distinção é muitas vezes ignorada, originando equívocos sobre as suas definições e funções.

Imagine que os prebióticos são os restaurantes favoritos das suas bactérias úteis. Alimentos como a banana, a cebola e o alho são ricos em substâncias como a inulina e os galacto-oligossacáridos (GOS), que assumem a função de prebióticos. Quando as bactérias benéficas consomem estes alimentos, podem aumentar a produção de moléculas, isto é, metabolitos como os ácidos gordos voláteis (AGV) , acetato, propionato e butirato que, por sua vez, podem melhorar a sua saúde. 15

Além de promoverem a saúde intestinal, os prebióticos foram associados ao reequilíbrio da microbiota para melhorar as defesas contra os patógenos, 16 ao controlo do peso17 à melhor absorção de minerais, 18 etc. Os seus benefícios vão além do intestino. 19

Também elaborámos uma secção dedicada aos prebióticos e aos seus benefícios para a saúde aqui:

Prebióticos: o essencial para os compreender

Saiba mais

Pós-bióticos: prendas dos micróbios

Quando concluem a visita à cidade, os probióticos deixam prendas conhecidas como pós-bióticos. É como se fossem os produtos e serviços que as empresas de uma cidade fornecem depois de receberem as matérias-primas. Os pós-bióticos incluem substâncias benéficas como as vitaminas e os (sidenote: Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC) Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25. ) . São as recompensas que o seu corpo recebe pelo trabalho árduo feito pelos probióticos.

Esta definição foi revista várias vezes e a Comunidade Científica chegou agora a um consenso: "pós-biótico é uma preparação de microrganismos inanimados e/ou dos seus componentes que confere um benefício para a saúde do hospedeiro". . Isto significa que os pós-bióticos não são apenas os resíduos "reorientados" dos probióticos (ou os seus produtos finais): são também os próprios probióticos "mortos" e os seus componentes fragmentados! 20

Tal como os probióticos, os pós-bióticos demonstraram que conseguem reforçar a função de proteção, reduzir a inflamação e manter uma atividade antimicrobiana contra os patógenos, promovendo assim a saúde geral. 21 As suas propriedades benéficas vão também além do intestino: têm benefícios para a saúde da pele e da vagina e, potencialmente, podem ajudar no tratamento das doenças destes órgãos. 22, 23

Talvez já tenha ouvido outros nomes, como Parabióticos, Paraprobióticos ou Proteobióticos. Com efeito, alguns investigadores tentaram definir melhor os diferentes elementos ou partes do corpo do componente pós-biótico, isto é, as células mortas, os componentes das células e os metabolitos produzidos por essas células microbianas.

  • Embora Parabióticos e Paraprobióticos sejam sinónimos, estes termos servem para descrever as células microbianas inativadas, tanto intactas como quebradas. Deve pensar nelas como os "fantasmas" dos micróbios úteis que ainda conseguem dar uma ajuda. 24
  • Por sua vez, os Proteobióticos são metabolitos naturais produzidos pelo probiótico durante a fermentação. 25, 26

No entanto, não há um consenso sobre estas possíveis definições, e todas elas se enquadram na definição de Pós-biótico da ACIPP. 20

The psychobiotic diet: modulating gut microbiota to reduce stress

Simbióticos em ação e o caso dos Psicobióticos

Os simbióticos são como os projetos comunitários que reúnem toda a gente em torno de um objetivo comum. 27 Combinam probióticos e prebióticos num único produto,  garantindo que as bactérias boas têm não só um lugar onde viver, com também muito do seu alimento favorito desde o início. Esta combinação pode ser encontrada nalguns iogurtes e suplementos alimentares, e foi concebida para um trabalho conjunto de modo a assegurar um benefício ainda maior para a saúde.

Por sua vez, os Psicobióticos são uma categoria inteiramente nova de probióticos e prebióticos que podem melhorar efetivamente a sua saúde mental se forem consumidos da forma certa 28 Funcionam através do chamado eixo intestino-cérebro. Basicamente, o intestino e o cérebro estão fisicamente ligados e em constante comunicação. Os micróbios que vivem nos seus intestinos podem enviar sinais para o seu cérebro que afetam o seu humor, a sua cognição e até os seus comportamentos.

 Os investigadores revelam um grande entusiasmo em relação ao potencial dos psicobióticos. Os estudos preliminares demonstram que os psicobióticos podem ajudar a prevenir ou melhorar doenças neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer ou a Doença de Parkinson. Algumas provas sugerem mesmo que os psicobióticos podem desempenhar um papel terapêutico no tratamento de distúrbios psiquiátricos como a depressão ou a ansiedade. 29

Pode saber mais sobre a interação entre o intestino e o cérebro aqui.

Eixo intestino-cérebro: Qual é o papel da microbiota?

Descubra mais!

E os antibióticos?

Finalmente, é importante diferenciar os antibióticos dos restantes "bióticos". Embora os antibióticos sejam medicamentos fundamentais para salvar vidas no tratamento de infeções bacterianas, a sua utilização indiscriminada ou excessiva pode perturbar gravemente o delicado equilíbrio do microbioma, podendo originar consequências não intencionais e de grande impacto. 30, 31 Estes medicamentos potentes não distinguem entre bactérias nocivas e benéficas, o que significa que podem dizimar as populações vitais de micróbios que promovem a saúde e a imunidade.

Resistência a antibióticos

Além disso, a utilização excessiva de antibióticos contribui para o aumento alarmante de superbactérias resistentes aos antibióticos, uma ameaça significativa para a saúde mundial (30). Por conseguinte, é imperativo utilizar os antibióticos de forma criteriosa, apenas quando absolutamente necessário e sempre sob orientação de profissionais de saúde.

Manter um microbioma saudável e diversificado com recurso a probióticos, prebióticos e outros "bióticos" pode ajudar a contrariar alguns dos danos colaterais causados pelos antibióticos e promover o bem-estar geral.

Pode consultar aqui uma secção dedicada aos efeitos dos antibióticos na microbiota e na sua saúde:

Antibióticos: que impacto na microbiota e na saúde?

Saiba mais
O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?

Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência antimicrobiana mundial. 

A resistência antimicrobiana ocorre quando as bactérias, vírus, parasitas e fungos alteram-se com o tempo e já não respondem aos medicamentos. Como resultado da resistência aos medicamentos, os antibióticos e outros medicamentos antimicrobianos tornam-se ineficazes e as infeções tornam-se cada vez mais difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de doenças, doenças graves e morte.

Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizar cuidadosamente antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasíticos, de forma a evitar o surgimento futuro de resistência antimicrobiana.

Fontes

1. Hill, C., Guarner, F., Reid, G. et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 11, 506–514 (2014). 

2. Hori, T.; Matsuda, K.; Oishi, K. Probiotics: A Dietary Factor to Modulate the Gut Microbiome, Host Immune System, and Gut–Brain Interaction. Microorganisms 2020, 8, 1401.

3. Maftei N-M, Raileanu CR, Balta AA, et al. The Potential Impact of Probiotics on Human Health: An Update on Their Health-Promoting Properties. Microorganisms. 2024; 12(2):234.

4. Latif A, Shehzad A, Niazi S, et al. Probiotics: mechanism of action, health benefits and their application in food industries. Front Microbiol. 2023;14:1216674.

5. Bermudez-Brito M, Plaza-Díaz J, Muñoz-Quezada S, et al. Probiotic mechanisms of action. Ann Nutr Metab. 2012;61(2):160-174.

6. Maftei N-M, Raileanu CR, Balta AA, et al. The Potential Impact of Probiotics on Human Health: An Update on Their Health-Promoting Properties. Microorganisms. 2024; 12(2):234.

7. Liu Y, Wang J, Wu C. Modulation of Gut Microbiota and Immune System by Probiotics, Pre-biotics, and Post-biotics. Front Nutr. 2022;8:634897.

8. Plaza-Diaz J, Ruiz-Ojeda FJ, Gil-Campos M, Gil A. Mechanisms of Action of Probiotics. Adv Nutr. 2019;10(suppl_1):S49-S66.

9. Marco ML, Sanders ME, Gänzle M, et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on fermented foods. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2021;18(3):196-208

10. https://isappscience.org/do-fermented-foods-contain-probiotics/

11. McFarland LV, Evans CT, Goldstein EJC. “Strain-Specificity and Disease-Specificity of Probiotic Efficacy: A Systematic Review and Meta-Analysis”. Front Med (Lausanne). 2018;5:124.

12. Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017;14(8):491-502.

13. Bedu-Ferrari C, Biscarrat P, Langella P, Cherbuy C. Prebiotics and the Human Gut Microbiota: From Breakdown Mechanisms to the Impact on Metabolic Health. Nutrients. 2022;14(10):2096.  

14. https://isappscience.org/wp-content/uploads/2019/04/Prebiotics_Infographic_rev1029.pdf

15. Nissen L, Valerii MC, Spisni E, Casciano F, Gianotti A. Multiunit In Vitro Colon Model for the Evaluation of Prebiotic Potential of a Fiber Plus D-Limonene Food Supplement. Foods. 2021;10(10):2371.

16. Jenkins G, Mason P (2022) The Role of Prebiotics and Probiotics in Human Health: A Systematic Review with a Focus on Gut and Immune Health. Food Nutr J 7: 245.

17. Bertuccioli A, Cardinali M, Biagi M, et al. Nutraceuticals and Herbal Food Supplements for Weight Loss: Is There a Prebiotic Role in the Mechanism of Action?. Microorganisms. 2021;9(12):2427.  

18. Bryk G, Coronel MZ, Pellegrini G, et al. Effect of a combination GOS/FOS® prebiotic mixture and interaction with calcium intake on mineral absorption and bone parameters in growing rats. Eur J Nutr. 2015;54(6):913-923.  

19. Markowiak P, Śliżewska K. Effects of Probiotics, Prebiotics, and Synbiotics on Human Health. Nutrients. 2017;9(9):1021. 

20. Salminen S, Collado MC, Endo A, et al. The International Scientific Association of Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of postbiotics Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2021;18(9):649-667. 

21. Scott E, De Paepe K, Van de Wiele T. Postbiotics and Their Health Modulatory Biomolecules. Biomolecules. 2022;12(11):1640.  

22. Heo YM, Lee DG, Mun S, et al. Skin benefits of postbiotics derived from Micrococcus luteus derived from human skin: an untapped potential for dermatological health. Genes Genomics. 2024;46(1):13-25.  

23. Shen X, Xu L, Zhang Z, et al. Postbiotic gel relieves clinical symptoms of bacterial vaginitis by regulating the vaginal microbiota. Front Cell Infect Microbiol. 2023;13:1114364. 

24. Hosseini SH, Farhangfar A, Moradi M, et al. Beyond probiotics: Exploring the potential of postbiotics and parabiotics in veterinary medicine. Res Vet Sci. 2024;167:105133.

25. Nataraj BH, Ali SA, Behare PV, et al. Postbiotics-parabiotics: the new horizons in microbial biotherapy and functional foods. Microb Cell Fact. 2020;19(1):168.  

26. Cuevas-González PF, Liceaga AM, Aguilar-Toalá JE. Postbiotics and paraprobiotics: From concepts to applications. Food Res Int. 2020;136:109502.

27. Swanson, K.S., Gibson, G.R., Hutkins, R. et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of synbiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 17, 687–701 (2020). 

28. Dinan TG, Stanton C, Cryan JF. Psychobiotics: a novel class of psychotropic. Biol Psychiatry. 2013;74(10):720-726.

29. Long-Smith C, O'Riordan KJ, Clarke G, et al. Microbiota-Gut-Brain Axis: New Therapeutic Opportunities. Annu Rev Pharmacol Toxicol. 2020;60:477-502. 

30. WHO Antimicrobial Resistance; Oct 2020; https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial-resistance 

31. Ramirez J, Guarner F, Bustos Fernandez L, et al. Antibiotics as Major Disruptors of Gut Microbiota. Front Cell Infect Microbiol. 2020 Nov 2

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Noticias

Principais conclusões na diarreia

Elevada morbilidade das diarreias infeciosas
  • A diarreia mata cerca de 1,5 milhões de pessoas todos os anos.55 É a terceira causa de morte nas crianças com menos de 5 anos.1
     
  • A maioria dos casos de diarreia aguda deve-se a agentes patogénicos infeciosos, ou seja, vírus, bactérias e parasitas. O rotavírus e a Escherichia coli são os dois agentes etiológicos mais frequentes da diarreia moderada a grave nos países de baixo nível de vida.1
Complexa interação entre os agentes infeciosos e a microbiota
  • Qualquer que seja o agente etiológico da diarreia infeciosa, o resultado depende das interações complexas entre o organismo patogénico e a microbiota intestinal.
     
  • A composição da microbiota intestinal pode determinar o resultado de uma infeção por um agente patogénico diarreico e ser um fator de proteção ou de facilitação. Por sua vez, a diversidade e a composição da microbiota intestinal podem ser gravemente alteradas pela diarreia infeciosa e o regresso a uma "microbiota saudável" pode demorar várias semanas após a resolução da diarreia.14
Percentagem significativa de casos evitáveis
  • Uma parte considerável das doenças diarreicas pode ser evitada através de água potável segura e saneamento e higiene adequados.1
     
  • A vacinação contra o rotavírus é outra estratégia preventiva importante, que a OMS recomenda que seja incluída em todos os programas nacionais de imunização e seja considerada uma prioridade56
Monitorização e tratamento dos doentes
  • A maioria das diarreias infeciosas é autolimitada nos indivíduos imunocompetentes. No entanto, alguns doentes (com desidratação grave, doença de maior gravidade, febre persistente, fezes com sangue, imunossupressão, etc.) requerem uma investigação diagnóstica específica.11
     
  • A complicação mais importante da diarreia infeciosa é a desidratação, que pode exigir uma reidratação oral ou intravenosa, dependendo do grau de desidratação.1
Estratégias orientadas para a microbiota intestinal, essenciais na prevenção e tratamento da diarreia

Tanto a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) como a Organização Mundial de Gastroenterologia (WGO) consideram que algumas estirpes de probióticos podem ser recomendadas pelos profissionais de saúde:

  • para a prevenção da diarreia associada a antibióticos;
  • para o tratamento da diarreia aguda (viral) em crianças, uma vez que podem encurtar a duração da diarreia.
Vias de investigação promissoras que envolvem a microbiota
  • A investigação futura deverá expandir os conhecimentos sobre o microbioma no contexto das diarreias infeciosas, por forma a melhorar a sua prevenção e tratamento.
  • A otimização do perfil da microbiota para determinar os resultados infeciosos5 e melhorar a eficácia da vacina contra o rotavírus29 representa uma via de investigação promissora.
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Detalhe do dossier

Diarreia parasitária: poderá a microbiota alterar os resultados clínicos?

Nem todos os indivíduos reagem da mesma forma às infeções intestinais por parasitas: enquanto alguns não apresentam quaisquer sintomas, outros sofrem de diarreia mais ou menos grave, que pode provocar a morte. A microbiota intestinal é cada vez mais citada como um fator-chave para explicar essa variabilidade.

Os parasitas intestinais podem ser genericamente classificados em protozoários (organismos unicelulares) e helmintos (multicelulares, conhecidos por vermes). 39 A nível mundial, estimase que existam 895 milhões de pessoas infetadas com helmintos transmitidos pelo solo (STH). Os protozoários intestinais (PI) têm uma taxa de prevalência globalmente mais baixa, mas, ainda assim, acredita-se que mais de 350 milhões de pessoas estejam infetadas com 3 dos parasitas protozoários mais frequentes40. As infeções por protozoários são vulgares em países de baixos e médios rendimentos (LMICs). A globalização da cadeia alimentar, as viagens internacionais e as migrações estão a provocar um aumento das infeções por protozoários nos países de elevados rendimentos, onde são mais frequentes do que as infeções por helmintos intestinais.39 

A giardíase – a diarreia parasitária mais vulgar em todo o mundo – afeta todos os anos 280 milhões de pessoas. 4 41

DIARREIAS CAUSADAS POR PROTOZOÁRIOS PARASITAS

Os protozoários parasitas intestinais mais correntes são a Giardia intestinalis (Giardia duodenalis ou Giardia lamblia), a Entamoeba histolytica, a Cyclospora cayetanensis e o Cryptosporidium spp. As doenças diarreicas causadas por estes agentes patogénicos são conhecidas, respetivamente, como giardíase, amebíase, ciclosporíase e criptosporidiose.41

Giardia intestinalis

A Giardia intestinalis infecta a parte superior do intestino delgado, alterando as suas barreira e permeabilidade. Entre 6 e 15 dias após a infeção, pode causar diarreia aguda e aquosa associada a cólicas abdominais, inchaço, náuseas e vómitos. A giardíase, a diarreia parasitária mais vulgar em todo o mundo, afeta todos os anos 280 milhões de pessoas. 41

Entamoeba histolytica

As infeções por Entamoeba histolytica são geralmente assintomáticas, mas podem produzir uma doença invasiva do intestino grosso (nomeadamente em doentes imunocomprometidos) que pode evoluir para disenteria amebiana. A fase aguda dura 3 semanas, com dor abdominal, diarreia sanguinolenta e muco nas fezes. Responsável por mais de 26.000 mortes por ano,2 a amebíase é a terceira principal causa de morte por infeções parasitárias em todo o mundo; afeta particularmente as pessoas nos países de baixos e médios rendimentos.41

Cyclospora cayetanensis

A Cyclospora cayetanensis é a única espécie do género Cyclospora que pode infetar os seres humanos. Após um período de incubação que pode variar de 2 a 12 dias, manifesta-se habitualmente por volumosa diarreia aguda aquosa, cólicas abdominais, náuseas, febre baixa, fadiga e perda de peso.41

Cryptosporidium spp.

Os sintomas da infeção por Cryptosporidium spp. surgem após uma ou duas semanas de incubação: os sintomas clínicos mais habituais são diarreia aquosa aguda, cólicas abdominais, má absorção, náuseas, vómitos e febre, com uma duração aproximada de 5 a 10 dias.41 Estima-se que todos os anos sejam notificados 64 milhões de casos de criptosporidiose.40

Os helmintos parasitas e a microbiota já coexistem dentro dos seus hospedeiros há milhões de anos. 50

DIARREIA DO VIAJANTE: A INFEÇÃO PARASITÁRIA ESTÁ NORMALMENTE ASSOCIADA À SCI-PI

Embora a maioria dos casos de diarreia do viajante seja aguda e se resolva espontaneamente, um subgrupo de indivíduos pode apresentar sintomas gastrointestinais persistentes que se prolongam durante semanas, meses ou mesmo anos, depois de a causa inicial ter sido eficazmente tratada.52 Uma publicação recente sugere que cerca de 10% dos doentes que sofrem de diarreia do viajante desenvolvem sintomas persistentes consistentes com a síndrome do cólon irritável pós-infecioso (SCIPI). As infeções parasitárias, em particular a giardíase, estão frequentemente associadas à SCI-PI.53

DIARREIAS CAUSADAS POR HELMINTOS TRANSMITIDOS PELO SOLO

A nível mundial, os principais helmintos transmitidos pelo solo são a lombriga (Ascaris lumbricoides), o tricocéfalo (Trichuris trichiura) e os ancilóstomos (Necator americanus e Ancylostoma duodenale). Os sintomas que se manifestam após uma infeção por helmintos estão relacionados com o número de vermes albergados: as pessoas com infeções de intensidade ligeira (poucos vermes) não costumam sentir desconforto, ao passo que as infeções mais graves podem causar uma série de sintomas, incluindo alguns que se manifestam no intestino (diarreia e dores abdominais), malnutrição, mal estar geral e fraqueza, e dificuldades de crescimento e desenvolvimento físico. Os helmintos transmitidos pelo solo contribuem para o impacto da doença ao prejudicarem o estado nutricional das pessoas que infetam através de diversas formas: alimentam-se dos tecidos do hospedeiro, causam perda de sangue intestinal e dificultam a absorção de nutrientes.42

  • O Ascaris lumbricoides é o nemátodo intestinal mais comum que infecta os seres humanos, estimandose que 807 a 1.221 milhões de pessoas sejam infetadas todos os anos. 43 A infeção é habitualmente assintomática. A forma sintomática é caracterizada por uma fase pulmonar inicial seguida de uma fase intestinal posterior, que se manifesta por diarreia, dores abdominais ligeiras, anorexia, náuseas e vómitos.41
     
  • Calcula-se que 604 a 795 milhões de pessoas no mundo estejam infetadas com Trichuris trichiura. As pessoas com infeções graves podem ter evacuações dolorosas e frequentes contendo uma mistura de muco, água e sangue.44
     
  • Pensa-se que há 576 a 740 milhões de pessoas em todo o mundo infetadas com ancilóstomos, normalmente sem sintomas. Poucas delas, em especial as infetadas pela primeira vez, enfrentam sintomas gastrointestinais. Os efeitos mais frequentes e graves da ancilostomose são a perda de sangue intestinal que provoca anemia, para além da perda de proteínas.4.45

 

MICROBIOTA: UM PAPEL NA ACENTUADA VARIABILIDADE CLÍNICA DA DIARREIA PARASITÁRIA?

As infeções parasitárias por protozoários são caracterizadas por uma grande variabilidade na sua apresentação clínica: podem ser assintomáticas ou causar diarreia, dor abdominal, perda de peso, etc. Estudos recentes destacaram a potencial contribuição da microbiota intestinal para esta variabilidade clínica: por exemplo, uma abundância de Prevotella copri na microbiota intestinal previu diarreia no contexto de infeção por Entamoeba histolytica46; uma reduzida abundância de Megasphaera antes e na altura da deteção de Cryptosporidium foi associada a diarreia parasitária em bebés no Bangladesh, indicando que a microbiota intestinal pode desempenhar um papel na determinação da gravidade de uma infeção por Cryptosporidium47. Por sua vez, a infeção por protozoários parasitas altera a microbiota intestinal.48,49

Relativamente aos helmintos, as complexas interações entre os vermes e a microbiota ("dois velhos amigos dos humanos"50) estão atualmente a ser estudadas50 (Figura 7). Os autores concordam quanto à existência de uma interação complexa e dinâmica entre o(s) parasita(s), a microbiota do hospedeiro e a imunidade do mesmo, capaz de determinar os resultados clínicos das infeções parasitárias.46,48

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CASO CLÍNICO pelo Prof. Stephen Allen

  • Durante as suas férias na Ásia, uma executiva empresarial de 36 anos desenvolve diarreia não sanguinolenta, viscosa e malcheirosa, com cólicas abdominais e inchaço.
     
  • Na segunda semana da doença, a microscopia das fezes revelou giardíase e a doente faz um tratamento de 10 dias com metronidazol.
     
  • Ao longo do ano seguinte, no Reino Unido, tem episódios frequentes de sintomas semelhantes, cada um com a duração de alguns dias, obrigando-a a faltar ao trabalho.
     
  • Após terem sido excluídas outras doenças através de investigações adicionais e de uma avaliação clínica, é-lhe diagnosticada uma síndrome do cólon irritável pós-infeciosa com predominância de diarreia (SCI-D), uma doença que ocorre em 10% dos doentes após um episódio agudo de gastroenterite.54
     
  • Ela acha que as mudanças na dieta e os tratamentos para a SCI-D têm pouco efeito e quer saber se deve enviar uma amostra de fezes para o estrangeiro para análise da microbiota e se um transplante fecal a pode ajudar.
     
  • O papel da disbiose persistente na SCI pósinfeciosa devido à infeção parasitária e/ou aos medicamentos utilizados no tratamento é insuficientemente conhecido. É necessária mais investigação para que as perguntas desta mulher possam ser respondidas com alguma confiança.

OPINIÃO DE ESPECIALISTA

A infeção por parasitas intestinais é uma causa frequente de doença em todo o mundo, predominantemente diarreia com protozoários como a giardia, a Entamoeba histolytica e o Cryptosporidium, e anemia com helmintos. Do mesmo modo, os parasitas intestinais surgem como comensais e podem até trazer benefícios para a saúde, como a melhoria da resistência a outros enteropatógenos e a prevenção de doenças alérgicas e autoimunes. A dificuldade consiste em compreender melhor as complexas inter-relações entre os diferentes parasitas, a mucosa intestinal, as células imunitárias intestinais e a microbiota intestinal, a fim de poder explorar os benefícios e, ao mesmo tempo, atenuar os efeitos adversos da infeção parasitária intestinal.

PROF. STEPHEN ALLEN Professor de Pediatria, Liverpool School of Tropical Medicine (Reino Unido)
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Detalhe do dossier Gastroenterologia

Diarreia viral: poderão as vacinas alterar o jogo?

As diarreias virais apresentam-se normalmente como diarreia aquosa e são causadas por 5 tipos principais de vírus. Entre eles, o rotavírus continua a ser a principal causa de mortalidade relacionada com a diarreia nas crianças com menos de 5 anos de idade, apesar da existência de vacinas desde 2006. A composição da microbiota intestinal, implicada nos resultados da infeção viral e na eficácia da vacina contra o rotavírus, pode desempenhar um papel fundamental nas estratégias destinadas a reduzir o impacto da diarreia viral.

Rotavírus, norovírus, sapovírus, astrovírus e adenovírus: existem cinco tipos de vírus que são atualmente reconhecidos como as principais causas de diarreia viral.21

Dos mais de 2 mil milhões de episódios de doença diarreica que ocorrem anualmente em todo o mundo, segundo as estimativas do estudo Global Burden of Disease (GBD) de 2016,2 quase 900 milhões dos episódios moderados a graves foram atribuídos a apenas três destes vírus: rotavírus, norovírus e adenovírus.22.

 

ROTAVÍRUS, PRINCIPAL CAUSA DE MORTE POR DIARREIA NAS CRIANÇAS

Apesar do desenvolvimento e da disponibilização de vacinas contra o rotavírus desde 2006,22 este vírus, que causa sintomas mais graves do que a maioria dos outros agentes patogénicos entéricos,22 foi ainda responsável por mais de 228.000 mortes em todo o mundo em 2016, das quais mais de 128 000 ocorreram em crianças com idade inferior a 5 anos2 – fazendo do rotavírus a principal causa de mortalidade relacionada com a diarreia neste segmento da população (Figura 4).

 

DIARREIA AQUOSA

Qualquer que seja o vírus que desencadeia um episódio de diarreia, o processo de infeção é basicamente o mesmo: o vírus infecta as células epiteliais do intestino delgado e causa danos que dificultam a absorção de fluidos.21 A diarreia viral manifesta-se geralmente sob a forma de uma diarreia aquosa (sem sangue). Pode ser acompanhada de outros sintomas, nomeadamente náuseas, cólicas abdominais, vómitos e febre22, dando origem ao que se designa por gastroenterite viral.

 

REIDRATAÇÃO... E PROBIÓTICOS

Tal como para as outras etiologias da diarreia infeciosa (bacterianas ou parasitárias), o tratamento da diarreia viral baseia-se na terapia de reidratação oral ou intravenosa, dependendo do grau de desidratação.21 Além disso, de acordo com as conclusões mais recentes do comité ESPGHAN (2023),20 os profissionais de saúde podem recomendar algumas estirpes probióticas (L. rhamnosus, S. boulardii e L. reuteri) para o tratamento da gastroenterite aguda em crianças, uma vez que existe alguma evidência (certeza da evidência: baixa; grau de recomendação: fraco) de redução da duração da diarreia, do tempo de hospitalização ou do débito fecal.

De entre todos os agentes patogénicos diarreicos, e apesar da existência de vacinas, o rotavírus continua a ser o principal responsável pela morte de crianças com menos de cinco anos de idade. 2

MELHORAR A EFICÁCIA DA VACINA CONTRA O ROTAVÍRUS, UM DESAFIO AINDA POR SUPERAR

No que diz respeito à prevenção, são aplicáveis as medidas preventivas habituais (assegurar água potável, higiene adequada e lavagem frequente das mãos, limitar o contacto com pessoas infetadas, etc.). Dado o impacto considerável da doença diarreica por rotavírus, as vacinas contra o rotavírus são outra medida preventiva importante. 22,23

SARS-COV-2: UM NOVO MEMBRO DO CLUBE DOS VÍRUS DIARREICOS

Juntamente com os vírus há muito reconhecidos como principais causas de diarreia viral, a infeção pelo SARS-CoV-2, responsável pela maior pandemia dos últimos tempos – a COVID-19 – também pode dar origem a diarreia. Nos estudos clínicos, a taxa de incidência de diarreia varia de 2% a 50% dos casos.27 Tal como acontece com o trato respiratório, os recetores da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) encontram-se fortemente expressos nas células intestinais, servindo como um importante local de entrada do vírus no intestino. Os possíveis mecanismos que levam ao desenvolvimento da diarreia envolvem principalmente desregulações da enzima conversora da angiotensina 2 após a entrada do vírus no enterócito, o que poderá desencadear uma resposta inflamatória, desequilíbrio iónico e aumento da permeabilidade. Além disso, a proteína spike do SARS-CoV-2 funciona como uma enterotoxina, com um mecanismo semelhante ao da enterotoxina NSP4 do rotavírus.28 Pensa-se também que a alteração da microbiota intestinal e os efeitos secundários dos medicamentos (antivíricos e antibióticos) possam estar envolvidos.29

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Microbiota: um papel fundamental na eficácia da vacinação contra o rotavírus

Desde a sua introdução em 2006, as vacinas orais contra o rotavírus (ORVV) provocaram, a nível mundial, uma descida significativa do número de hospitalizações e de mortes devidas à diarreia por rotavírus.30 No entanto, a eficácia das vacinas tem sido variável, com os países de baixo nível de rendimentos a registarem um desempenho inferior em comparação com a eficácia notavelmente elevada (>90%) observada nos países de rendimento mais elevado.31 Pensa-se que as razões para esta disparidade são multifatoriais (imunidade do hospedeiro, parâmetros perinatais, genética, estado nutricional, stress, consumo de tabaco e álcool, localização rural versus urbana, dimensão da família, etc.). Tal como acontece com outras vacinas, a composição e a função da microbiota intestinal são consideradas um fator fundamental que regula a resposta imunitária à vacinação30,32,33 (Figura 5).

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Estima-se que estas vacinas tenham evitado 139 000 mortes por rotavírus em menores de cinco anos durante o período de 2006 a 2019 e que tenham evitado 15% das mortes por rotavírus em menores de cinco anos em 2019.24 No entanto, a eficácia da vacina é específica de cada região e apresenta uma seroconversão fraca nos países de baixo e médio nível de vida. Dados de ensaios clínicos em seres humanos apontam para uma possível ligação entre a microbiota intestinal e a resposta do sistema imunitário entérico à vacina contra o rotavírus25 (Figura 5).

Estima-se que cada grama de conteúdo intestinal humano contenha, pelo menos, 108 a 109 partículas semelhantes a vírus, a grande maioria das quais são fagos.14

MICROBIOTA: ALIADO OU INIMIGO NO INÍCIO DA DIARREIA VIRAL?

Nos casos de diarreia viral, tal como nas diarreias infeciosas em geral, o resultado do confronto entre o agente patogénico e o hospedeiro depende de equilíbrios complexos que envolvem, em grande parte, a microbiota.

A microbiota intestinal apresenta interações bidirecionais com as infeções por rotavírus e norovírus:14 tanto pode proteger como predispor o hospedeiro à infeção; por sua vez, uma infeção pode alterar a microbiota intestinal. Algumas bactérias parecem ser capazes de inibir a infeção viral. Por exemplo, há um estudo que mostra que as bactérias filamentosas segmentadas previnem e curam a infeção por rotavírus em colónias de ratos35 (Figura 6). Por outro lado, estudos in vitro e in vivo indicam o envolvimento da microbiota intestinal na facilitação da infeção viral: certos micróbios intestinais (por exemplo, Enterobacter cloacae) estimulam a capacidade do norovírus humano para infetar linfócitos B humanos in vitro; a eliminação da microbiota através dos antibióticos atrasa a infeção, reduz a infecciosidade e/ou o título viral do norovírus e do rotavírus em ratos.8,36

Por conseguinte, quaisquer agentes patogénicos invasivos podem ter efeitos diferentes consoante o estado da microbiota intestinal.3 O perfil ideal da microbiota e as melhores estratégias orientadas para a microbiota que possam reduzir o risco de infeção e a diarreia viral que se segue continuam por caraterizar.37

Quanto ao efeito da infeção viral na composição da microbiota intestinal, numerosos estudos documentaram perfis específicos de disbiose em doentes que sofrem de diarreia viral em comparação com controlos saudáveis25,38. É frequentemente relatada uma redução da diversidade (alfa) da microbiota, mas os aumentos ou diminuições de taxa específicos variam muito entre os estudos.14 E permanece uma interrogação: a disbiose observada durante a diarreia viral reflete uma predisposição que pode ter facilitado a infeção, é um estado causado pelo vírus, ou é uma combinação de ambos?

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CASO CLÍNICO pelo Dr. Marco Poeta

  • Uma menina de 4 anos deu entrada no serviço de urgência pediátrica com febre, diarreia, vómitos e desidratação grave.
     
  • Como a criança precisava de reidratação intravenosa, ficou internada no hospital.
     
  • A zaragatoa nasofaríngea deu positivo para a infeção por SARS-CoV-2, apesar da ausência de sintomas respiratórios.
     
  • As fezes revelaram-se negativas para rotavírus, norovírus, adenovírus, bactérias e parasitas, mas positivas para SARS-CoV-2.
     
  • Após a administração de probióticos, a frequência e a consistência das fezes foram ambas recuperadas.
     
  • A hidratação intravenosa foi interrompida passados quatro dias e a criança recebeu alta.
     
  • A diarreia pode ser a única manifestação clínica da infeção por SARS-CoV-2. O SARSCoV-2 deve, portanto, ser acrescentado à lista de agentes patogénicos entéricos.
     
  • A eficácia dos probióticos contra a gastroenterite associada à Covid observada neste caso clínico está já demonstrada através de estudos in vitro.

OPINIÃO DE ESPECIALISTA

Os probióticos são recomendados como um meio ativo de tratamento da diarreia viral nas crianças, exercendo um efeito antidiarreico que restaura a composição da microbiota a partir do seu estado alterado. Em ensaios clínicos, algumas estirpes probióticas reduzem a diarreia secretora num período de tempo muito curto, mensurável poucas horas após o início da administração de probióticos. Considerando que são normalmente necessários vários dias para se estabelecerem alterações na composição da microbiota, a rápida eficácia dos probióticos pressupõe a existência de efeitos positivos adicionais. As moléculas segregadas pelas bactérias que atuam diretamente nas células intestinais poderão inibir a diarreia secretora através de um mecanismo antioxidante. Este fenómeno é designado o "efeito pósbiótico". Os metabolitos produzidos pelos probióticos têm uma ação semelhante à farmacológica e podem representar terapias inovadoras para o tratamento da diarreia viral.

DR. MARCO POETA Unidade de Doenças Infeciosas Pediátricas, Universidade de Nápoles Federico II (Itália)
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Detalhe do dossier Gastroenterologia

Focus na diarreia associada a antibióticos (daa)

Os antibióticos são um instrumento poderoso na luta contra as infeções bacterianas, mas também perturbam a microbiota intestinal protetora, o que pode ter consequências indesejadas, incluindo diarreia associada a antibióticos (DAA) em 35% dos doentes.17,18,19 A incidência de DAA depende de vários fatores: 17,18,19 idade (nas crianças, esta percentagem pode atingir os 80%) 15, ambiente, tipo de antibiótico, etc. A maior parte das vezes, a DAA é causada por uma disbiose induzida por antibióticos, é de intensidade ligeira e é autolimitada, durando entre 1 e 5 dias.

Embora as etiologias para DAA sejam diversas, aproximadamente um terço dos casos de DAA são atribuídos a C. difficile. Em determinadas situações, o C. difficile desencadeia uma resposta inflamatória que conduz a uma série de quadros clínicos, desde diarreia ligeira a colite pseudomembranosa, megacólon tóxico ou mismo a morte.17

RECOMENDAÇÕES ESPGHAN 2023

Em 2023, o Grupo de Interesse Especial sobre Microbiota Intestinal e Modificações da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) estabeleceu recomendações atualizadas para a utilização de probióticos no tratamento de determinadas perturbações gastrointestinais pediátricas:20

“Se a utilização de probióticos para prevenir a diarreia associada a antibióticos (DAA) for equacionada devido à existência de fatores de risco como a classe do(s) antibiótico(s), a duração do tratamento antibiótico, a idade, a necessidade de hospitalização, as comorbilidades ou episódios anteriores de DAA, os profissionais de saúde podem recomendar doses elevadas (≥5 mil milhões de UFC/dia) de S. boulardii ou L. rhamnosus GG iniciadas em simultâneo com o tratamento antibiótico para prevenir a DAA em doentes ambulatórios e crianças hospitalizadas (certeza da evidência: moderada; grau de recomendação: forte).”

CASO CLÍNICO pelo Prof. Aldo Maruy

  • Um doente de 10 anos veio à clínica com um historial de diarreia de sete dias. Desde o início, a criança evacuava todos os dias duas ou três vezes fezes líquidas com muco, mas sem sangue. A mãe referiu que não tinha tido febre nem vómitos. Ao exame clínico, a criança aparentou estar bem e pareceu estar adequadamente hidratada.
     
  • O médico solicitou uma coprocultura e testes de ovos e parasitas, que foram negativos.
     
  • Inicialmente, não tinha sido tido em conta um antecedente: seis semanas antes, a criança tinha tido uma infeção respiratória que foi tratada com antibióticos.
     
  • Suspeitou-se então de Diarreia Associada a Antibióticos (DAA) de início tardio. O paciente recebeu probióticos e melhorou no prazo de uma semana.
     
  • A DAA pode demorar entre 2 horas e 8 a 10 semanas a desenvolver-se após a utilização de antibióticos.

OPINIÃO DE ESPECIALISTA

A Diarreia Associada a Antibióticos (DAA) é um efeito secundário frequente dos antibióticos. A idade, o espetro de antibióticos utilizados, a patologia subjacente e a cirurgia recente foram identificados como fatores de risco. Evidências recentes mostram um novo: a composição da microbiota. Nos doentes tratados com β-lactâmicos, as abundâncias relativas mais elevadas de Bacteroides foram inversamente associadas à DAA, enquanto as abundâncias basais mais elevadas de espécies de Bifidobacterium e Lachnospiraceae e as vias de biossíntese de aminoácidos (AABP) foram associadas à DAA. As abundâncias relativas de taxa potencialmente protetores e os níveis de AABP permitem distinguir as crianças que sofreram e as que não sofreram DAA. Mais estudos são necessários para investigar se tendências semelhantes são observadas em diferentes tipos de antibióticos. Os taxa potencialmente protetores identificados podem contribuir para o desenvolvimento de abordagens preventivas da DAA.

PROF. ALDO MARUY Gastroenterologista Pediátrico, Hospital Cayetano Heredia, Lima (Peru)
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Detalhe do dossier Gastroenterologia

Diarreia bacteriana: microbiota intestinal, sua vítima potencial ou protetora contra ela?

Bactérias patogénicas como Shigella, Vibrio cholerae, Salmonella, E. coli, etc. provocam diarreia bacteriana, através de mecanismos que dependem da bactéria envolvida. As diarreias bacterianas são acompanhadas de disbiose intestinal. Analogamente, a microbiota intestinal exerce efeitos sobre a infeção bacteriana. Uma vez que uma microbiota intestinal "saudável" é mais resistente às infeções, os probióticos poderão reduzir a gravidade de muitas infeções bacterianas.

Sublinhando o quão letal uma diarreia bacteriana pode ser, estas 8 bactérias foram responsáveis por mais de um terço das mais de 1,65 milhões de mortes por diarreia infeciosa registadas em todo o mundo em 2016.2

Estas 8 bactérias

  • Shigella: 212.438 mortes.
  • Vibrio cholerae: 107,290 mortes
  • Non-typhoidal Salmonella spp: 84,799 mortes.
  • Campylobacter spp: 75,135 mortes.
  • Enterotoxigenic E. coli: 51,186 mortes.
  • Clostridioides difficile: 22,417 mortes.
  • Aeromonas: 16,881 mortes.
  • Enteropathogenic Escherichia coli: 12,337 mortes.

DA INFEÇÃO À DIARREIA

Os mecanismos que conduzem à diarreia bacteriana dependem das bactérias envolvidas. Transmitida através de àgua ou alimentos contaminados, ou por contacto entre pessoas, a Shigella infesta o trato gastrointestinal, produz uma enterotoxina e uma toxina do serotipo 1, destruindo o epitélio intestinal e provocando diarreia grave com sangue e muco3,5
As variantes patogénicas do Vibrio cholerae produzem uma toxina da cólera que ativa a secreção de aniões, inibe a absorção de NaCl eletroneutro e aniquila a função de barreira intestinal, induzindo assim a secreção maciça de fluidos no lúmen do intestino delgado e a perda de grandes quantidades de água, sódio, cloreto, bicarbonato e potássio3,5,13

Diferentes estirpes patogénicas de E. coli, classificadas em diferentes patotipos (Quadro 1), causam diarreia ligeira a grave, normalmente acompanhada de febre. A E. coli adere às células epiteliais intestinais através das fímbrias de adesão, produz toxinas e exerce os seus efeitos patogénicos3,5

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EFEITOS NA MICROBIOTA DOS AGENTES PATOGÉNICOS E DA DIARREIA

As diarreias bacterianas são acompanhadas de disbiose, geralmente com excessiva abundância de anaeróbios facultativos (Escherichia, Streptococcus, Enterococcus, etc.) na diarreia disentérica, e uma redução de bactérias com efeitos imunomoduladores conhecidos (Lactobacillus ruminis, Bifidobacterium pseudocatenulatum)7 (Figura 3).

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Por exemplo, na cólera, a microbiota intestinal é substancialmente modificada durante e após a infeção, em consequência da supressão da camada de muco juntamente com a comunidade microbiana intestinal residente e da produção da toxina pelo V. cholerae.13 Durante o recobro, a microbiota intestinal dos doentes com cólera repovoa-se lentamente através de um padrão de acumulação semelhante ao da maturação da microbiota intestinal observada nas crianças.3
Da mesma forma, as crianças infetadas com E. coli diarreica (DEC) apresentam uma composição microbiana intestinal distinta, com uma fração elevada de Bacteroidetes e Proteobactérias e uma abundância reduzida de Firmicutes. 13 O aumento das Proteobactérias pode ser parcialmente explicado por um aumento das espécies de Escherichia/Shigella (como causa de diarreia) e de outros membros das Enterobacteriaceae, como Citrobacter e Enterobacter (relacionados com a produção de histamina induzida por ambientes pró-inflamatórios e associados à aderência de E. coli).14 A utilização frequente de antimicrobianos pode também explicar parcialmente a disbiose observada7

 

A MICROBIOTA INTESTINAL OFERECE PROTEÇÃO CONTRA INFEÇÕES

Analogamente, a microbiota intestinal exerce efeitos sobre a infeção bacteriana. Em animais axénicos (germ-free), a falta de uma microbiota intestinal e a ausência de competição ecológica resulta num sistema imunitário imaturo que os torna altamente suscetíveis a agentes patogénicos diarreicos: 10 unidades formadoras de colónias (UFC) de Salmonella são suficientes para causar uma infeção letal, ao passo que para matar 50% dos ratos com uma microbiota intestinal intacta são necessárias 10³ a 10⁹ UFC.8

Nos seres humanos, foi demonstrado que Prevotella, Bifidobacterium e Blautia reduzem a colonização de V. cholerae. Inversamente, acredita-se que o Paracoccus promove o crescimento do agente patogénico.13 Esta é a razão pela qual a promoção de um microbioma intestinal "saudável" tem sido considerada uma abordagem útil na intervenção e prevenção da cólera.13

“O trato GI alberga ~1 a 10 vezes mais células bacterianas do que o número de células no corpo humano.” 16

BACTÉRIAS E LEVEDURAS PROBIÓTICAS, PREBIÓTICOS E TMF

A gravidade de várias infeções bacterianas pode ser reduzida pelos probióticos: por exemplo, a E. coli probiótica inibe a formação de biofilme de outras estirpes de E. coli e também das estirpes patogénicas Staphylococcus aureus e S. epidermidis.3 No que diz respeito à disenteria, uma combinação de estirpes de Lactobacillus e Bifidobacterium e de uma estirpe de Streptococcus reduz tanto a duração da diarreia sanguinolenta como o tempo de hospitalização.3
Inúmeros mecanismos poderão explicar por que razão os probióticos aliviam a diarreia:³ produção de substâncias antimicrobianas, exclusão competitiva, competição pelos locais de ligação celular, produção de ácidos e metabolitos que reduzem o pH circundante, reforço da barreira da mucosa intestinal, modulação da imunidade da mucosa intestinal e diversidade da microbiota intestinal. Por exemplo, a levedura probiótica Saccharomyces boulardii pode estimular o restabelecimento da microbiota intestinal em crianças com diarreia aguda.15

Os prebióticos também podem ter um impacto positivo na diarreia: ao aumentarem a produção bacteriana de ácidos gordos de cadeia curta (AGCC), como o butirato, que contribuem para a integridade da barreira intestinal; e ao antagonizarem a aderência dos agentes patogénicos às células epiteliais, inibindo assim a colonização e promovendo a eliminação dos agentes patogénicos do intestino.3

O transplante de microbiota fecal (TMF), que tem como objetivo restaurar uma microbiota intestinal saudável, provou ser eficaz e está apenas indicado no tratamento da infeção recorrente por C. difficile, tanto em adultos como em crianças.14

CASO CLÍNICO pelo Prof. Aldo Maruy

  • Um menino de 2 anos de idade apresentou febre, dor abdominal e diarreia com muco e sangue. Tinha um historial de dois episódios semelhantes nos últimos seis meses, tratados apenas com antibióticos.
     
  • Para evitar uma recaída, decidiu-se tratá-lo com antibióticos e probióticos. A diarreia cessou em 48 horas, o antibiótico foi suspenso ao 5.º dia, enquanto o probiótico foi mantido durante duas semanas; foi-lhe prescrita uma dieta rica em alimentos complementares e prebióticos.
     
  • Para além de se tratar a infeção com antibióticos, recomenda-se, para prevenir um novo episódio diarreico, que a composição da microbiota intestinal seja restaurada através da dieta, juntamente com a administração de prebióticos e probióticos.

OPINIÃO DE ESPECIALISTA

Ao longo da vida, uma microbiota saudável desempenha um papel importante na prevenção e tratamento da diarreia bacteriana. Há espécies específicas que demonstraram efeitos protetores contra a diarreia: Os taxa de Lactobacillus protegem contra a diarreia induzida por Shigella spp.; a presença de Sutterella spp., Prevotella copri e Bacteroides vulgatus prediz resistência à E. coli enterotoxigénica (ETEC). Por outro lado, a intervenção microbiana, através da modificação da dieta e da utilização de prebióticos, probióticos e TMF, pode regular a composição da microbiota intestinal para prevenir e tratar a diarreia. A investigação futura deverá expandir o nosso conhecimento do microbioma no que se refere à diarreia infeciosa, ajudando assim a conceber melhores intervenções preventivas e terapêuticas.

PROF. ALDO MARUY Gastroenterologista Pediátrico, Hospital Cayetano Heredia, Lima (Peru)

CONSEQUÊNCIAS DA DIARREIA DOS VIAJANTES

Quando visitam destinos de médio e alto risco, 10 a 70% dos viajantes de regiões com baixo risco de doenças infeciosas sofrem de diarreia. A diarreia do viajante é predominantemente causada por bactérias (≥80% a 90% dos casos), sendo os vírus intestinais responsáveis por um mínimo de 5% a 15% dos casos.52 As infeções por protozoários patogénicos poderão ser responsáveis por cerca de 10% dos diagnósticos, principalmente em pessoas que viajam por períodos prolongados. A microbiota dos viajantes que sofrem de diarreia apresenta uma muito maior variação ao longo da duração da sua estadia do que a dos viajantes saudáveis, associada a uma menor diversidade de base, que tem sido associada a uma maior suscetibilidade à infeção.51 Além disso, a diarreia reduz a capacidade de restabelecimento da microbiota (grande aumento da divergência em relação à linha de base) e leva à aquisição de organismos multirresistentes.51 Assim, de acordo com um estudo que incluiu 267 americanos que viajaram para fora dos Estados Unidos, um terço regressou com diarreia, 61% com disbiose intestinal e 38% com bactérias resistentes a antibióticos (a maioria E. coli), contribuindo para a disseminação global da resistência antimicrobiana.58

Mais abundantes na diarreia:

E. coli, Dorea fomigenerans, Bacteroïdes vulgarus, B. caocae, Odoribacter splanchnicus, etc.

Menos abundantes na diarreia:

Ruminococcus bromii, coprococcus, Clostridioides bartletti, etc.

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Detalhe do dossier Gastroenterologia

Microbiota e diarreia infeciosa: círculo vicioso ou virtuoso?

DIARREIA INFECIOSA, UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTALIDADE INFANTIL NO MUNDO 

Aevacuação de 3 ou mais fezes soltas ou líquidas por dia corresponde à definição comum de diarreia estabelecida pela OMS.1 São necessários ambos os critérios (frequência e consistência): a evacuação frequente de fezes formadas não é diarreia, nem a evacuação de fezes soltas por bebés sujeitos a amamentação (Figura 1). Foram atribuídas à diarreia 1,6 milhões de mortes em 2016.2 As crianças encontram-se particularmente em risco: a doença diarreica é a 3.ª principal causa de morte em crianças com menos de 5 anos de idade. Uma grande parte da mortalidade costumava ser atribuída à desidratação grave associada à perda de fluidos, mas atualmente as infeções bacterianas sépticas são responsáveis por uma fatia cada vez maior de todas as mortes associadas à diarreia.1 As crianças subnutridas ou imunocomprometidas são as que correm maior risco de sofrer de diarreia potencialmente fatal, bem como as pessoas que vivem com o VIH.1

CLASSIFICAÇÃO DA DIARREIA

Existem 3 tipos clínicos de diarreia com base nos seus sintomas e duração:1

  • diarreia aquosa aguda, que dura várias horas ou dias (até 14 dias) e inclui a cólera;
  • diarreia sanguinolenta aguda (disenteria);
  • diarreia persistente, que dura 14 dias ou mais.

A maior parte dos casos de diarreia aguda deve-se a infeções:1,3,4 a responsabilidade pode ser atribuída a um vírus, a uma bactéria ou a um parasita, mas o rotavírus e a Escherichia coli são os dois agentes etiológicos mais comuns da diarreia moderada a grave nos países de baixo nível de vida.1 O Rotavírus e a Shigella são responsáveis pelo maior número de mortes relacionadas com a diarreia infeciosa;2 este facto tem dado origem a estratégias de vacinação preventiva (ainda em desenvolvimento para a última). 

Embora se tenha confirmado que certas comunidades fúngicas têm uma ligação com a diarreia, o papel dos fungos na mesma continua a ser controverso.5 Estes podem estar envolvidos em alguns contextos clínicos, especialmente em doentes imunocomprometidos mais propensos a infeções fúngicas invasivas (candidíase).6

SÍNDROMAS FISIOPATOLÓGICOS DA DIARREIA 

Do ponto de vista clínico, os agentes patogénicos diarreicos podem causar 2 síndromas fisiopatológicos:4

  • Diarreia não inflamatória (DNI): os doentes apresentam náuseas, vómitos, fezes aquosas e volumosas e cólicas abdominais resultantes da secreção intestinal (a mucosa intestinal permanece intacta). Esta doença mais moderada é geralmente viral (Rotavírus, Norovírus...) mas também pode ser bacteriana (Escherichia coli enterotoxigénica, Clostridium perfringens...) ou parasitária (Giardia, ...);
  • Diarreia inflamatória (DI): os pacientes apresentam febre, dor abdominal, tenesmo e fezes sanguinolentas de menor volume do que na DNI. Este quadro grave da doença é geralmente causado por estirpes bacterianas invasivas ou produtoras de toxinas (Shigella, espécies de Salmonella...) que levam à rutura da barreira mucosa e à destruição dos tecidos.

“O rotavírus e a Escherichia coli são os dois agentes etiológicos mais frequentes da diarreia moderada a grave nos países de baixo nível de vida.”

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NOS BASTIDORES DA DIARREIA: A MICROBIOTA

CÍRCULO VICIOSO: QUANDO A DIARREIA LEVA À DISBIOSE INTESTINAL

A diarreia infeciosa é considerada como um evento disbiótico importante resultante de:

  • aumento dos movimentos intestinais e interrupção da integridade da mucosa, 3
  • aumento da presença de água na matéria fecal e redução do tempo de trânsito, o que contribui para a escassez taxonómica, 3
  • e eventual reidratação oral, suplementos de zinco, probióticos e até mesmo antimicrobianos (no caso da disenteria ou de infeções bacterianas) que também contribuem para um desequilíbrio da microbiota intestinal.7

Dependendo do tipo de infeção, as diarreias infeciosas são geralmente acompanhadas por estados disbióticos:7 A diarreia induzida por bactérias está normalmente associada a um aumento de Escherichia, Streptococcus e bactérias orais; as infeções virais geram uma redução menos pronunciada dos anaeróbios comensais no intestino (maior abundância de Bifidobacterium); a diarreia induzida por giardia está associada a uma diminuição de Gammaproteobacteria e a um enriquecimento em Prevotella.

“A comunidade dos micróbios que vivem no intestino tão numerosa como as células humanas, com a grande maioria das bactérias a habitar o cólon.” 8

“DISBIOSE”

Perturbação de uma microbiota anteriormente estável e funcionalmente completa.9

“MICROBIOTA INTESTINAL”

A comunidade de microrganismos – bactérias, vírus, fungos (incluindo leveduras) e parasitas – que habitam o intestino.10

CÍRCULO VIRTUOSO: QUANDO A MICROBIOTA INTESTINAL OFERECE PROTEÇÃO

Os mecanismos através dos quais a microbiota intestinal proporciona resistência à colonização podem ser tanto diretos como indiretos. A microbiota inibe diretamente os agentes patogénicos diarreicos, principalmente através da competição por nutrientes, mas também limitando de várias formas o crescimento dos agentes patogénicos diarreicos: segregando bacteriocinas (péptidos antimicrobianos), estruturas inibitórias dependentes do contacto celular (sistema de secreção tipo VI), produzindo moléculas que reduzem a virulência dos agentes patogénicos, etc.

A microbiota também inibe indiretamente os agentes patogénicos da diarreia através dos seus efeitos no hospedeiro: promovendo a manutenção da barreira intestinal e estimulando tanto o sistema imunitário inato como o adaptativo.8

COMO TRATAR A DIARREIA INFECIOSA?

A maioria das infeções intestinais é autolimitada nos indivíduos imunocompetentes. No entanto, alguns doentes (com desidratação grave, doença de maior gravidade, febre persistente, fezes com sangue, imunossupressão, etc.) requerem uma investigação diagnóstica específica. Isto pode incluir uma contagem sanguínea completa, uma avaliação da creatinina e dos eletrólitos, verificação da presença de leucócitos e lactoferrina nas fezes, coprocultura, bem como testes de C. difficile, PCR, pesquisa de parasitas e ovos, endoscopia e imagiologia abdominal11. A diretriz do American College of Gastroenterology (ACG)12 fornece recomendações para o diagnóstico e tratamento de doentes adultos que apresentem diarreia aguda de provável etiologia infeciosa (Figura 2). A investigação clínica em crianças baseia-se nos mesmos princípios.23 Em 2023, as Diretrizes Globais da Organização Mundial de Gastroenterologia (WGO) incluíam probióticos na prevenção e tratamento de algumas diarreias infeciosas.57.

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Diretrizes Globais da Organização Mundial de Gastroenterologia (WGO), 2023

Tratamento da diarreia aguda: “a administração oral [de algumas estirpes probióticas] encurta em cerca de 1 dia a duração da doença diarreica aguda em crianças”.57

Prevenção de:

  • diarreia aguda: “os probióticos fazem provavelmente pouca ou nenhuma diferença com diarreia que dure 48 horas ou mais”.
  • diarreia associada a antibióticos: "os probióticos podem ter um efeito moderado na prevenção da diarreia associada a antibióticos em crianças, adultos e idosos".
  • diarreia por Clostridioides difficile: "os probióticos são eficazes para prevenir a diarreia associada a C. difficile em pacientes a receber antibióticos."
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Detalhe do dossier Gastroenterologia

Da boca ao cólon: O trajeto da Fusobacterium

Um novo estudo surpreendente revela que a Fusobacterium nucleatum, tipicamente uma bactéria oral, migra para o cólon e domina os tumores de cancro colorretal. Os investigadores descobriram que um clado distinto, o Fna C2, não só prospera nestes tumores como também promove ativamente o crescimento do cancro.

Um novo estudo identificou um clado específico da bactéria (sidenote: Fusobacterium nucleatum Fusobacterium nucleatum é uma bactéria Gram-negativa, anaeróbia, vulgarmente encontrada na cavidade oral humana. Desempenha um papel importante nas doenças periodontais e tem sido associada a várias infeções e doenças inflamatórias. A Fusobacterium nucleatum destaca-se pela sua capacidade de aderir aos tecidos do hospedeiro e de os invadir, facilitando as interações com outros microrganismos e células do hospedeiro. ) (Fn) que domina o nicho do (sidenote: Cancro colorretal O cancro colorretal é um tipo de cancro que começa no cólon (intestino grosso) ou no reto. Tipicamente, começa como pequenos aglomerados de células benignas, denominados pólipos, que se formam no revestimento interno do cólon ou do reto. Com o tempo, alguns destes pólipos podem tornar-se cancerosos. ) (CCR), revelando conhecimentos significativos sobre o papel da bactéria na progressão do cancro. 1 Este estudo inovador, liderado por investigadores do Fred Hutchinson Cancer Center, revela distinções genéticas e funcionais nas estirpes de Fn associadas ao CCR, destacando potenciais alvos para intervenções terapêuticas.

Identificar o culpado

A equipa de investigação recolheu e sequenciou genomas de 135 estirpes de Fn, incluindo 80 provenientes de cavidades orais saudáveis e 55 provenientes de tumores de CCR. Utilizando técnicas genómicas avançadas, realizou uma análise pangenómica, que identificou 483 fatores genéticos enriquecidos em estirpes associadas ao CCR. Os resultados revelaram que a subespécie Fn animalis (Fna), anteriormente considerada uma única subespécie, é na realidade composta por dois clados distintos: Fna C1 e Fna C2. Destes dois, verificou-se que apenas o Fna C2 dominava o nicho tumoral do CCR, o que sugere que tem um papel único no desenvolvimento do cancro.

A Fusobacterium nucleatum foi detetada em 29,2% das amostras de fezes de doentes com CCR e em 4,8% das amostras de fezes de indivíduos saudáveis.

Perspetivas genéticas e funcionais

Uma análise mais aprofundada demonstrou que o Fna C2 possui 195 fatores genéticos associados a um maior potencial metabólico e à colonização gastrointestinal, o que o distingue do Fna C1. Este repertório genético específico do clado inclui genes que aumentam a capacidade que a bactéria tem de invadir os tecidos do hospedeiro e de escapar às respostas imunitárias. O estudo demonstrou também que os ratinhos tratados com o Fna C2 desenvolveram significativamente mais adenomas intestinais do que os tratados com o Fna C1 ou os grupos de controlo. Isto sugere que o Fna C2 não só coloniza os tumores de CCR como também promove ativamente o crescimento do tumor.

Implicações terapêuticas

Estes resultados têm implicações profundas para a compreensão do papel do microbioma no CCR e para o desenvolvimento de terapêuticas direcionadas. O estudo realça o potencial da focalização no Fna C2 para intervenções terapêuticas. Por exemplo, a identificação e a orientação das vias metabólicas específicas e dos fatores de virulência exclusivos do Fna C2 poderão conduzir a novas estratégias de prevenção ou tratamento do CCR. Além disso, a investigação sublinha a importância de considerar os clados bacterianos em vez de apenas as espécies nos estudos do microbioma, uma vez que podem existir diferenças significativas dentro das subespécies.

A descoberta do clado Fna C2 distinto e a sua associação ao CCR marca um avanço significativo na investigação do microbioma e na biologia do cancro. Ao delinear os fatores genéticos que permitem que o Fna C2 prospere no ambiente do CCR, este estudo abre novas vias para terapêuticas direcionadas e melhores resultados para os doentes. 

À medida que o papel do microbioma no cancro se torna cada vez mais evidente, concentrarmo-nos em clados bacterianos específicos pode revelar-se crucial para o desenvolvimento de terapêuticas eficazes. Esta investigação prepara o terreno para uma maior exploração da intrincada relação entre a nossa microbiota e o cancro, e pode vir a transformar a nossa abordagem da terapia do cancro.

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