Segundo um novo estudo, o consumo de sumos de frutas e de legumes no quadro de programas de desintoxicação ou como complemento de dietas demasiado pobres em vegetais poderá ter efeitos bastante nefastos para a saúde da nossa microbiota oral e intestinal.
Em termos de nutrição, os sumos de frutas e de legumes fornecem um reforço de vitaminas, minerais e antioxidantes. Mas para se atingir o objetivo de “5 frutas e legumes por dia”, as “curas de sumos detox” poderão não ser a melhor opção, a acreditar nos resultados de um ensaio clínico publicado na revista Nutrients. 1
Os autores submeteram 14 estudantes a três tipos de dietas ao longo de três dias:
cinco fizeram uma alimentação unicamente à base de sumos espremidos a frio de frutas e legumes (800 a 900 kcal/dia, ou seja, cerca de 10 copos por dia);
quatro mantiveram uma dieta "normal" acompanhada por sumos de frutas e de legumes;
e cinco seguiram uma dieta hipocalórica rica em vegetais “inteiros” contendo fibras (800 a 900 kcal).
Antes de iniciarem as respetivas dietas, todos os participantes cumpriram uma “dieta de eliminação” de 3 dias, composta por frutas biológicas, legumes, cereais integrais e ovos, e com pouca ou nenhuma quantidade de carnes vermelhas, de produtos lácteos, de produtos processados, de glúten, de álcool, de café e de açúcar, de forma a se poder avaliar a influência dos diferentes alimentos na composição microbiana.
Para analisarem o impacto das diferentes dietas sobre os microrganismos da microbiota intestinal, oral e salivar dos voluntários, os investigadores recolheram fezes, saliva e amostras do interior das bochechas antes da experiência, entre as duas dietas e depois.
Os resultados demonstram que os sumos de frutas e de legumes, quer sejam consumidos exclusivamente, quer acompanhados de alimentos, modificam significativamente a microbiota oral aumentando as bactérias pró-inflamatórias, independentemente de as alterações serem transitórias.
Os investigadores constataram uma redução das Veillonellaceae, bactérias capazes de converter os nitratos salivares em nitritos. O problema é que menos nitritos significa menos inibição das bactérias responsáveis pela periodontite e um risco agravado de cáries.
Quanto à microbiota intestinal, o impacto dos sumos revelou-se menos acentuado, mas os investigadores constataram um aumento das bactérias associadas à inflamação, à permeabilidade intestinal e ao declínio cognitivo.
De acordo com os autores, os sumos são mais ricos em açúcar e em hidratos de carbono e menos ricos em fibras do que as frutas e os legumes inteiros, o que tem um impacto negativo na flora microbiana oral e intestinal.
Frutas e legumes: benefícios a rodos ¹ ²
• Ao reduzirem os picos de açúcar no sangue e ao promoverem a saciedade e a manutenção do peso, as frutas e os legumes ajudam a combater a diabetes e a obesidade.
• Os seus compostos fenólicos estimulam a sensibilidade à insulina e a degradação da gordura corporal.
• Os seus polifenóis aumentam a diversity dos microrganismos intestinais.
• As suas fibras constituem uma fonte de energia para as bactérias da microbiota e um substrato para a produção de ácidos gordos benéficos para o metabolismo, para a imunidade e para a saúde.
Embora o âmbito deste estudo fosse limitado devido à sua pequena dimensão e à sua curta duração, ele confirma que, para a saúde da microbiota, a prioridade deve ser o consumo de frutas e de legumes inteiros, para se poder beneficiar plenamente das respetivas fibras.
A investigação de ponta sobre o adenocarcinoma do cólon revelou a forma como o metabolismo dos ácidos gordos, a microbiota intratumoral e o microambiente tumoral determinam a evolução dos doentes, abrindo caminho a inovações no diagnóstico orientado por IA no tratamento do cancro.
A dinâmica intratumoral no cancro do cólon é complexa, com a microbiota, o (sidenote:
Metabolismo de ácidos gordos (FAM)
O processo celular envolvido na decomposição e síntese de gorduras, que influencia o crescimento e a progressão do tumor.
), e o (sidenote:
Microambiente tumoral
O ambiente envolvente de um tumor, incluindo as células imunitárias, os vasos sanguíneos e as moléculas de sinalização que têm impacto no desenvolvimento do cancro.
) a desempenharem todos um importante papel. Um estudo recente 1 investigou esta “trindade não resolvida” no (sidenote:
Adenocarcinoma do cólon (COAD)
Um tipo de cancro do cólon que tem origem nas células glandulares do cólon.
). Aproveitando uma coorte substancial de dados de pacientes do Atlas do Genoma do Cancro (TCGA) e empregando técnicas sofisticadas de bioinformática e de análise de imagens patológicas, os investigadores procuraram descobrir novas vias de diagnóstico e terapêuticas para este cancro agressivo.
A equipa de investigação iniciou o estudo analisando dados abrangentes de 420 pacientes diagnosticados com COAD. Uma etapa metodológica fundamental consistiu em classificar estes doentes em dois subgrupos distintos:
os que apresentavam um metabolismo dos ácidos gordos elevado (FAM_high).
e os que apresentavam um metabolismo dos ácidos gordos baixo (FAM_low).
Esta estratificação baseou-se na contagem da (sidenote:
Análise da variação do conjunto de genes (GSVA)
Um método informático utilizado para avaliar a atividade de vias genéticas específicas em amostras de doentes, o que ajuda na subtipagem diagnóstica.
) calculada para os genes da via FAM.
De forma surpreendente, apesar da diversidade alfa microbiana global (uma leitura da diversidade no seio da amostra) parecer semelhante entre os dois grupos, uma análise mais aprofundada da diversidade beta microbiana (indicador da diversidade entre amostras) revelou composições bacterianas notoriamente distintas, fortemente associadas a estes perfis metabólicos subjacentes.
Constatou-se que determinados tipos de bactérias associadas ao intestino contribuem para a modulação do ambiente tumoral. Concretamente, o estudo identificou um painel de géneros bacterianos específicos, incluindo Desulfovibrio, Desulfococcus, Streptococcus e Mycobacterium, que apresentavam um enriquecimento significativo no grupo de doentes FAM_high, demonstrando uma ligação clara entre a (sidenote:
Microbiota Intratumoral
A comunidade de microrganismos presentes dentro do tumor, a qual pode afetar o seu comportamento e o prognóstico do paciente.
) e o metabolismo do hospedeiro. Esta estratificação metabólica também apresentou significado prognóstico.
Os investigadores assinalaram que os doentes cujos tumores apresentavam uma assinatura FAM reduzida (grupo FAM_low) tinham uma sobrevivência global (OS) significativamente melhor do que os seus homólogos FAM_high. A identificação de quatro genes específicos (ADIPOR2, HAO2, ALAD e HPGD) cujos níveis de expressão apresentaram uma correlação significativa com a sobrevivência dos doentes, veio confirmar o papel prognóstico crítico dos FAM no COAD.
Assinaturas metabólicas como ferramentas de previsão
Para além do diagnóstico e do prognóstico, a análise exaustiva da sensibilidade aos fármacos do estudo revelou diferenças substanciais e potencialmente passíveis de ação clínica na forma como os dois subtipos definidos pelos FAM reagem a um vasto espetro de agentes terapêuticos.
Ao calcularem os valores CI50 (a concentração de um fármaco necessária para inibir 50% das células) para um extenso painel de 195 fármacos candidatos, os investigadores verificaram que os grupos FAM_high e FAM_low apresentavam sensibilidades significativamente diferentes para um número impressionante de 120 destes compostos. Por exemplo, o grupo FAM elevado revelou uma menor sensibilidade a medicamentos como o JQ1, o que sugere que estes agentes podem ser menos eficazes neste contexto metabólico. Estes factos poderão permitir estratégias mais personalizadas de tratamento do cancro.
Informações de imagiologia para o diagnóstico
Porventura de forma mais notável, a investigação descobriu que as imagens histopatológicas convencionais podem refletir os subtipos de FAM subjacentes. Há uma correlação entre as caraterísticas distintas das texturas e as pontuações FAM e as assinaturas microbianas, diferindo significativamente entre os grupos com FAM elevado e reduzido. Modelos de IA poderão em breve analisar a histologia para detetar assinaturas bacterianas e o estado do metabolismo do tumor em tempo real. Este facto aponta para a possibilidade de se desenvolverem ferramentas com base em IA para se prever subtipos metabólicos a partir da patologia de rotina, proporcionando uma abordagem de diagnóstico acessível e com uma boa relação custo-eficácia.
Esta investigação faculta informações importantes sobre a intrincada relação entre os ambientes intestinal e tumoral na progressão do COAD. O potencial de uma subtipagem metabólica não invasiva através da análise imagiológica assistida por IA é particularmente promissor para uma transposição clínica generalizada. Uma compreensão mais aprofundada de como as bactérias derivadas do intestino interagem com as células tumorais será fundamental para futuros avanços terapêuticos.
Os resultados de pesquisas recentes sugerem efetivamente que a microbiota intestinal poderia desempenhar um papel na iniciação ou severidade de várias doenças neuropsiquiátricas como a depressão, a ansiedade, a esquizofrenia ou o autismo.
No entanto, os dados disponíveis até o momento ainda são muito preliminares e não sabemos qual é o "peso" da microbiota em relação a outros fatores como a genética ou o ambiente e se todos os pacientes são afetados.
Finalmente, ainda não sabemos se a microbiota poderá ser alvo do ponto de vista terapêutico nessas patologias.
A microbiota age no cérebro por vários mecanismos:
Primeiramente, existem conexões nervosas fortes entre o cérebro e o intestino. Essas conexões vão do cérebro para o intestino, o que explica, por exemplo, os sintomas digestivos em caso de stresse, mas também vão do intestino para o cérebro. Ao agir sobre as terminações nervosas intestinais, a microbiota pode assim modular o funcionamento cerebral.
A microbiota também produz moléculas químicas que são absorvidas passam pela circulação sanguínea e podem alcançar o cérebro e exercer efeitos nele.
Finalmente, a microbiota pode agir indiretamente no cérebro tendo efeitos sobre outras células humanas, como as células intestinais ou as células imunológicas, que, em resposta, vão produzir moléculas que agirão no cérebro.
A microbiota intestinal é frequentemente chamada de "segundo cérebro" por várias razões. Primeiro, o intestino é o órgão que contém o maior número de neurónios depois do cérebro. Ele contém cerca de 500 milhões de neurónios formando o que é chamado
de sistema nervoso entérico.
Em segundo lugar, o intestino interage com o cérebro por diferentes mecanismos: conexões nervosas, moléculas químicas produzidas no intestino pelas células humanas ou pela microbiota, e que podem agir diretamente no cérebro ou indiretamente via
efeitos sobre o sistema imunológico, por exemplo.
E finalmente, o cérebro tem efeitos sobre o nosso intestino. Por exemplo, é comum ter sintomas digestivos (dores abdominais, diarreias) durante um evento stressante como um exame ou uma entrevista de emprego.
Para reconstruir a sua microbiota intestinal após tomar antibióticos, você pode:
Em primeiro lugar, consumir probióticos durante e após o uso de antibióticos. Apenas alguns probióticos mostraram efeito sobre a diarreia induzida por antibióticos, Saccharomyces Boulardii e Lactobacillus GG. Portanto, são esses dois que devem ser priorizados.
Em segundo lugar, é necessário aumentar a ingestão de fibras alimentares que alimentam as boas bactérias da microbiota. Inclua uma variedade de frutas, legumes, cereais intégrais e leguminosas na alimentação.
E finalmente, em terceiro lugar, é preciso limitar o consumo de alimentos ultraprocessados que são prejudiciais a microbiota.
Primeiro, é preciso consumir fibras, integrar frutas, legumes e cereais integrais na sua alimentação. Essas fibras absorvem água durante a digestão e aumentam assim o volume das fezes, o que facilita a sua passagem.
Em segundo lugar, é preciso manter-se ativo. Praticar uma atividade física regular, como por exemplo uma caminhada diária de 20 a 30 minutos pode ser suficiente. Isso estimula os movimentos intestinais e ajuda a prevenir a obstipação
E por fim, é preciso ouvir o seu corpo. Não se segure quando sentir vontade de ir à casa-de -banho. É preciso responder a essa vontade assim que ela se manifestar para manter um bom trânsito intestinal.
Esses hábitos simples podem melhorar muito o seu conforto digestivo.
A microbiota desempenha um papel particular na digestão das fibras vegetais que estão presentes nas frutas e nos legumes. Essas fibras são longas moléculas de açúcar que nossas enzimas humanas são incapazes de cortar em pedaços.
Elas chegam intactas ao cólon, onde encontram uma grande quantidade de bactérias que são capazes de digeri-las. As bactérias usam essas fibras para suas próprias necessidades e liberam moléculas muito importantes para a saúde humana, os (sidenote:
Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC)
Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro.
Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25.), como, por exemplo, o butirato.
Esses ácidos gordos de cadeia curta têm múltiplos efeitos. O butirato nutre as células do cólon e assim favorece a integridade da (sidenote:
De Cruz P, Kamm MA, Hamilton AL, et al. Crohn’s disease management after intestinal resection: a randomised trial. The Lancet. 2015;385(9976):1406–1417
). Os ácidos gordos de cadeia curta podem modular a resposta imunológica e assim contribuir para a proteção contra doenças inflamatórias.