Um estudo recente, publicado em Cancer Research, sugere que a microbiota intestinal (MI) influenciará a resposta à imunoterapia no cancro da mama HER2 positivo. Como? Através da regulação local e sistémica do sistema imunitário.
Primeira opção terapêutica para as mulheres com cancro da mama HER2 positivo, o trastuzumab é usado para bloquear o recetor HER2. Estudos recentes revelaram também que possui propriedades imunomoduladoras. Apesar de ser eficaz contra o tipo de cancro em questão, há um elevado número de pacientes que apresentam ou desenvolvem resistência a este tratamento. Para tentarem perceber este fenómeno, os autores centraram-se namicrobiota intestinal, que se sabe ter implicações na eficácia da quimioterapia e na imunoterapia através da modulação da imunidade do hospedeiro em outros tipos de cancro. O estudo foi realizado em modelos experimentais e em 24 mulheres com cancro da mama HER2 positivo.
Eficácia mediada pela microbiota...
Numa primeira fase, através de modelos de ratos, os investigadores demonstraram que a eficácia do tratamento depende da microbiota intestinal. De facto, quer os ratos fossem tratados com antibióticos ou se recorresse a transferência da microbiota intestinal (transplante microbiano fecal) oriunda de ratos que tinham recebido tratamento ATB, a toma de ATB resultou na eliminação completa da inibição de crescimento do tumor pelo trastuzumab. Por outro lado, a terapia por antibióticos não só induziu alterações no microambiente imunitário dos tumores, como também causou uma modificação da microbiota intestinal. Especificamente, o estudo demonstra que a alteração da microbiota intestinal teve impacto sobre a imunidade da mucosa intestinal e as citoquinas sistémicas (alteração da mobilização de células T CD4+ e GZMB+ nos tumores). Para os autores, tudo estará relacionado: as modificações do microambiente imunitário dos tumores, induzidas pela alteração da microbiota intestinal, serão assim responsáveis pela perda de eficácia do tratamento.
...confirmada em pacientes com cancro da mama HER-2 positivo
O estudo prosseguiu depois com 24 pacientes com cancro da mama HER2 positivo e sob terapêutica com trastuzumab. A análise da respetiva microbiota intestinal revelou menor α-diversidade e menor abundância de certas bactérias em quem não respondeu ao tratamento (NR), em comparação com quem respondeu (R), tal como nos ratos tratados com antibióticos. Paralelamente, o transplante de microbiota fecal proveniente de pacientes R e NR para ratos recetores refletiu a resposta ao trastuzumab observada nas doadoras. Para concluir, a β-diversidade da microbiota fecal permitiu distinguir as pacientes de acordo com a sua resposta ao tratamento, e isto independentemente do subtipo intrínseco do tumor. Para os autores, o contributo direto da microbiota intestinal suscita abordagens terapêuticas promissoras, mediante a sua modulação, para se melhorar a eficácia da terapia anti-HER2, e também para a exploração da respetiva utilização como biomarcador da resposta ao tratamento.
Quanto mais envelhecermos, mais a nossa microbiota intestinal se tornará única. E é essa especificidade que pressagiará tanto um envelhecimento saudável, como uma maior esperança de vida nos idosos. Outros tantos argumentos para mimarmos a nossa microbiota!
Na Antiguidade, o (sidenote:
Arúspice
Sacerdote e adivinho encarregue de prever o futuro e de interpretar a vontade dos deuses através do exame das entranhas de certos animais.
) lia o futuro nas entranhas de um animal sacrificado. Será que, num futuro próximo, iremos ser capazes de prever a nossa longevidade analisando as nossas? Em todo o caso, isso é o que sugere uma recente publicação que incidiu sobre os microrganismos vivos dos intestinos de mais de 9.000 indivíduos com idades entre os 18 e os 101 anos.
Uma microbiota intestinal cada vez mais específica
Primeira ilação deste estudo: a microbiota intestinal de cada ser humano parece diferenciar-se cada vez mais a partir dos quarenta anos. E essa singularidade está associada a marcadores microbianos reconhecidos benéficos em termos de imunidade, inflamação, envelhecimento e longevidade. Nota-se também uma esperança de vida de menos 4 anos entre as pessoas com 80 anos ou mais que mantêm forte abundância de bactérias do género Bacteroides e/ou possuem uma comunidade microbiana intestinal heterogénea. Estes resultados são tanto mais seguros quanto se observam em 3 grupos de estudo demograficamente distintos.
Compostos que aumentam a esperança de vida?
Segunda ilação do estudo: a assinatura intestinal das pessoas que envelhecem saudáveis está associada a metabolitos sanguíneos produzidos pelas bactérias da microbiota intestinal. Por exemplo, foram identificados produtos da degradação de aminoácidos específicos, triptofano e fenilalanina. Curiosamente, alguns dos metabolitos já haviam sido observados no sangue de centenários em comparação com o de indivíduos jovens saudáveis. E quanto a outros, como o indol, também já tinha sido demonstrada a sua ação no aumento da esperança de vida em múltiplos modelos animais. Assim, o envelhecimento caraterizar-se-á por uma alteração da atividade da flora intestinal, que passará apenas a produzir moléculas específicas. Nunca será demais repetirmos: cuidar adequadamente da microbiota intestinal em cada fase da vida, aumentará a longevidade do seu hospedeiro e contribuirá para que se viva mais tempo e com mais saúde. Para bom entendedor...
Wilmanski T, Diener C, Rappaport N, et al. Gut microbiome pattern reflects healthy ageing and predicts survival in humans. Nat Metab. 2021 Feb;3(2):274-286.
Diz-me como é o teu microbiota intestinal, dir-te-ei se vais perder peso: esta é, em substância, a mensagem formulada por uma equipa de investigação chinesa que afirma que a propensão das pessoas para perderem peso durante uma dieta pode ser prevista através das suas bactérias intestinais.
É uma injustiça "metabólica" com que muitas vezes nos confrontamos... Enquanto alguns e algumas perdem os seus quilos a mais sem problemas, outros e outras, apesar dos seus esforços, não veem a sua curva do peso inverter-se ou, ainda pior, descobrem que ele continua a aumentar. Como explicar tais diferenças: pelas escolhas nutricionais mais inteligentes da parte de alguns? Pelo número de piscinas nadadas por outros? Por terem tido mais sorte na lotaria da genética?
Nutrição, desporto, genética...
A resposta poderá ser inteiramente outra e a origem estar na microbiota intestinal. De facto, esta é a hipótese aceite pelos investigadores que acompanharam, durante 6 meses, 83 adultos chineses (72 dos quais com excesso de peso ou obesos) de um programa de perda de peso que incluía ementas recomendadas e trocas de impressões diárias por smartphone com um nutricionista. Objetivo: uma restrição calórica de 30 a 50%. Os participantes comunicavam a respetiva ingestão de alimentos várias vezes por semana, usavam um sensor para calcular as calorias queimadas, e pesavam-se na balança todos os sábados. Recolhiam igualmente as fezes para se caracterizar a sua microbiota e a evolução da mesma durante o regime. Uma amostra de saliva permitia, por outro lado, determinar a sua predisposição genética para a obesidade.
... ou microbiota?
Resultados? Muito mais do que a alimentação, o nível de atividade física ou a herança genética, foi a microbiota intestinal inicial que melhor permitiu predizer a curva de peso durante o estudo. A abundância de duas bactérias – Blautia wexlerae e Bacteroides dorei –mostra-se particularmente capaz de prever a futura perda de quilos. A evolução do peso durante a dieta é também acompanhada por mudanças na abundância de certas bactérias: se as Ruminococcus gnavus, mais abundantes nas pessoas obesas, diminuem durante a perda de peso, as Akkermansia muciniphila e as Alistipes obesi, mais numerosas nas pessoas magras, aumentam no decurso do regime. A composição da microbiota permitirá, assim, prever a suscetibilidade individual para a perda de peso e abrir caminho a programas de nutrição personalizados, mais dirigidos a essa mesma microbiota. Será que é o fim das desigualdades metabólicas?
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Fontes :
Jie Z, Yu X, Liu Y et al. The Baseline Gut Microbiota Directs Dieting-Induced Weight Loss Trajectories. Gastroenterology. 2021 Jan 20:S0016-5085(21)00096-2.
Um estudo recente publicado na Science demonstra que uma alteração na microbiota intestinal ajudará os doentes com melanoma avançado a responderem à imunoterapia com anticorpos monoclonais anti-PD-1 a que os seus tumores sejam até aí resistentes. Como? Graças ao transplante da microbiota fecal (TMF).
Este é um dos principais avanços terapêuticos desta década. O tratamento anti-PD-1 apresenta vantagens clínicas a longo prazo para os pacientes portadores de melanoma avançado. Nos modelos pré-clínicos e nos doentes com cancro, a eficácia desta terapia surge relacionada com a composição da microbiota intestinal. Objetivo deste ensaio clínico de fase II: determinar se uma modificação da microbiota intestinal pode superar a resistência aos anti-PD-1.
Microbiota fecal e anti-PD1: uma combinação vencedora?
Este ensaio clínico visa avaliar a segurança e a eficácia do TMF em combinação com um anti-PD-1 (pembrolizumab) em pacientes com melanoma metastático, todos eles anteriormente resistentes a esta terapia. Quinze pacientes receberam, em adição ao anticorpo anti-PD1 (administração a cada 3 semanas até à evolução), um único TMF proveniente de sete dadores que tinham já apresentado resposta total (quatro pacientes) ou parcial (três pacientes) à imunoterapia. Foram realizadas avaliações radiográficas a cada 12 semanas.
A microbiota intestinal dos destinatários e dos doadores foi analisada através de sequenciação shotgun. Para cada destinatário, foram sequenciadas uma amostra pré-TMF (obtida 7 a 21 dias antes) e todas as amostras pós-TMF (recolhidas semanalmente durante 12 semanas, e depois a cada 3 semanas). A evolução dos pacientes foi seguida durante 12 meses, em média.
O TMF reorganiza a microbiota intestinal
Esta combinação, muito bem tolerada, apresentou benefícios clínicos significativos em seis pacientes, com a regressão ou estabilização do tumor durante mais de um ano. Nesses pacientes, a sobrevida média foi de 14 meses.
A composição da microbiota intestinal dos quinze pacientes transplantados diferiu após o transplante, quer respondessem ou não à imunoterapia. Nos seis pacientes que responderam, a composição da microbiota intestinal tornou-se mais semelhante à dos doadores, em comparação com a dos que não responderam. Ela tornou-se nomeadamente mais rica em espécies pertencentes às Firmicutes (Lachnospiraceae e Ruminococcaceae) e Actinobacteria (Bifidobacteriaceae e Coriobacteriaceae), e mais pobre em Bacteroidetes.
O TMF e a imunoterapia redefinem a resposta imunitária
Entre os seis pacientes que responderam, as alterações imunológicas no sangue e nos locais do tumor sugerem um aumento da ativação das células imunitárias (ativação de CD8, diminuição de IL-8). Além disso, apresentaram diferentes assinaturas proteómicas e metabólicas, que parecem reguladas pela microbiota intestinal. Inversamente, os pacientes que não responderam à imunoterapia poderão ser resistente por múltiplas razões, segundo os investigadores, relacionadas com a sua composição intestinal.
Embora estas conclusões necessitem de investigação mais aprofundada com ensaios clínicos em mais larga escala, este estudo destaca que um único transplante fecal administrado com um inibidor de PD1 é suficiente para colonizar com êxito a microbiota intestinal dos pacientes com resposta, e para reprogramar o microambiente tumoral para vencer a resistência à imunoterapia. O TMF altera a composição da microbiota, promovendo a eficácia do anti-PD-1 para induzir respostas clínicas nos pacientes com melanoma refratário à imunoterapia.
Poder prever-se a rejeição do transplante? É o sonho de qualquer cirurgião, e a esperança de qualquer paciente... De acordo com um estudo publicado em The Lancet Respiratory Medicine, um aumento das bactérias pulmonares permitirá prever a rejeição crónica do transplante nos adultos saudáveis que tenham sido sujeitos a transplante pulmonar.
Único tratamento existente para a fase terminal da doença pulmonar, o transplante do pulmão apresenta taxas de sobrevivência muito baixas em comparação com outros transplantes de órgãos. Observa-se também nestes pacientes uma microbiota respiratória modificada em comparação com a das pessoas saudáveis, denotando aumento da carga bacteriana e comunidades bacterianas alteradas. A relevância clínica destas diferenças da microbiota pulmonar para os resultados pós-transplante pulmonar era, até à data, desconhecida.
Compreender os efeitos da evolução da microbiota pulmonar na sobrevivência pós-transplante
Os investigadores realizaram um estudo prospetivo incidindo sobre 134 pacientes que receberam aloenxertos pulmonares na Universidade de Michigan entre outubro de 2005 e agosto de 2017. Objetivo: avaliar o significado clínico dos efeitos das alterações na microbiota respiratória após um transplante pulmonar em recetores de transplante de pulmão saudáveis na sobrevivência posterior sem disfunção crónica do enxerto pulmonar (CLAD). As análises incidiram sobre amostras de líquido broncoalveolar recolhidas durante broncoscopia realizada em pacientes assintomáticos um ano após o transplante. Posteriormente, a respetiva função pulmonar foi avaliada de 3 em 3 meses por espirometria, para se monitorizar o desenvolvimento de CLAD.
Fator de risco associado ao número de bactérias pulmonares
Ao longo dos 500 dias do acompanhamento, 18% dos pacientes desenvolveram CLAD, 4% faleceram antes de diagnóstico confirmado dessa disfunção e 78% permaneceram sem CLAD. No que respeita à microbiota pulmonar, a existência de um aumento do número de bactérias pulmonares revelou-se associada a um maior risco de desenvolvimento de rejeição crónica e de morte após o transplante de pulmão. Outra constatação: esta associação entre o aumento da carga de ADN bacteriano e o risco de desenvolvimento de CLAD não será atribuível à presença nem à abundância relativa de Pseudomonas spp, como poderiam sugerir alguns estudos anteriores.
A sobrevivência prevista pela composição das comunidades bacterianas?
Conclui-se também, a partir deste estudo, que a composição da comunidade bacteriana pulmonar é significativamente diferente nos pacientes que sobreviveram e permaneceram livres de CLAD, em comparação com aqueles que desenvolveram CLAD ou morreram. No entanto, não foi observada qualquer associação definitiva entre os táxons bacterianos individuais e as causas de óbito ou o aparecimento de CLAD. No momento de estabelecerem um balanço preliminar, os investigadores concluíram que a composição poderá ser de importância secundária em relação às diferenças da carga bacteriana total, no que respeita à previsão da sobrevida sem CLAD. No entanto, são necessários mais estudos para se confirmar, em primeiro lugar, se as bactérias pulmonares são modificáveis através de antibióticos ou de outras intervenções, e em segundo lugar, se as alterações na microbiota pulmonar podem explicar a variabilidade das respostas dos pacientes às terapias após o transplante pulmonar.
Nestes períodos de confinamento, as crianças passam grande parte do tempo em casa. Falamos de um ambiente doméstico, onde o pó impera. Ora, esta exposição aos agentes microbianos presentes nesse pó, poderá ser fator de proteção ou de risco para o desenvolvimento da dermatite atópica, consoante a residência se encontre localizada na cidade ou no campo.
O eczema (ou dermatite atópica) é a doença crónica da (sidenote: https://www.worldallergy.org/UserFiles/file/WAOAtopicDermatitisInfographic2018.pdf). Caracteriza-se pela secura cutânea, associada a lesões do tipo eczematoso (exantema e prurido, etc.) não contagiosas, manifestando-se mediante surtos. Resultando de uma complexa interação de fatores genéticos e ambientais, pode manifestar-se muito cedo, mesmo na primeira infância, mas pode persistir e por vezes surgir em adolescentes e adultos. Entre os referidos fatores ambientais, o papel da microbiota intestinal e também o da microbiota cutâneaou da nasal já foi amplamente demonstrado. Apesar de importantes esforços de investigação nos últimos anos, o número de pessoas afetadas é crescente em todo o mundo. Como explicar esse aumento? Os primeiros elementos de explicação visam as mudanças ambientais resultantes de mais higiene e da urbanização. Surpreendentemente, enquanto a presença da doença nos países africanos parece ser bastante reduzida, os afro-americanos surgem, em contrapartida, como os mais afetados. Este novo estudo procura compreender porquê, avaliando a associação entre a microbiota do pó das habitações da cidade e do campo e o surgimento desta afeção em crianças sul-africanas.
Pó das cidades ou dos campos: o que é que nos revela a microbiota?
Os investigadores passaram a pente fino as residências (rurais ou urbanas) de 86 crianças sul-africanas com idades entre os 12 e os 36 meses, afetadas ou não pela dermatite atópica. A sua missão? Colher amostras do pó dessas casas para analisarem a respetiva microbiota bacteriana. 1.ª constatação: a composição microbiana global é significativamente diferente entre o pó das residências urbanas e o das rurais. Nas casas citadinas, o pó apresenta uma diversidade bacteriana significativamente reduzida em comparação com o das habitações situadas no campo. Determinadas bactérias específicas (Clostridiales, Lachnospiraceae, Ruminococcaceae e Bacteroidales) surgem também em quantidade reduzida.
Bactérias protetoras contra a dermatite atópica?
Outra conclusão deste estudo: a composição e a diversidade das bactérias presentes no meio do pó doméstico difere nas casas onde habitam crianças com dermatite atópica relativamente às das que não são vítimas da patologia. Nas habitações das crianças não afetadas e que residem no campo, as bactérias Clostridiales, Ruminococcaceae e Bacteroidales surgem em quantidades mais elevadas no pó. Estes resultados indicam que tais bactérias podem desempenhar um efeito protetor contra a dermatite atópica. Em contrapartida, nas áreas urbanas, não foi observada qualquer diferença na quantidade ou na diversidade bacteriana do pó das casas onde as crianças, tanto afetadas como não, vivem.
A composição do pó doméstico pode ser um fator de risco importante para o desenvolvimento de dermatite atópica, e essa associação pode ser determinada, em parte, pela microbiota intestinal. Inadvertidamente, as crianças de tenra idade ingerem e inalam quotidianamente pó da casa, sendo provável, segundo os investigadores, que algumas das bactérias presentes nesse pó se instalem ao nível intestinal, o que poderá (ou não) protegê-las de virem a apresentar eczemas.
Mahdavinia M, Greenfield LR, Moore D, et al. House dust microbiota and atopic dermatitis; effect of urbanization [published online ahead of print, 2021 Feb 11]. Pediatr Allergy Immunol. 2021;10.1111/pai.13471. doi:10.1111/pai.13471
Quando se procuram os culpados de uma libido em baixa, a rotina ou o passar dos anos são muitas vezes apontados a dedo. E se fosse necessário procurar um suspeito mais pequenino, tranquilamente aninhado no fundo das nossas entranhas?
A perda da libido nas mulheres é um distúrbio sexual com múltiplas consequências: redução da qualidade de vida, autoconfiança e autoestima em queda, privação de ligação com o parceiro... Efetivamente, os médicos falam de "síndrome ou transtorno do desejo sexual hipoativo” (TDSH) quando a insuficiência ou ausência de desejo sexual causa acentuado sofrimento ou dificuldades nas relações interpessoais. Este conjunto de sintomas (redução do desejo + sofrimento associado) afetará até 10% das mulheres americanas, podendo acontecer o mesmo nos outros países. Ora, de acordo com trabalhos recentes, a microbiota intestinal, já implicada nas doenças mentais e neurológicas, estará envolvida nestes distúrbios sexuais em parte regulados pelo cérebro.
Bactérias, emoções e sexualidade
Para saberem mais, os investigadores compararam as fezes de 24 mulheres com TDSH com as de 22 mulheres sem problemas de libido. Observaram nas mulheres TDSH uma menor abundância de algumas bactérias e um aumento de outras, nomeadamente lactobacilos e bifidobactérias. Quanto mais importantes eram as diferenças comparativamente ao microbiota das mulheres sem problemas, mais pronunciada era a diminuição do desejo sexual. Novas investigações mais aprofundadas serão, contudo, necessárias para se compreender os mecanismos em ação: pequenas moléculas segregadas pelas bactérias intestinais penetrarão no nosso organismo e poderão influenciar o nosso cérebro.A aposta nestas investigações é importante: estes resultados, embora sejam ainda muito preliminares, poderão um dia permitir uma melhor gestão da diminuição da libido nas mulheres.
Serenidade ou desejo, será necessário escolher?
Por fim, os autores lembram que os níveis elevados de lactobacilos e bifidobactérias, que marcam a perda de libido, já foram previamente associados a uma diminuição dos pensamentos agressivos e dos sentimentos de tristeza. Para os autores, tudo estará ligado: a cólera ou o stress poderão funcionar como um prelúdio da sexualidade, nomeadamente porque estes estados emocionais geram uma excitação capaz de se transformar em desejo. Por outras palavras, parece que é necessário optar entre serenidade e libido!
Li G, Li W, Song B, et al. Differences in the Gut Microbiome of Women With and Without Hypoactive Sexual Desire Disorder: Case Control Study. J Med Internet Res. 2021 Feb 25;23(2):e25342.
Alterações estruturais e funcionais da microbiota intestinal serão responsáveis pelo declínio muscular nos idosos (sarcopenia)? É mais do que provável, revela um estudo recente que incidiu sobre a pista pouco investigada do eixo intestino-músculo, junto de uma população chinesa em idade avançada. Uma direção promissora para um envelhecimento saudável?
Com a esperança de vida a aumentar, a investigação científica dedica-se cada vez mais às doenças relacionadas com a velhice. Entre estas destaca-se a sarcopenia, (sidenote:
Martin FC, Ranhoff AH. Frailty and Sarcopenia. 2020 Aug 21. In: Falaschi P, Marsh D, editors. Orthogeriatrics: The Management of Older Patients with Fragility Fractures [Internet]. Cham (CH): Springer; 2021. Chapter 4
) . Esta patologia surge em resultado de vários mecanismos fisiopatológicos, onde se destacam a dieta e a atividade física inadequadas, a inflamação, a imunossenescência, a resistência anabólica e o stress oxidativo. Esses processos, especialmente os relacionados com a inflamação e com o sistema imunitário, são em grande parte influenciados pela microbiota intestinal (MI). Vários estudos têm descrito alterações da MI nos idosos, mas esta é a primeira investigação desse tipo a debruçar-se sobre o papel do eixo intestino-músculo nos casos de sarcopenia.
Doentes sarcopénicos: redução da diversidade intestinal...
A microbiota intestinal de 3 grupos de pacientes foi analisada por sequenciação do gene do ARN ribossómico 16S: 60 elementos saudáveis de um grupo de controlo (média de idades: 68,38 ± 5,79), 11 indivíduos sarcopénicos (com alteração da função muscular e massa muscular reduzida) cuja média de idades correspondia a 76,45 ± 8,58 anos, e 16 indivíduos pré-sarcopénicos (idade média: 74,00 ± 6,94) apenas com a função muscular alterada. Acontece que a diversidade alfa (estimadores Chao1, número de espécies observadas), surge significativamente reduzida nos indivíduos sarcopénicos e pré-sarcopénicos face ao grupo de controlo. Existe, nestes pacientes, uma redução de determinadas espécies que produzem butirato (Lachnospira, Fusicantenibacter, Roseburia, Eubacterium, Lachnoclostridium). O butirato, molécula essencial através da qual a MI pode influenciar a fisiologia do hospedeiro, tem um papel duplamente importante: é conhecido por reduzir a inflamação, e alguns estudos têm demonstrado que os ácidos gordos de cadeia curta (de que o butirato faz parte) contribuem para a manutenção da massa dos músculos esqueléticos. O género Lactobacillus aparece, por sua vez, em maior abundância nos indivíduos afetados, e a família Lactobacillaceae surge como biomarcador do grupo pré-sarcopénico. A família Porphyromonadaceae parece constituir um biomarcador de identificação dos pacientes sarcopénicos.
...E vias funcionais alteradas
Visando compreender o impacto funcional da composição da MI nos pacientes, os investigadores identificaram determinado número de vias funcionais alteradas. Algumas surgiram sobre-representadas nos indivíduos sarcopénicos e pré-sarcopénicos (nomeadamente a biossíntese dos lipopolissacarídeos (LPS)), e outras sub-representadas (onde se destacam as vias biossintéticas da fenilalanina, tirosina e triptofano). Estes resultados implicam que as vias metabólicas associadas à produção de energia celular, ao processamento das proteínas e ao transporte de nutrientes, são reguladas diferencialmente no contexto patológico. Por outro lado, o enriquecimento da biossíntese dos LPS sugere que a sarcopenia está associada a um metagenoma pró-inflamatório. Estes resultados confirmam os de (sidenote:
Volpi, E., Kobayashi, H., Sheffield-Moore, et al. Essential amino acids are primarily responsible for the amino acid stimulation of muscle protein anabolism in healthy elderly adults. Am. J. Clin. Nutr. 78, 250–258. https ://doi.org/10.1093/ajcn/78.2.250 (2003)
) que destacaram a importância das vias da biossíntese de fenilalanina, tirosina e triptofano na estimulação do anabolismo muscular nos idosos.
Quais os ensinamentos a retirar deste estudo? Estes resultados preliminares indicam que as alterações estruturais e funcionais da MI podem contribuir potencialmente para a perda de massa muscular e para o respetivo funcionamento anómalo nas pessoas afetadas por sarcopenia. No entanto, serão necessários estudos futuros, abrangendo amostras mais vastas, no sentido de se confirmar esta hipótese.
Perante uma infeção, o hospedeiro produzirá taurina, um nutriente que irá alimentar a microbiota e possibilitar a eliminação dos agentes patogénicos. A taurina promoverá assim a resistência a longo prazo a uma nova infeção.
O que não mata engorda. O sistema imunitário segue à letra este provérbio. Ele dispõe de respostas adaptativas contra os agentes patogénicos, propiciando uma defesa mais rápida e mais intensa em caso de infeções posteriores. E se o mesmo se passar com a microbiota intestinal? Poderão as primeiras infeções permitir-lhe que desenvolva uma função antimicrobiana otimizada, aumentando assim a resistência do hospedeiro à colonização? Esta é a hipótese formulada por alguns investigadores.
Memória metaorganismo
As experiências foram realizados com Klebsiella pneumoniae (Kpn). Em ratos infetados oralmente, esta bactéria é transitoriamente detetada no lúmen do cólon e depois desaparece das fezes. A única exceção é quando os ratos recebem previamente um antibiótico de largo espectro (estreptomicina), situação em que a sua carga fecal de Kpn permanece elevada. A possibilidade de colonização do hospedeiro por este agente patogénico, por conseguinte, parece ser decidida pela microbiota. Após validado este ponto, uma longa série de experiências permitiu aos investigadores decifrarem gradualmente os mecanismos através dos quais uma infeção transitória conduz àquilo a que chamaram "memória metaorganismo" a longo prazo. Esta baseia-se em funções interdependentes e combinadas do hospedeiro e da sua microbiota.
Envolvimento dos ácidos biliares
Assim, após a infeção, o hospedeiro aumentará a sua produção hepática de ácidos biliares. Os grupos microbianos da microbiota intestinal capazes de usar esses ácidos através de respiração anaeróbica, em especial um deles, a taurina, multiplicar-se-ão. Ao fazê-lo, convertê-la-ão em sulfureto, um inibidor da respiração celular aeróbica. Ora, existem múltiplos agentes patogénicos que dependem da respiração aeróbica para sobreviverem. Portanto, essas bactérias indesejáveis morrerão, limitando assim a invasão do hospedeiro. De facto, se os sulfuretos forem sequestrados, promove-se a invasão por agentes patogénicos. De notar, ainda, que a ingestão de taurina exógena é suficiente para induzir os mesmos efeitos de uma infeção: multiplicação de bactérias capazes de metabolizá-la, reforço da resistência à colonização, etc.
Resistência à colonização: dúvidas, esperanças
No entanto, há muitas perguntas que ainda permanecem sem resposta: quais serão os sinais que desencadeiam o aumento da síntese de ácidos biliares após a infeção? O sistema imunitário do hospedeiro trabalhará em concertação com a microbiota para promover a resistência à colonização após a infeção? De qualquer forma, num contexto preocupante de aumento da resistência aos antibióticos, encontrar respostas para as infeções através dos metabolitos bacterianos (e não das próprias bactérias) é uma alternativa promissora. E com uma vantagem inegável: enquanto as terapias com base em bactérias (como o transplante fecal) esbarram no obstáculo da heterogeneidade interindividual, os metabolitos microbianos, mais "universais", deverão poder atingir alvos muito mais abrangentes e diversificados.
A perda do olfato é um dos sintomas clássicos da Covid-19. Particularmente penalizante, este transtorno é também muito incapacitante para as pessoas afetadas. Estão em curso ações que combinam uma reabilitação olfativa diária com uma investigação da microbiota nasal para se ajudar os pacientes a recuperarem o olfato.
Perdas de olfato (anosmia ou hiposmia), de paladar (ageusia)... a Covid-19 dá cabo dos nossos sentidos. Quase um paciente sintomático em cada dois apresentará tais sintomas1, com grandes variações em função da origem étnica, uma vez que os caucasianos são 3 vezes mais afetados por distúrbios sensoriais que os asiáticos2. Entre esses pacientes, as alterações sensoriais revelam-se graves. De acordo com uma sondagem multilingue realizada junto de 4.039 pacientes de Covid-19 em todo o mundo, estes declaram ter perdido, em média, 80% do olfato e 70% do paladar3.
Treinar diariamente para reencontrar o olfato
No entanto, a anosmia não se limita infelizmente aos casos, frequentemente transitórios, relacionados com a Covid-19. Os traumatismos cranianos, as inflamações nasais, as alergias ou até mesmo a idade avançada podem provocar a perda do olfato. Razão? Uma deterioração das células sensoriais que revestem as cavidades nasais e que são responsáveis pela deteção dos odores. Para tentarem combater a anosmia, investigadores austríacos pedem aos pacientes não só para cheirarem, mas também para visualizarem diferentes odores (limão, rosa, etc.) 2 vezes por dia. E os resultados são positivos: os pacientes reencontram o "faro" após 6 meses de treino e formação. Além disso, as imagens por ressonância magnética mostram que as áreas do cérebro dedicadas ao olfato se encontram parcialmente restauradas.
A microbiota nasal passada a pente fino
Além dessa reabilitação, os cientistas procuraram determinar a influência dos microrganismos que habitam as fossas nasais. E demonstraram ter faro apurado! Observaram uma maior diversidade de bactérias no nariz dos pacientes cujo olfato se apresenta menos eficiente do que o normal. Entre elas, há mesmo uma bactéria que se suspeita que altere o desempenho olfativo. Encorajada por estes resultados, a equipa monitoriza à lupa se a reabilitação dos pacientes também modifica o equilíbrio da sua microbiota nasal. Os resultados ainda não são conhecidos, mas despertam as mais elevadas expectativas: a possibilidade de serem encontrados microrganismos capitais capazes de restaurar o olfato ou mesmo de indicar o tratamento mais adequado para fazer cessar a anosmia.
Fontes
1. Dysfonctionnement olfactif (43,0%), dysfonctionnement gustatif (44,6%) et dysfonctionnement chimiosensoriel global (47,4%).
2. von Bartheld CS, Hagen MM, Butowt R. Prevalence of Chemosensory Dysfunction in COVID-19 Patients: A Systematic Review and Meta-analysis Reveals Significant Ethnic Differences. ACS Chem Neurosci. 2020 Oct 7;11(19):2944-2961.
3. Parma V, Ohla K, Veldhuizen MG et al. More Than Smell—COVID-19 Is Associated With Severe Impairment of Smell, Taste, and Chemesthesis. Chem Senses. 2020 Oct 9;45(7):609-622.
Scilog. Training can help recover from lost sense of smell. 11 Jan 2021.