A composição do leite materno humano e o desenvolvimento da microbiota intestinal nas primeiras semanas de vida parecem estar intrinsecamente ligados, e ambos influenciam o risco de ECN nos prematuros.
Principal causa de morte e de morbilidade grave nos prematuros nascidos antes das 32 semanas de gestação, a enterocolite necrosante (ECN) é uma doença gastrointestinal complexa. Os seus mecanismos subjacentes continuam mal compreendidos, e o diagnóstico é difícil devido à ausência de sintomas e de testes específicos. No entanto, alguns oligossacarídeos do leite materno ( (sidenote: Human Milk Oligosaccharide)), com destaque para o disialilacto-N-tetraose (DSLNT), parecem ter ação protetora. Daí este estudo, que visou as interações entre o perfil dos HMO maternos e o desenvolvimento da microbiota intestinal dos lactentes, e a respetiva relação com a ocorrência de ECN.
Leite materno: um limiar de oligossacarídeos crítico
A concentração de um único oligossacarídeo, o DSLNT, revela-se inferior no leite materno recebido pelos 33 bebés com ECN relativamente aos 37 controlos correspondentes. Um limiar de 241 nmol/ml permite a previsão de ECN nestas crianças (sensibilidade e especificidade de 0,9); numa coorte de validação, 100% das crianças com ECN encontram-se devidamente classificadas, contra apenas 60% dos controlos. No entanto, a coorte do estudo era demasiado homogénea, apresentando uma sobrerrepresentação de indivíduos caucasianos. Além disso, o limiar observado pode ser influenciado por fatores genéticos, geográficos, étnicos ou sazonais, o que enfatiza a necessidade de estudos multicêntricos adicionais.
Evolução atrasada da microbiota
Além disso, a sequenciação metagenómica das fezes (n = 644) de um (sidenote:
Sequenciação limitada a 48 lactentes por razões financeiras, múltiplas amostras colhidas de cada criança
) (14 com ECN, 34 controlos) destaca uma menor abundância relativa de Bifidobacterium longum e uma maior abundância de Enterobacter cloacae nos recém-nascidos doentes. O desenvolvimento da microbiota é afetado por uma baixa concentração de DSLNT no leite materno: esta parece atrasar a evolução da microbiota para os tipos de comunidades microbianas tipicamente observados nos lactentes com mais idade, mas está também associada a uma presença relativa mais reduzida da espécie Bifidobacterium, a qual se encontra normalmente relacionada com o bom estado de saúde dos bebés prematuros.
Amanhã, biomarcadores e probióticos?
Por fim, uma análise de dados confirma a possibilidade de se identificar os lactentes em risco de ECN em função da composição do leite materno que recebem, critério este que suplanta ligeiramente os perfis metagenómicos da microbiota. A combinação destes dois critérios ( (sidenote:
A concentração de DSLNT no leite materno revela-se relativamente estável ao longo do tempo
) + metagenoma antes da doença) permite distinguir as crianças saudáveis das crianças com ECN com uma precisão de 87,5%.
Estes resultados oferecem potenciais alvos para o desenvolvimento de biomarcadores, a estratificação do risco de doença e estratégias de modulação da microbiota que possam prevenir a ECN do recém-nascido. No entanto, continuam a ser necessários mais estudos, nomeadamente para a compreensão dos mecanismos subjacentes: será que a ação do DSLNT se limita à modulação da microbiota? Ou verifica-se diretamente no hospedeiro, modificando a resposta imunitária e reduzindo a inflamação que conduz à necrose?
A microbiota intestinal poderá ter intervenção no nível de gravidade da Covid-19 e o desequilíbrio intestinal poderá persistir após a eliminação do vírus. Mas, atenção: trata-se de resultados preliminares que carecem de confirmação.
Desde o início da pandemia de Covid-19 que se têm observado sintomas digestivos em alguns pacientes, nomeadamente diarreias. Isso incentivou os investigadores a procederem à análise da microbiota intestinal dos pacientes, no sentido de verificarem se as bactérias, fungos e vírus que vivem nas nossas entranhas poderão ter impacto nas nossas defesas imunitárias. Embora os resultados de um novo estudo realizado em Hong Kong pareça validar a ligação entre a microbiota intestinal e a infeção, serão necessários mais estudos para confirmar estes resultados, que foram obtidos no auge da ação do início de 2020 e enfermam de várias limitações metodológicas.
Disbiose nos pacientes
O que nos diz este estudo, que abrangeu pacientes de Covid-19 sobretudo jovens (média de idades: 36,4 anos) e sofrendo de formas primordialmente ligeiras da doença (47 casos ligeiros, 45 moderados, (sidenote:
34% de pacientes recebiam antibióticos e 31% tinham comorbilidades (hipertensão, hiperlipidemia, alergias, etc.).
))? Em primeiro lugar, esses pacientes apresentavam um desequilíbrio na sua flora intestinal (disbiose), em comparação com pacientes saudáveis. A sua flora intestinal revelava, assim, presença reduzida de algumas bactérias benéficas para a regulação da imunidade. Em segundo lugar, quanto mais elevado era o grau de severidade da doença e mais rico o sangue dos pacientes em marcadores de inflamação, mais a microbiota intestinal surgia desequilibrada. Assim, tudo se passa como se a microbiota intestinal interviesse na regulação da doença através de um ajustamento dos processos inflamatórios. O mecanismo em causa permanece, no entanto, por validar e confirmar: o estudo não permite dizer se a disbiose surge como causa ou, antes, como consequência da gravidade dos sintomas observados.
O vírus desaparece mas a disbiose persiste?
Outra observação dos investigadores: a disbiose intestinal,que pareceu acentuada pelo tratamento com antibióticos, persistia mesmo após a eliminação do vírus do organismo. Daí a hipótese que terá de ser confirmada: o desequilíbrio da flora intestinal pode contribuir para os sintomas persistentes observados em alguns pacientes.
Yeoh YK, Zuo T, Lui GC, et al. Gut microbiota composition reflects disease severity and dysfunctional immune responses in patients with COVID-19. Gut. 2021 Apr;70(4):698-706.
A microbiota intestinal poderá estar implicada na gravidade da Covid-19, através da modulação das respostas imunitárias. Mesmo após a eliminação do vírus, a disbiose persiste nos pacientes infetados.
Embora a Covid-19 seja principalmente uma afeção respiratória, surgiram recentemente trabalhos que apontam o dedo ao envolvimento da microbiota intestinal. Um novo estudo realizado no início de 2020 poderá confirmar esta hipótese. O referido estudo foi realizado junto de 100 pacientes com Covid-19 em 2 hospitais de Hong Kong (idade média: 36,4 anos; 47 casos ligeiros, 45 moderados, 5 graves e 3 críticos) e 78 controlos que foram recrutados antes da epidemia. Os objetivos eram encontrar uma ligação entre a microbiota intestinal e a gravidade dos casos, e avaliar a persistência de uma possível disbiose após a eliminação do vírus.
Disbiose intestinal nos pacientes Covid-19
A composição da microbiota intestinal de 87 pacientes, cujas fezes foram recolhidas durante a hospitalização, apresentava disbiose (mais espécies pertencentes ao filo Bacteroides e menos ao Actinobacteria) em comparação com os controlos e isto, de acordo com os autores, independentemente de um eventual tratamento antibiótico. Essa composição aparentou estar associada com a gravidade da doença, enquanto o tratamento por antibióticos, que abrangeu 34% dos pacientes, surgiu como o segundo fator explicativo dessa gravidade. Algumas bactérias imunorreguladoras (Faecalibacterium prausnitzii, Bifidobacterium bifidum) foram negativamente correlacionadas com a gravidade após a correção em função do uso de antibióticos e da idade. No entanto, a conceção do estudo (gestão clínica heterogénea, 31% dos pacientes com comorbilidades, etc.) não permite, neste estádio, confirmar os resultados obtidos.
Resposta imunitária associada
Paralelamente, a disbiose surgia correlacionada com concentrações mais elevadas de citoquinas inflamatórias e outros marcadores sanguíneos. Além disso, a composição da microbiota intestinal podia ser articulada com a dimensão da resposta imunitária à Covid-19 e com as lesões tecidulares associadas, podendo desempenhar um papel na regulação da gravidade da doença. No entanto, há uma outra possível explicação, de acordo com os autores: a disbiose observada poderá ser simplesmente uma reação ao estado de saúde e à situação imunitária dos pacientes, e não estar diretamente envolvida na gravidade da doença.
Disbiose persistente, mesmo após a eliminação do vírus
Por outro lado, a composição da microbiota intestinal de 27 pacientes analisados a até 30 dias após a eliminação do vírus mostrou diferenças em relação aos controlos: mais B. dentium e Lactobacillus ruminis e menos Eubacterium rectale, Ruminococcus bromii, F. prausnitzii e B. longum. E isso independentemente de terem recebido (14 pacientes) ou não (13) antibióticos, embora esse tratamento tendesse a acentuar a diferença. Segundo os autores, esta disbiose pode contribuir para a persistência dos sintomas. No entanto, seria necessária uma monitorização a longo prazo (3 meses a 1 ano após a eliminação do vírus) para se confirmar a ligação entre a disbiose e os sintomas persistentes.
Um novo estudo, publicado na revista científica Cell, mostra que a microbiota intestinal das crianças nascidas por cesariana pode ser restabelecida mediante um transplante de microbiota fecal proveniente da mãe, passando a assemelhar-se à das crianças nascidas por parto normal.
Os bebés nascidos por cesariana (CS) apresentam uma microbiota intestinal diferente da dos que nascem por via vaginal, devido a não terem sido expostos às bactérias da mãe durante o parto. Alguns estudos sustentam que a cesariana poderá gerar consequências a curto e a longo prazo para a saúde dos lactentes, aumentando o risco de doenças imunológicas crónicas (asma, alergias, etc.), embora tal conclusão seja ainda alvo de controvérsia. Uma equipa finlandesa avaliou a eficácia e a segurança dos transplantes de microbiota fecal (TMF) para o restabelecimento da microbiota intestinal nos lactentes nascidos por cesariana.
Protocolo clínico rigoroso
Foram recolhidas amostras de fezes de 17 futuras mães, 3 semanas antes da data prevista para a cesariana. No total, foram selecionadas sete mulheres, após uma triagem rigorosa dos patógenos presentes nas respetivas fezes. Cada bebé recebeu, pelo biberão, nas 2 horas subsequentes ao nascimento por cesariana, um TMF da mãe - contendo cerca de 106 a 107 células bacterianas viáveis - ou seja, 1 ml de fezes maternas diluídas no leite materno, para um volume total de 5 ml. A microbiota intestinal e o estado de saúde de cada um dos recém-nascidos foram avaliados no momento do nascimento, ainda na maternidade durante 2 dias, semanalmente, em seguida, ao longo de um mês e, finalmente, aos 3 meses. A composição das suas microbiotas intestinais foi analisada por sequenciação do gene 16S rRNA, e comparada com a das microbiotas de 82 bebés nascidos por via vaginal ou também por cesariana mas sem terem recebido TMF.
Resultados prometedores
O TMF não provocou nos bebés quaisquer efeitos secundários ou complicações ao longo da duração do estudo. O desenvolvimento da microbiota intestinal dos bebés de CS tratados por TMF e o dos nascidos de parto normal diferiu nos primeiros dias, mas tornou-se semelhante após 1 semana, permanecendo bastante diferente do da microbiota dos bebés de CS que não receberam transplante. O TMF pareceu corrigir a assinatura bacteriana da cesariana, ao normalizar a abundância de Bacteroidales e Bifidobacteriales de forma comparável à dos nascidos de parto normal. Além disso, a presença de potenciais agentes patogénicos foi inferior nos bebés CS tratados por TMF na 1.ª semana e aos 3 meses, em comparação com os bebés CS não tratados. Esta primeira investigação de prova do conceito demonstra a segurança e a eficácia potencial dos TMF no restabelecimento da microbiota intestinal dos bebés nascidos por cesariana. Serão ainda necessários estudos a uma escala mais alargada, mas estes resultados vêm também dar respaldo adicional à tese da importância da transferência natural da microbiota da mãe para o filho durante o parto.
Biodiversidade e microbiota: uma relação na natureza! Um estudo finlandês, primeiro do género, demonstra os benefícios da natureza para as microbiotas cutânea e intestinal das crianças e para a sua imunidade.
É o reverso da medalha das sociedades modernas, que adoram o alcatrão, os detergentes, os antibióticos e os alimentos processados: as microbiotas cutânea e intestinal, que contribuem para a nossa saúde e a nossa imunidade, é que sofrem com isso. Agredidas, com renovação deficiente devido à ausência de contactos com uma suficiente diversidade de micróbios, elas podem perder o equilíbrio, o que poderá explicar a atual explosão de doenças do sistema imunitário. E se bastasse substituir o alcatrão pela natureza para revitalizar as nossas microbiotas? É isso o que sugere um estudo finlandês, realizado junto de 75 crianças entre os 3 e os 5 anos. A sua abordagem é original: os investigadores encheram de verde alguns jardins de infância citadinos (cascalho coberto com relva, terra vinda da floresta, blocos de turfa para escalar, plantas) para observarem os efeitos desse ambiente enriquecido em microrganismos.
O contacto com a natureza estimula as macrobiotas
Os resultados são inegáveis. Após apenas 28 dias e 90 minutos por dia ao ar livre, as 36 crianças finlandesas dos 4 centros "revitalizados de verde natural" apresentaram a sua microbiota cutâneareforçada: a diversidade aumentou, algumas bactérias benéficas passaram a ser mais numerosas. A mudança foi tal que a flora da sua pele passou a ser comparável à de outras 23 crianças que frequentavam, durante todo o ano, jardins de infância que as levavam diariamente à floresta. A mesma tendência surgiu ao nível intestinal: a microbiota das crianças dos centros vegetalizados evoluiu rapidamente em favor de bactérias que produzem ácidos gordos benéficos.
Imunidade: o poder da biodiversidade!
Ainda melhor, o sistema imunitário das crianças também progrediu no sentido de um perfil menos inflamatório. Tudo parece assim indicar que a introdução da natureza no infantário será benéfica para o sistema imunitário das crianças: em contacto com os microrganismos da terra e das plantas, as suas defesas irão evoluir de uma forma equilibrada. Agora, já não há qualquer razão para proibir os seus filhos de enterrarem as mãos na terra ou de rebolarem na relva: é que isso é bom para a saúde deles!
A microbiota do fluido duodenal dos pacientes com adenocarcinoma ductal do pâncreas, um cancro muito agressivo, poderá refletir o grau de risco tumoral dos pacientes. Este facto permite prever uma deteção mais precoce deste tipo de cancro.
Terceira causa de morte por cancro nos Estados Unidos, com uma taxa de sobrevivência de 9% a 5 anos, o adenocarcinoma ductal do pâncreas (ADP)é um dos cancros mais temíveis. Estudos anteriores demonstraram que a microbiota tumoral dos pacientes de ADP contém bactérias normalmente presentes no trato gastrointestinal superior, as quais terão, portanto, migrado a partir do duodeno. Se isto se confirmar, o fluido duodenal poderá funcionar como uma interessante amostra biológica para a caraterização dos perfis microbianos dos pacientes com ou em risco de ADP. Hipótese que justifica este estudo caso-controlo monocêntrico destinado a comparar os perfis bacterianos e fúngicos do fluido duodenal de doentes submetidos a endoscopia: 134 controlos com o pâncreas normal, 98 pacientes com quisto(s) pancreático(s) e 74 pacientes com ADP.
Disbiose nos pacientes com ADP
Nos pacientes com ADP, os níveis de ADN bacteriano e fúngico no fluido duodenal surgiram mais elevados que nos controlos, mesmo após a correção em função da idade, do tabagismo e da utilização de (sidenote:
Inibidores da bomba de protões
) . Além disso, a sua diversidade microbiana mostrou-se reduzida, com reforço do género Bifidobacterium. As bactérias Fusobacterium, Rothia e Neisseria tinham maior presença nos pacientes com ADP cuja sobrevivência se revelou mais curta.
O efeito dos IBPs não pode ser negligenciado: nos controlos, a utilização regular de IBPs correspondia a uma redução da diversidade da microbiota. Estes tratamentos surgiram também ligados a um aumento de bactérias predominantemente orais, como estreptococos eFusobacterium, tendo este género sido associado a vários cancros, entre eles o ADP.
Alteração da micobiota
Nos pacientes com quisto(s) pancreático(s), os perfis bacterianos do fluido duodenal não se revelaram significativamente diferentes dos apresentados pelos controlos. No entanto, a micobiota diferia: mais ascomicetos e menos basidiomicetos e Malassezia. Os pacientes com ADP apresentaram, por sua vez, uma menor abundância de Saccharomyces que os pacientes com lesões quísticas pancreáticas.
Estratificar o risco de cancro?
Assim, os estudo transmite a ideia da existência de diferenças entre as microbiotas bacterianas e fúngicas do fluido duodenal consoante os grupos de pacientes (diagnosticados com cancro do pâncreas, com quistos no pâncreas ou com pâncreas normal). Estas disbioses caraterísticas permitem antever a possibilidade de se definirem perfis, no sentido de se conseguir uma melhor estratificação do risco de cancro do pâncreas em pacientes sob monitorização de complicações pancreáticas. Contudo, serão necessários outros estudos, mais abrangentes e incluindo outras populações e regiões, antes de se chegar a conclusões definitivas.
A presença de Brachyspira na mucosa do cólon em alguns pacientes com síndrome do intestino irritável, demonstrada pela primeira vez, poderá estar associada a determinados sintomas da doença, como a diarreia.
A incidência de síndrome do intestino irritável (SII), também conhecida por doença entérica inflamatória, aumenta na sequência de episódios de gastroenterite, sugerindo que a disbiose intestinal poderá desempenhar um papel no seu desencadeamento. No entanto, as investigações mais recentes, centradas na microbiota do lúmen intestinal, não revelaram evidências da existência de associações entre a composição da microbiota e a SII. Optando por uma mudança de estratégia, uma equipa analisou as bactérias presentes não no lúmen, mas sim no muco que reveste o epitélio intestinal, a partir de biópsias da mucosa do cólon sigmoide colhidas em pacientes com SII (nas suas variantes com diarreia, com obstipação, mista ou não classificada) e num grupo de controlo.
Péptidos assinalam a presença de Brachyspira
Análises metaproteómicas realizadas numa coorte exploratória (22 doentes e 14 controlos) revelaram, então, a presença no muco de péptidos microbianos derivados de espécies potencialmente patogénicas do género Brachyspira em 3/22 pacientes de SII. Essa presença das bactérias foi confirmada por microscopia eletrónica, tanto ao nível da membrana apical dos colonócitos como no muco. As análises por QPCR acoplado com imunofluorescência em todo o grupo (62 doentes e 31 controlos) indicam a existência de colonização por Brachyspira em 31% dos pacientes com SII e em 42% dos pacientes com formas diarreicas. Não foi observada qualquer colonização no grupo de controlo.
A Brachyspira coloniza as células do cólon
A presença específica de Brachyspira ao nível da membrana apical dos colonócitos (contrariamente ao muco), observada em 21% dos pacientes, estava associada a diarreia mais pronunciada e a um trânsito acelerado. A mucosa intestinal destes pacientes apresentava uma resposta inflamatória moderada, bem como aumento de determinadas células imunitárias (mastócitos). Entretanto, a abundância destas células pôde ser relacionada com a gravidade na escala da dor abdominal.
Antibióticos: efeitos contraprodutivos?
Numa última experiência, os investigadores testaram os efeitos do metronidazol em 4 pacientes. Um ano após o tratamento, 3 deles apresentavam uma redução na severidade da SII. No entanto, se, de facto, a Brachyspira tinha desaparecido do ápice das células do cólon, a sua presença nas criptas e nas células caliciformes poderá constituir uma nova estratégia de resistência bacteriana aos antibióticos. Em última análise, a colonização por Brachyspira em casos de SII (particularmente nas células do cólon) parece estar associada a respostas clínicas, metabólicas e imunitárias específicas, constituindo assim uma potencial ferramenta de diagnóstico para as diferentes formas de SII. Por outro lado, os tratamentos por antibióticos deverão ser encarados com precaução em doentes com SII, tendo em conta o efeito invasivo que os mesmos podem promover.
Um estudo veio esclarecer o papel da microbiota intestinal na patologia amiloide associada à doença de Alzheimer. Esse papel envolve compostos bacterianos capazes de atingir o cérebro na sequência de uma reação inflamatória sistémica.
A presença de disbiose intestinal nos pacientes com doença de Alzheimer, e o envolvimento da microbiota na acumulação cerebral de proteínas amiloides associada com a doença, já se encontram demonstrados. O objetivo deste novo estudo foi, portanto, procurar as vias de sinalização através das quais a microbiota intestinal dos pacientes contribui para referida patologia amiloide.
Em busca de correlações
O estudo abrangeu 89 pessoas com idades entre os 50 e os 85 anos e diferentes desempenhos cognitivos, entre o normal e a perturbação cognitiva com perda de memória, associados ou não à doença. Os depósitos amiloides foram avaliados e quantificados nas diferentes zonas do cérebro por Tomografia por Emissão de Positrões (PET), enquanto se procedeu a análises do doseamento no sangue de moléculas derivadas da microbiota intestinal (lipopolissacarídeos – LPS – e ácidos gordos de cadeia curta – acetato, propionato, valerato, butirato), de marcadores pró e anti-inflamatórios (incluindo interleucinas – IL), e de marcadores de disfunção endotelial (moléculas de adesão celular – CAMs).
Envolvimento dos mediadores bacterianos
Independentemente da zona do cérebro afetada, os depósitos amiloides apresentaram-se em correlação positiva com os níveis sanguíneos de LPS, acetato, valerato, determinadas citocinas pró-inflamatórias (IL-1b, IL6, entre outras) e numerosas CAMs (por exemplo, P-selectina, PECAM-1); contudo, essa correlação revelou-se negativa quanto aos níveis de butirato e de IL-10 (anti-inflamatória). Por fim, alguns biomarcadores da disfunção endotelial encontravam-se positivamente correlacionados com os níveis de acetato, valerato, IL1b e IL-4, mas mais uma vez negativamente face ao butirato e à IL-10. Todas estas relações são interpretadas pelos autores como uma participação simultaneamente direta e indireta dos parâmetros sanguíneos associados à disbiose intestinal na patologia amiloide.
Inflamação, função de barreira e Alzheimer
Assim, a redução dos níveis de butirato associada a um aumento dos de etilo, valerato e LPS poderá comprometer a integridade da barreira intestinal, provocar e manter uma inflamação sistémica de baixa intensidade e alterar a barreira hematoencefálica, para por fim permitir a penetração dos compostos pró-inflamatórios no sistema nervoso central, o que vai desencadear a cascata patológica da doença de Alzheimer. Embora alertando quanto à impossibilidade de se estabelecer um nexo de causalidade a partir dos seus dados, os autores enfatizam que o grau das associações descobertas suporta esta hipótese fisiopatológica. E concluem que existe a possibilidade de se elaborarem estratégias de prevenção baseadas no enriquecimento da microbiota com bactérias ou metabolitos benéficos, uma vez que a assinatura microbiana associada à doença de Alzheimer estará, assim, determinada.
O transplante de microbiota fecal, acompanhado por alterações nos metabolitos microbianos e nas células T implicadas na autoimunidade, poderá estabilizar a função residual das células β pancreáticas na diabetes de tipo 1.
A diabetes de tipo 1 (DT1) é uma doença autoimune que leva à destruição das células beta pancreáticas. Dados obtidos em ratos sugerem que interações entre a microbiota intestinal e o sistema imunitário inato estarão relacionadas com o desenvolvimento da doença, cuja evolução poderá ser retardada mediante um transplante de microbiota fecal (TMF).
Transplante autólogo vs. alogénico
Assim, em ensaio clínico controlado e aleatório, doentes recentemente diagnosticados com DT1 receberam 3 TMF por sonda nasoduodenal em t = 0, 2 ou 4 meses, a partir das suas próprias fezes (TMF autólogo, n=10) ou a partir de fezes de dadores saudáveis (TMF alogénico, n=10). No ano seguinte ao primeiro TMF, os investigadores avaliaram a função residual das células beta (através da secreção do peptídeo C em resposta a uma refeição de teste), bem como as alterações metabólicas, imunitárias e da microbiota induzidas pelos dois TMF.
Função pancreática preservada
Contrariamente às expectativas dos investigadores, um ano após o primeiro TMF, a função das células beta mantinha-se preservada no grupo autólogo. Tinha-se, porém, deteriorado no grupo alogénico, embora menos do que nos pacientes de DT1 sem tratamento durante o primeiro ano após o diagnóstico1. Segundo os investigadores, os efeitos benéficos do TMF serão mais intensos e duradouros quando a compatibilidade imunológica entre o dador e o recetor for elevada.
Envolvimento de Desulfovibrio piger?
Mudanças na microbiota surgiram associadas a determinadas alterações metabólicas e imunitárias. Assim, ao nível duodenal, as espécies de Prevotella apresentaram-se em relação inversa com a função residual das células beta. No cólon, as Desulfovibrio piger aumentaram amplamente na sequência do TMF exclusivamente autólogo. Essa abundância surgiu associada a uma melhor função residual das células beta, e também aos níveis em circulação de 1-araquidonoil-GPC (A-GPC), um metabolito microbiano por sua vez associado ao aumento da produção de péptido C. Além disso, tal abundância de D. piger surgiu em correlação negativa com os níveis de determinadas células T envolvidas na autoimunidade. Tradução dos autores? A D. piger poderá atenuar a autoimunidade, suprimindo essas células através da produção de A-GPC. Das várias correlações identificadas, os investigadores retiveram várias pistas de mecanismos a aprofundar para se esclarecer os efeitos do TMF na DT1 e o potencial terapêutico recém-identificado de certas espécies.
1. Overgaard AJ, Weir JM, Jayawardana K, et al. Plasma lipid species at type 1 diabetes onset predict residual beta-cell function after 6 months. Metabolomics 2018;14:158; Lachin JM, McGee PL, Greenbaum CJ, et al. Sample size requirements for studies of treatment effects on beta-cell function in newly diagnosed type 1 diabetes. PLoS One 2011;6:e26471.
Crescer na aldeia terá um efeito protetor contra a asma. E será durante os primeiros 12 meses de vida que tudo se decidirá, em parte devido a um ambiente benéfico para a microbiota intestinal e à existência de um eixo intestino-pulmões.
Numa altura em que muitos habitantes das cidades pensam em abandoná-las em favor do campo, há uma publicação que poderá apoiar essa sua escolha, relativa ao efeito de proteção contra a asma conferido por uma infância passada fora do meio urbano. Os seus autores já tinham demonstrado o papel protetor dos microrganismos do ambiente interior das casas. Neste novo estudo, visaram um período fundamental para o desenvolvimento da criança: o seu primeiro ano de vida. Antes mesmo de os nossos bebés poderem apagar a vela do seu primeiro aniversário, a exposição ao ambiente externo moldará o desenvolvimento da sua microbiota intestinal, com potenciais consequências a longo prazo. Entre elas, o risco de virem a ter asma.
Campo 1, asma 0
Para testarem a sua hipótese, os investigadores acompanharam uma população de cerca de 1.000 crianças residentes em regiões rurais da Europa, metade delas nascidas no campo, e de entre as quais 8% manifestaram asma entre os 0 e os 6 anos. Foram colhidas amostras das fezes aos 2 e aos 12 meses, e foram avaliadas as alterações da microbiota intestinal durante esse período.
Ares do campo: a maturação da microbiota
Os resultados confirmam: passar o primeiro ano de vida na aldeia reduz o risco de se vir a ter asma mais tarde durante a infância. Como se explica este fenómeno? 19% dos efeitos protetores do ambiente "campestre" parecem estar associados a uma maior maturação da microbiota intestinal. Os investigadores conseguiram, até, identificar alguns grupos de bactérias particularmente implicados nisso. Estes produzirão, especificamente, um determinado composto benéfico, o butirato, conhecido pelas suas propriedades anti-inflamatórias. Paralelamente, embora nenhuma bactéria se evidenciasse pelo seu efeito protetor, outras surgiram associadas a um aumento do risco de asma.
Estes resultados confirmam o conceito da existência de um eixo de comunicação entre o intestino e os pulmões, à semelhança do famoso eixo intestino-cérebro, e incentivam a implementação de medidas de prevenção das doenças respiratórias e alérgicas durante o primeiro ano de vida. E poderão ainda, porque não, vir a impelir algumas famílias urbanas a responderem ao apelo da vida rural ou, pelo menos, a adotarem um estilo de vida menos "higienizado".