O que considerar?

Comumente aclamado como um dos mais importantes avanços do século XX, os antibióticos salvam milhões de vidas.

Uma nova geração de agentes antibacterianos? Um plasmídio capaz de matar bactérias patogénicas Exposição aos antibióticos entre os 0 e os 6 anos: microbiota intestinal alterada, desenvolvimento da criança perturbado

Mas também têm um impacto prejudicial na microbiota:

  • disbiose induzida por antibióticos que está associada a sequelas para a saúde a curto e longo prazo;

  • conjunto específico de microrganismos que demonstram ser resistentes ao uso incorreto ou excessivo dos antibióticos.

Deste modo aponta-se para a necessidade de que os antibióticos sejam utilizados com cuidado e que seja adotado o seu uso racional.

A disbiose induzida por antibióticos pode afetar cada microbiota humana:

  • Microbiota intestinal:
    Diarreia, o seu principal efeito colateral de curto prazo, ocorre em até 35% dos pacientes que tomam antibióticos1,2,3;

  • Microbiota urogenital:
    Pós tratamento com antibióticos, entre 10 e 30% das mulheres desenvolvem candidíase vulvovaginal4;

  • Microbiota cutânea:
    60% dos doentes tratados contra o acne possuem estirpes de Cutibacterium acnes resistentes a macrolídeos;

  • Microbiota ouvidos-nariz-garganta:
    Antibióticos administrados para infeções do trato respiratório superior aumentam por um fator de 2,6 a incidência de otite média aguda;

  • Microbiota pulmonar:
    Os antibióticos de largo espectro de ação usados no tratamento de infeções pulmonares, são considerados um dos principais contribuintes para o impacto geral da resistência aos antibióticos.

O que fazer? 

Para prevenir a disbiose:

• adotar uma dieta mais diversificada, rica em fibras: a dieta tem uma influência considerável na composição da microbiota intestinal5 ;
• uso de probióticos6: quando administrados em quantidades adequadas, estes microrganismos vivos (leveduras ou bactérias) conferem um benefício definitivo à saúde do hospedeiro7 ;
• uso de prebióticos: substrato que é utilizado seletivamente por microrganismos hospedeiros, conferindo um benefício à saúde8.

Para promover a reconstrução e a funcionalidade de uma microbiota em disbiose:

• o uso de probióticos6 (leveduras ou bactérias) pode ser útil;
• consideração do transplante de microbiota fecal para tratar apenas a infeção recorrente por Clostridioides difficile9.

Para combater a resistência antimicrobiana:

• explorar a terapêutica fagocítica10: fagócitos os predadores naturais das bactérias usadas para tratar infeções bacterianas antes do advento dos antibióticos;
• investigar CRISPR-Cas11: essas “tesouras moleculares” poderiam ser usadas para implementar correções nos genes;
• considerar terapias baseadas em nanomateriais12: as propriedades físicas de certos nanomateriais conferem-lhes a capacidade de atingir biofilmes. de apuntar a biopelículas

Fontes

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Resistência aos antibióticos: a microbiota pulmonar

Os antibióticos de largo espectro são usados para tratar infeções pulmonares e são considerados um dos principais responsáveis pela resistência aos antibióticos.

A microbiota pulmonar Exposição aos antibióticos entre os 0 e os 6 anos: microbiota intestinal alterada, desenvolvimento da criança perturbado Microbiota intestinal bloqueia os efeitos dos antidepressivos Antibióticos e microbiota intestinal: quais são os impactos a longo prazo?

Historicamente, os pulmões de indivíduos saudáveis eram considerados estéreis; a descrição da microbiota TRL (trato respiratório inferior, da laringe aos alvéolos dos pulmões1) é uma conquista recente2,3. Juntamente com as comunidades virais e fúngicas, seis espécies bacterianas dominam uma microbiota pulmonar saudável: Firmicutes, Bacteroidetes, Fusobacteria, Proteobacteria, Acidobacteria e Actinobacteria1,2,4.

“Nas populações ocidentais, o tratamento de infeções pulmonares é o principal fator de resistência aos antibióticos4.”

Os antibióticos salvaram milhões de vidas, mas a sua utilização indevida ou excessiva suscita agora sérias preocupações para a saúde, nomeadamente com a emergência de uma maior resistência aos antimicrobianos. Todos os anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW) para aumentar a sensibilização para este problema de saúde pública. Vejamos esta ameaça global que exige resposta urgente.

Resistência aos antibióticos: a microbiota em primeiro plano

O uso maciço e por vezes inadequado de antibióticos torna-os cada vez mais inef…

Uma perda de diversidade na microbiota pulmonar

A disbiose microbiana é observada nos vários distúrbios respiratórios, incluindo infeção pulmonar, asma, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e fibrose cística (FC)5,6. Mas apenas alguns estudos exploraram os efeitos diretos dos antibióticos na microbiota pulmonar. Uma investigação recente demonstrou que o tratamento com azitromicina diminuiu a diversidade bacteriana em doentes com asma persistente não controlada1; no entanto, os benefícios clínicos ainda são controversos1,7,8. Nos doentes com DPOC, o tratamento com azitromicina reduziu a diversidade alfa1; nos que sofrem de FC, os antibióticos parecem ser os principais responsáveis pela diminuição da diversidade da microbiota nas vias respiratórias5.

O eixo intestino-pulmão

Doenças respiratórias, doenças pulmonares crónicas e infeções microbianas são frequentemente acompanhadas de sintomas intestinais12. Na verdade, foi demonstrado que o ecossistema intestinal sofre alterações durante o curso de várias doenças respiratórias12. Embora o mecanismo subjacente permaneça obscuro, a influência recíproca entre o intestino e os pulmões poderia, em parte, explicar por que a disbiose induzida por antibióticos na microbiota intestinal no início da vida pode ser um fator de risco para rinite alérgica subsequente e asma1,12.

A dimensão dos antibióticos de largo espectro

Embora o uso indevido de antibióticos seja conhecido por dar origem ao surgimento e seleção de bactérias resistentes, a profilaxia antibiótica, sem diagnóstico microbiano, ainda é amplamente utilizada no tratamento de infeções pulmonares4. Dos 12 'patogénicos prioritários' resistentes a antibióticos que fazem parte da lista da OMS, 4 deles afetam os pulmões: P. aeruginosa, S. pneumoniae, H. influenzae e S. aureus4,9. Há um consenso entre a comunidade científica quanto a uma via chave para minimizar a resistência antimicrobiana (AMR), e à gestão do uso nas infeções pulmonares precisa ser melhorada4,10,11.

Promoção da investigação e sensibilização

  • A Aliança Global Contra Doenças Respiratórias (AGCDR), lançada pela OMS em 2006 para ajudar a combater doenças respiratórias crónicas, afirma: “Médicos em todo o mundo enfrentam agora situações em que os doentes infectados não podem ser tratados de forma adequada porque a bactéria responsável é totalmente resistente aos antibióticos disponíveis”11.

  • A nível europeu, a European Respiratory Society (ERS) está envolvida na promoção da investigação científica, disponibilizando o acesso a recursos e sensibilizando o público e os decisores políticos. “A nossa missão é promover a saúde pulmonar a fim de aliviar o sofrimento de doenças e impulsionar os padrões da medicina respiratória em todo o mundo. A ciência, a educação e a defesa estão no centro de tudo o que fazemos.” A nossa última monografia, 'O microbioma pulmonar'13, analisa os diferentes componentes do microbioma respiratório (vírus, fungos e bactérias), e considera o seu desenvolvimento desde os primeiros anos, examina como surgem as doenças (asma, DPOC, cancro...) e discute novos desenvolvimentos e terapias

O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?

Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global. Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos. 

Fontes

Hufnagl K, Pali-Schöll I, Roth-Walter F, et al. Dysbiosis of the gut and lung microbiome has a role in asthma. Semin Immunopathol. 2020;42(1):75-93.

Barcik W, Boutin RCT, Sokolowska M, et al. The Role of Lung and Gut Microbiota in the Pathology of Asthma. Immunity. 2020;52(2):241-255.

Mathieu E, Escribano-Vazquez U, Descamps D, et al. Paradigms of Lung Microbiota Functions in Health and Disease, Particularly, in Asthma. Front Physiol. 2018;9:1168. Published 2018 Aug 21.

Cookson WOCM, Cox MJ, Moffatt MF. New opportunities for managing acute and chronic lung infections. Nat Rev Microbiol. 2018;16(2):111-120.

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Gibson PG, Yang IA, Upham JW, et al. Efficacy of azithromycin in severe asthma from the AMAZES randomised trial. ERJ Open Res. 2019;5(4):00056-2019. Published 2019 Dec 23.

Chung KF. Airway microbial dysbiosis in asthmatic patients: A target for prevention and treatment?. J Allergy Clin Immunol. 2017;139(4):1071- 1081.

WHO. Global priority list of antibiotic-resistant bacteria to guide research, discovery, and development of new antibiotics. 25 february 2017

10 Lim WS, Baudouin SV, George RC, et al. BTS guidelines for the management of community acquired pneumonia in adults: update 2009 Thorax 2009;64:iii1-iii55.

11 Forum of International Respiratory Societies. The Global Impact of Respiratory Disease – Second Edition. Sheffield, European Respiratory Society, 2017.

12 Marsland BJ, Trompette A, Gollwitzer ES. The Gut-Lung Axis in Respiratory Disease. Ann Am Thorac Soc. 2015;12 Suppl 2:S150-S156.

13 The Lung Microbiome. Edited by Cox MJ, Ege MJ, and von Mutius E. 2019. Monograph of European Respiratory Society.

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Microbiota ORL: quando os antibióticos desafiam a nossa primeira linha de defesa

Ao desequilibrar a microbiota dos ouvidos, nariz e garganta (ORL), os antibióticos abrem a porta a agentes patogénicos oportunistas implicados nas infeções auditivas e respiratórias. Os efeitos podem ser particularmente contraproducentes em casos de otite média aguda.

A microbiota ORL Uma nova geração de agentes antibacterianos? Um plasmídio capaz de matar bactérias patogénicas Exposição aos antibióticos entre os 0 e os 6 anos: microbiota intestinal alterada, desenvolvimento da criança perturbado

O que é vulgarmente referido como a microbiota dos ouvidos, nariz e garganta (ORL) é, na verdade, composto não por uma, mas sim por várias microbiotas. É provável que os antibióticos ajam individualmente nestas diferentes microbiotas, percorrendo a cavidade oral até à faringe, incluindo o interior dos seios nasais e até mesmo no ouvido interno médio. Este capítulo é dedicado principalmente aos efeitos dos antibióticos na microbiota do Trato Respiratório Superior (TRS), que é um excelente caso de livro: a microbiota do TRS parece ser uma das salvaguardas da saúde auricular, mas está ameaçada pelos antibióticos prescritos para o efeito, nomeadamente em casos de otite aguda..

“No prazo de 7 dias após a administração de antibióticos para infeções ORL, a incidência de otite aguda é aumentada por um fator de 2,6.”

Pr. Teissier, MD, PhD

A microbiota do TSR, um aliado da saúde aricular?

A microbiota do TRS é colonizada diretamente, após o nascimento, por uma variedade de comensais (Dolosigranulum Corynebacterium, Staphylococcus, Moraxella, Streptococcus). As evidências sugerem que uma maior abundância relativa de espécies comensais (Dolosigranulum spp. e Corynebacterium spp.) bem como uma maior diversidade na microbiota nasofaríngea1 estão associadas a uma menor incidência de colonização TRS por Streptococcus pneumoniaeHaemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis2,3, três otopatogénios implicados na otite aguda (OA).

 

Tratamento antibiótico: muito risco e pouco benefício

A exposição a antibióticos afeta a microbiota TRS diminuindo a abundância de espécies protetoras e aumentando a abundância de bactérias Gramnegativas (Burkholderia spp., Enterobacteriaceae, Comamonadaceae, Bradyrhizobiaceae)4,5, bem, como S. pneumoniaeH. influenzae and M. catarrhalis5. Como resultado da aquisição da resistência antimicrobiana, estas bactérias, que de outra forma não poderiam competir com êxito neste nicho, têm a oportunidade de se multiplicarem durante o tratamento, de modo a poderem tornar-se patogénicas6. Além disso, considera-se que os antibióticos são pouco benéficos na maioria dos casos de OMA pediátrico (a principal razão para prescrever antibióticos a crianças7) e outras infeções ORL (dor de garganta ou constipações comuns)7,8, devido à natureza frequentemente não bacteriana destas condições: de 60% a 90% das crianças com OMA recuperam sem antibióticos9,10. Finalmente, os antibióticos conduzem à disbiose da microbiota intestinal que pode traduzir-se em efeitos secundários, tais como diarreia associada a antibióticos3,11 (Ver página 4: Microbiota intestinal).

Opinião da especialista

Na microbiota não exposta ao tratamento com antibióticos, existe um equilíbrio harmonioso entre as várias bactérias comensais. Perturbar este equilíbrio com o uso de antibióticos pode promover a proliferação de certas bactérias, suscetíveis de se tornarem patogénicas. Em particular, a toma repetida de antibióticos promove a seleção de bactérias multirresistentes que já não podem ser controladas pela flora comensal, o que leva à ocorrência mais frequente de complicações infeciosas. Por conseguinte, parece essencial preservar a microbiota ativa e o seu equilíbrio natural, limitando a utilização de antibióticos a situações em que são estritamente necessários.

Pr. NATACHA TEISSIER, MD, PhD Serviço de ORL Hospital Robert Debre, Paris
Fontes

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Pettigrew MM, Laufer AS, Gent JF, et al. Upper respiratory tract microbial communities, acute otitis media pathogens, and antibiotic use in healthy and sick children. Appl Environ Microbiol. 2012;78(17):6262-6270.

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Teo SM, Mok D, Pham K, et al. The infant nasopharyngeal microbiome impacts severity of lower respiratory infection and risk of asthma development. Cell Host Microbe. 2015;17(5):704-715.

Rogers GB, Shaw D, Marsh RL, et al. Respiratory microbiota: addressing clinical questions, informing clinical practice. Thorax. 2015;70(1):74-81.

Mather MW, Drinnan M, Perry JD et al. A systematic review and meta-analysis of antimicrobial resistance in paediatric acute otitis media. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2019;123:102-109.

Easton G, Saxena S. Antibiotic prescribing for upper respiratory tract infections in children: how can we improve? London J Prim Care (Abingdon). 2010;3(1):37-41.

Massa HM, Cripps AW, Lehmann D. Otitis media: viruses, bacteria, biofi lms and vaccines. Med J Aust. 2009;191(S9):S44-9.

10 Venekamp RP, Sanders SL, Glasziou PP, et al. Antibiotics for acute otitis media in children. Cochrane Database Syst Rev. 2015;2015(6):CD000219.

11 McFarland LV, Ozen M, Dinleyici EC, et al. Comparison of pediatric and adult antibiotic-associated diarrhea and Clostridium diffi cile infections. World J Gastroenterol. 2016;22(11):3078-3104.

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Antibióticos, uma faca de dois gumes no tratamento de doenças da pele

Os efeitos dos antibióticos na microbiota da pele têm sido estudados principalmente no contexto do tratamento do acne. Os antibióticos podem levar a vários resultados adversos, incluíndo interrupção da microbiota, resistência bacteriana e um risco aumentado de novas infeções, ao verificar-se que afetam a pele ou outras partes do corpo.

A microbiota da pele Antibióticos e risco de DII: O que acontece nos adultos? E se a manipulação da microbiota puder melhorar a resposta à imunoterapia? Uma nova geração de agentes antibacterianos? Um plasmídio capaz de matar bactérias patogénicas

Pele

Por muito tempo considerada principalmente como uma fonte de infeção, a microbiota da pele humana é hoje comumente aceite como um fator importante de saúde e bem-estar1Ao promover respostas imunológicas e defesa, desempenha um papel fundamental na reparação dos tecidos e funções de barreira, inibindo a colonização ou infeção por patogénicos oportunistas2.

 

Para cada área de peke, uma microbiota próprio

A microbiota da pele abriga milhões de bactérias, bem como fungos e vírus em menos quantidades. CorynebacteriumCutibacterium (anteriormente conhecido como Propionibacterium), Staphylococcus, Micrococcus, Actinomyces, Streptococcus e Prevotella são os géneros mais comuns de bactérias encontrados na pele humana3. No entanto, a abundância relativa de taxa bacteriana depende muito do microambiente local da área específica da pele e, principalmente, das suas características fisiológicas, isto é, se é sebácea, húmida ou seca. Portanto, as espécies de Cutibacterium lipofílicas dominam nas áreas sebáceas, enquanto as espécies de Staphylococcus e Corynebacterium são particularmente abundantes em áreas húmidas4.

 

Da fisiologia à patologia, o papel ambivalente de C. acnes

O anaeróbio aerotolerante C. acnes é uma das espécies bacterianas mais abundantes no microbioma da pele. Tem sido implicada no acne, como uma doença inflamatória crónica da pele com patogénese complexa5. Em contraste com a observação anterior, estudos recentes indicam que a hiperproliferação de C. acnes não é o único fator implicado no desenvolvimento do acne6. Na verdade, uma perda de equilíbrio entre as diferentes estirpes de C. acnes, juntamente com uma disbiose da microbiota da pele, desencadeia a acne6. Além disso, as interações entre S. epidermidis C. acnes são de importância crítica na regulação da homeostase da pele: S. epidermidis inibe o crescimento de C. acnes e a inflamação da pele. Por sua vez, C. acnes, ao segregar ácido propiónico que participa, entre outras coisas, na manutenção do pH ácido do folículo pilossebáceo, inibe o desenvolvimento de S. epidermidis. Acredita-se que a Malassezia, o fungo cutâneo mais abundante, também desempenhe um papel no acne refratário ao recrutar células do sistema imunológico, embora este dado precise ser mais explorado6.

Antibióticos na dermatite atópica: amigo ou inimigo?

Na dermatite atópica (DA), os doentes apresentam disbiose da microbiota cutânea caracterizada por um crescimento excessivo de Staphylococcus aureus, que se pensa que desempenham um papel decisivo na manifestação da DA14. Embora os tratamentos com antibióticos não tenham demonstrado nenhuma eficácia no tratamento da DA15 podem induzir resistência bacteriana e resultar em impacto deletério nos comensais da pele14,16, quando usados regularmente.

Tratamento do acne, uma importante fonte de resistência aos antibióticos

Apesar de serem usados rotineiramente no tratamento do acne os antibióticos tópicos e orais têm-se demonstrado prejudiciais. Uma das grandes preocupações expressa pelos especialistas é o desiquilíbrio da microbiota da pele, embora ainda existam poucos dados precisos sobre o assunto. Nesse sentido, um estudo longitudinal recente comparou a microbiota da face de 20 doentes com acne, antes e depois de seis semanas de terapia com doxiciclina oral. Curiosamente, a exposição a antibióticos foi associada a um aumento na diversidade bacteriana; Segundo os autores, isso pode ser devido a uma diminuição da colonização por C. acnes, que permite o crescimento de outras bactérias7.

Os dermatologistas prescrevem mais antibióticos que qualquer outro especialista. Dois terços dessas prescrições são para a acne8

No entanto, a preocupação mais significativa com o uso de antibióticos para o tratamento do acne diz respeito à resistência bacteriana.. Observada pela primeira vez na década de 1970, é sem dúvida uma preocupação na dermatologia desde os anos 19808. A resistência a C. acnes é de longe a mais documentada: os dados mais recentes apontam para taxas de resistência que atingem mais de 50% para eritromicina em alguns países, 82-100% para azitromicina e 90% para clindamicina. Quanto às tetraciclinas, embora ainda sejam bastante eficazes contra a maioria das estirpes de C. acnes, as taxas de resistência estão a aumentar variando de 2% a 30% consoante a região geográfica do planeta9. A resistência aos antibióticos não se limita a C. acnes; embora os antibióticos tópicos usados por doentes com acne (especialmente como monoterapia) tenham demonstrado aumentar o surgimento de bactérias resistentes da pele, como S. epidermidis, os antibióticos orais estão associados ao aumento da emergência de S. pyogenes orofaríngeo resistente a antibióticos8,10. Além disso, taxas do aumento de infeções do trato respiratório superior e de faringite estão descritos e associadas ao aumento do uso dos antibiótico do acne11,12.

Opinião da especialista

Os antibióticos matam as bactérias sensíveis da pele (Cutibacterium acnes), ao mesmo tempo que levam à formação de “buracos” na microbiota, as bactérias resistentes proliferam. Isso resulta em disbiose cutânea e na sobre expressão de bactérias multirresistentes. 60% dos pacientes tratados contra a acne apresentam estirpes de C. acnes resistentes aos macrolídeos e 90% de estirpes de Staphylococcus epidermidis também são resistentes aos macrolídeos. O uso de antibióticos também pode ter consequências em cirurgia ortopédica, diversas estirpes de C. acnes resistentes a macrolídeos são também observadas. Durante uma operação (uma prótese da anca, por exemplo), existe o risco de causar um abcesso. Isso será ainda mais difícil de tratar, pois essa bactéria secreta biofilmes que aderem à prótese. Portanto, é essencial, quando se quer evitar a promoção de seleção de bactérias resistentes, que o uso de antibióticos tópicos seja limitado tanto quanto possível (no máximo 8 dias).

Pr. BRIGITTE DRÉNO, MD, PhD Presidente do departamento de Dermato-Oncologia Diretora da Unidade GMP de Terapia Celular e Genética do Hospital Universitário de Nantes (França) Vice-reitora da Faculdade de Medicina de Nantes

Recomendação de uso limitado de antibióticos contra o acne

Facto é que, os níveis de prescrição de antibióticos para o acne permanecem elevados e por períodos mais longos do que os recomendados nas diretivas13. Neste contexto de crescentes preocupações os especialistas apelam para um uso mais limitado de antibióticos no tratamento do acne13. Em particular, foi proposta uma estratégia a este respeito pela aliança global para melhorar os resultados contra o acne (ver figura abaixo).

Painel: Estratégias da Aliança Global para melhorar os resultados no Acne e reduzir a resistência aos antibióticos na Cutibacterium acnes e outras bactérias.

Primeira linha terapêutica

  • Combinar retinoide tópico com antimicrobiano (tópico ou oral).

No caso de ser necessário adicionar outro antibiótico:

  • Limitar o uso por período de tempo; descontinuação quando as melhoras são leves ou sem melhoras.

  • Antibióticos orais podem ser usados apenas por 3 meses.

  • Coprescrição de produtos que contêm peróxido benzoíla.

  • Não usar em monoterapia. • Evite o uso de um outro antibiótico oral ou tópico.

  • Não mude de antibiótico sem uma justificação clínica.

Terapêutica de manutenção

  • Usar retinoides associados com peróxido benzoíla se necessário

  • Evitar os antibióticos

From de Walsh et al., 20165

Caso clínico

pela Pr. Brigitte Dréno, MD, PhD

  • Um adolescente consultou o seu dermatologista para tratar acne facial (testa, queixo e seios perinasais), recebeu um tratamento tópico à base de eritromicina.

  • 4 a 5 semanas após o início do tratamento, uma nova proliferação de pápulas e pústulas surgiram no rosto. Voltou ao médico e foi-lhe prescrito eritromicina oral.

  • 1 mês depois, o doente voltou ao médico porque o acne tinha progredido para o pescoço (impetigo profuso). O médico retirou para análise uma amostra de uma das pústulas para um teste de cultura.

  • O teste de cultura deu positivo ao Staphylococcus e o antibiograma indicou resistência aos macrolídeos. O médico prescreveu peróxido de benzoíla, com remissão em 10 dias.

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  • 14. Wan P, Chen J. A Calm, Dispassionate Look at Skin Microbiota in Atopic Dermatitis: An Integrative Literature Review. Dermatol Ther (Heidelb). 2020;10(1):53-61.

  • 15. George SM, Karanovic S, Harrison DA et al. Interventions to reduce Staphylococcus aureus in the management of eczema. Cochrane Database Syst Rev. 2019 Oct 29;2019(10):CD003871.

  • 16. Seite S, Bieber T. Barrier function and microbiotic dysbiosis in atopic dermatitis. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2015;8:479-483.

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Detalhe do dossier

Microbiota urogenital: micoses e infeções do trato urinário após o tratamento com antibióticos

Um ciclo vicioso. As infeções do trato vaginal, como a candidíase vulvovaginal, geralmente aparecem após a terapêutica com antibióticos e, às vezes, após a administração de antibióticos correntemente usados para tratar essas mesmas infeções. A situação não é melhor para infeções do trato urinário: os antibióticos normalmente usados para tratá-las tornaram-se um fator de risco para sua ocorrência.

A microbiota urinária Antibióticos e microbiota intestinal: quais são os impactos a longo prazo? O papel dos antibióticos e da microbiota na doença de parkinson Será o transplante fecal uma solução para evitar a resistência a antibióticos em doentes imunocomprometidos?

Historicamente, até ao desenvolvimento de um trabalho científico recente, a urina era considerada estéril. Comparado com outras microbiotas, o ecossistema urinário possui baixa biomassa1. Embora ainda não se tenha chegado a um consenso sobre a composição precisa, sabe-se que existem cerca de 100 espécies que foram identificadas, de 4 filos principais (Proteobacteria, Firmicutes, Actinobacteria e Bacteroidetes)2. Embora o papel da microbiota urinária seja atualmente um assunto em debate, é bem conhecido que a diversidade diminuída parece ser um fator de risco para infeções do trato urinário.

10 a 30 %

Após o tratamento com antibióticos, 10 a 30% de mulheres desenvolvem candidíase vulvovaginal.5

No entanto, a microbiota vaginal ganha, pelo facto de ter baixa diversidade e ser amplamente dominada por lactobacilos3. Apesar da variabilidade considerável nas mulheres, foram descritos 5 tipos de estado da comunidade (CST) na flora vaginal: 4 dominados por uma ou várias espécies do género Lactobacillus (L. crispatus, L. gasseri, L. iners ou L. jensenii) e um polimicrobiano4Em ambos os casos, a disbiose após o tratamento com antibióticos pode aumentar o risco de infeção5.

Um espectro de fungos em cada tratamento com antibióticos

É o que muitas mulheres que são tratadas com antibióticos temem: desenvolver candidíase vulvovaginal pós-antibiótico. Esta ansiedade é justificada: a terapia antibacteriana, seja sistémica ou aplicada localmente na vagina, é considerada um dos principais fatores que levam à candidíase vulvovaginal5. Esta infeção pode estar associada à interrupção da microbiota vaginal juntamente com a proliferação de levedura Candida (C. albicans na maioria dos casos). Os sinais clínicos mais comuns dessa infeção é o prurido vulvar, uma sensação de queimadura acompanhada de dor ou irritação vaginal que pode causar dispareunia ou disúria6.

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O cíclo vicioso da vaginose bacteriana

Embora a sua etiologia permaneça obscura a disbiose induzida por antibióticos pode participar no desenvolvimento subsequente da vaginose bacteriana (VB), a principal forma de infeção vaginal: os lactobacilos dominantes são suplantados pela flora polimicrobiana derivada de vários géneros bacterianos (Gardnerella, Atopobium, Prevotella, etc.). Um círculo vicioso pode ser iniciado: embora os antibióticos sejam usados para tratar a VB, eles também fazem parte, juntamente com a história sexual, duche vaginal, uso de anticoncepcionais, idade, estágio do ciclo menstrual, uso de tabaco, etc., dos vários fatores de risco associados a este tipo de infeção7.

Microbiota urinária: um caso clássico de resistência a antibióticos

As infeções do trato urinário (ITU) afetam milhões de homens (uma taxa de incidência anual de 3% nos EUA) e mulheres (10%) por ano8. As ITUs recorrentes contribuem muito para essa incidência: apesar de receberem terapia antibiótica apropriada, mais de 30% das mulheres têm uma infeção subsequente nos 12 meses seguintes8. As ITUs estão a tornar-se cada vez mais difíceis de tratar devido à rápida disseminação da resistência aos medicamentos entre os organismos Gram-negativos, notadamente UPEC (Escherichia coli uropatogénica) que causa aproximadamente 80% das ITUs8.

Infecções do trato urinário: o que prescrever?

De acordo com a atualização de 2017 das diretrizes clínicas alemãs para a gestão de infecões não complicadas do trato urinário em pacientes adultos9 :

  • “Para o tratamento da cistite aguda não complicada (AUC), fosfomicina-trometamol, nitrofurantoína, nitroxolina, pivmecilinam e trimetoprima (dependendo da taxa local de resistência) são igualmente recomendados. Cotrimoxazol, fluoroquinolonas e cefalosporinas não são recomendados como antibióticos de primeira escolha, devido à possibilidade de impacto desfavorável no microbioma.

  • Para AUC com sintomas leves a moderados, em vez de antibióticos, pode considerar-se apenas o tratamento dos sintomas, dependendo da preferência do paciente após discussão de possíveis eventos adversos e resultados.

  • As opções sem antibióticos são recomendadas para a profilaxia de infeções recorrentes do trato urinário.”

Paradoxalmente, os antibióticos de largo espectro usados para tratar as ITUs adquiridas na comunidade, estão associadas aos hospitais tornando-se um fator de risco para a sua ocorrência8. Suspeita-se que o mecanismo que envolvem ambas a microbiota intestinal e vaginal: no intestino, o reservatório final de UPEC, a exposição a antibióticos aumenta a inflamação e promove a proliferação de E. coli; na vagina, diminuem a colonização por espécies de Lactobacillus que suprimem a invasão de UPEC vaginal e subsequente ascensão bacteriana da vagina para o trato urinário. Por isso, os especialistas hoje recomendam que sejam usados com cautela e que tratamentos poupadores de microbiota sejam desenvolvidos8.

Opinião do especialista

As infeções do trato urinário estão intimamente ligadas a desequilíbrios em qualquer das três microbiota: a microbiota urinária, uma vez que a urina não é estéril; a microbiota vaginal, com a qual a microbiota urinária compartilha muitas semelhanças; e a microbiota intestinal, onde se originam os patogénicos envolvidos nas infeções do trato urinário (por exemplo, E. coli, que passa do ânus para o vestíbulo vulvar e depois para a bexiga)

DR. JEAN-MARC BOHBOT, MD, PHD Andrologista e especialista em doenças infeciosas, Institut Alfred Fournier, Paris (França)

Caso clínico

pelo Dr. Jean-Marc Bohbot, MD, PhD

  • Consulta de Solène, de 18 anos com candidíase vulvo-vaginal recorrente. Há cerca de 3 meses, sofre de candidíase recorrente (2 episódios por mês) com leucorreia branca abundante e prurido vulvovaginal intenso. Estes episódios têm um impacto muito negativo na sua vida diária, sem falar da sua vida sexual.

  • Uma amostra vaginal confirmou a presença de Candida albicans com microbiota vaginal intermediária (pontuação de Nugent 6). Solène tem um parceiro regular que não apresenta sintomas e não é diabética. A candidíase apareceu algumas semanas após o início de um tratamento diário com antibióticos (ciclinas) para o acne. Esses antibióticos promovem a disbiose vaginal e facilitam o desenvolvimento de fungos.

  • Após a consulta com o dermatologista, as ciclinas orais foram substituídas por um tratamento local; a candidíase desapareceu em 2 semanas.

Nos casos de acne, o uso de antibióticos deve ser limitado ou acompanhado de probióticos para preservar o equilíbrio da microbiota vaginal.

Fontes

1 Neugent ML, Hulyalkar NV, Nguyen VH, et al. Advances in Understanding the Human Urinary Microbiome and Its Potential Role in Urinary Tract Infection. mBio. 2020 Apr 28;11(2):e00218-20.

2 Morand A, Cornu F, Dufour JC, et al. Human Bacterial Repertoire of the Urinary Tract: a Potential Paradigm Shift. J Clin Microbiol. 2019 Feb 27;57(3). pii: e00675-18.

3 Gupta S, Kakkar V, Bhushan I. et al. Crosstalk between Vaginal Microbiome and Female Health: A review. Microb Pathog. 2019 Aug 23;136:103696.

4 Greenbaum S, Greenbaum G, Moran-Gilad J, et al. Ecological dynamics of the vaginal microbiome in relation to health and disease. Am J Obstet Gynecol. 2019;220(4):324-335.

5 Shukla A, Sobel JD. Vulvovaginitis Caused by Candida Species Following Antibiotic Exposure. Curr Infect Dis Rep. 2019 Nov 9;21(11):44.

6 Gonçalves B, Ferreira C, Alves CT, et al. Vulvovaginal candidiasis: Epidemiology, microbiology and risk factors. Crit Rev Microbiol. 2016 Nov;42(6):905-27.

7 Coudray MS, Madhivanan P. Bacterial vaginosis-A brief synopsis of the literature. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2019 Dec 24;245:143-148.

8 Klein RD, Hultgren SJ. Urinary tract infections: microbial pathogenesis, host-pathogen interactions and new treatment strategies. Nat Rev Microbiol. 2020;18(4):211-226.

9 Kranz J, Schmidt S, Lebert C, et al. The 2017 Update of the German Clinical Guideline on Epidemiology, Diagnostics, Therapy, Prevention, and Management of Uncomplicated Urinary Tract Infections in Adult Patients. Part II: Therapy and Prevention. Urol Int. 2018;100(3):271-278.

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Detalhe do dossier Urologia

Da diarreia às doenças crónicas: as consequências da disbiose da microbiota intestinal provocada por antibióticos

O tratamento antibiótico pode, por vezes, ocorrer sem quaisquer efeitos colaterais de curto prazo. No entanto, a disbiose desencadeia diarreia em 35% dos doentes; a longo prazo, alterações de microbiota induzidas por antibióticos podem representar um fator de risco para doenças alérgicas, autoimunes ou metabólicas.

A microbiota intestinal Antibióticos e microbiota intestinal: quais são os impactos a longo prazo? O papel dos antibióticos e da microbiota na doença de parkinson Será o transplante fecal uma solução para evitar a resistência a antibióticos em doentes imunocomprometidos?
Clostridium difficile spores surrounding a long Cl. difficile bacterium.

Os antibióticos são uma ferramenta poderosa na luta contra infeções bacterianas. No entanto, a pesquisa também descreve efeitos prejudiciais sobre os trilhões de bactérias comensais que vivem no trato intestinal. A disbiose resultante torna a microbiota intestinal incapaz de cumprir as funções protetoras. A curto prazo, a disbiose deixa a porta aberta para patogénicos oportunistas e bactérias multirresistentes. A longo prazo, a microbiota intestinal, apesar de ter um certo grau de resiliência, às vezes não se consegue restaurar por completo1,2; A disbiose deve assim ser entendida como o abrir caminho para uma série de doenças. Pesquisas mais recentes demonstraram que os antibióticos podem alterar a diversidade bacteriana e a abundância da microbiota a normal e que este impacto pode ser prolongado (tipicamente 8-12 semanas após a interrupção dos antibióticos)3,4.

35%

A diarreia ocorre em 35% dos doentes que tomam antibióticos3,5,6

A diarreia é efeito adverso mais comum dos antibióticos

Como principal consequência a curto prazo, alguns doentes tratados com antibióticos sofrem uma mudança no trânsito intestinal, resultando na maioria das vezes em diarreia. A incidência de diarreia associada a antibióticos (DAA) depende de vários fatores (idade, tipo de antibiótico, etc.) e pode variar de 5 a 35% dos doentes que tomam antibióticos3,5,6.

Opinião de especialistas

Os antibióticos perturbam a microbiota intestinal protetora, o que pode levar a consequências involuntárias, incluindo diarreia associada a antibióticos (em 35% dos doentes) e o desenvolvimento de estirpes de bactérias patogénicas resistentes a antibióticos, que são uma preocupação global em relação ao aumento dos custos de saúde e mortalidade.

LYNNE MC FARLAND, PhD Epidemiologista Clínica Corpo de Reserva de Saúde Pública Universidade de Washington, Seattle

Nas crianças, essa percentagem pode atingir 80%3. Na maioria das vezes, a diarreia é puramente funcional, causada pela disbiose induzida por antibióticos. Geralmente é de intensidade leve e é autolimitada, com duração de 1-5 dias. Antibióticos que apresentam largo espectro de ação antimicrobiana como clindamicina, cefalosporinas e ampicilina/amoxicilina estão associados a maiores taxas de diarreia6.

Os antibióticos são uma descoberta científica extraordinária que salva milhões de vidas, mas a sua utilização excessiva e inapropriada tem agora suscitado sérias preocupações para a saúde, nomeadamente com a resistência aos antibióticos e a disbiose. Vejamos a sua página dedicada.

O papel ambivalente dos antibióticos

Ao destruírem as bactérias responsáveis pelas infeções, também têm impacto na m…

O caso particular de diarreia C. difficile

Em 10 a 20% dos casos, a diarreia resulta da infeção por Clostridioides difficile (anteriormente conhecido como Clostridium difficile) que coloniza a microbiota6. Esta bactéria, que persiste no meio ambiente através de esporos, é um gram-positivo, formador de esporos e anaeróbio obrigatório. A infeção ocorre através da ingestão de esporos. Em circunstâncias específicas (por exemplo, disbiose induzida por antibióticos), os esporos podem germinar e as células bacterianas vegetativas deste patogénico oportunista, podem colonizar os intestinos. Na fase infeciosa, o C. difficile produz 2 toxinas que danificam os colonócitos e desencadeiam uma resposta inflamatória com uma variedade de efeitos clínicos, variando de diarreia moderada a colite pseudomembranosa, megacólon tóxico e/ou morte.

 

FIGURA 2 : Efeitos da disbiose intestinal induzida por antibióticos (Fonte : Queen et al., 202010)

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1/3

Quase 1/3 dos casos de DAA são devidos a C. difficile3

Os fatores de risco comuns mais reconhecidos para a infeção com C. difficile (CDI) incluem idade > 65 anos, uso de inibidores da bomba de protões, comorbidades e, claro, o uso de antibióticos. Fator de risco modificável e relevantes para o CDI. A associação de antibióticos com CDI foi estabelecida em hospitais e, mais recentemente, em ambientes comunitários7, onde o risco de infeção varia para pessoas expostas a penicilinas, a fluoroquinolonas e maior para os que recebem clindamicina. Quanto às tetraciclinas não desencadeiam risco aumentado8. Em ambiente hospitalar, observou se o maior risco de desenvolver CDI para cefalosporinas (de 2ªa 4ªgeração), clindamicina, carbapenemas, trimetoprim - sulfonamidas, fluoroquinolonas e combinações de penicilina9.

Quando a microbiota intestinal se torna um reservatório de resistência a antibióticos

Quando expostas a antibióticos, as comunidades microbianas respondem a curto prazo não só alterando a composição, mas também evoluindo, otimizando e disseminando genes resistentes a antibióticos.A microbiota intestinal humana, excessivamente exposta a antibióticos, é agora considerada um reservatório significativo de genes de resistência, tanto em adultos como em crianças2. Ao contribuir para a crescente dificuldade de combater infeções bacterianas, a resistência aos antibióticos tornou-se uma das principais preocupações de saúde pública.

Uma porta aberta a doenças não transmissíveis

O desequilíbrio da microbiota intestinal resultante da exposição a antibióticos também é condicionante ao aumentar do risco de várias doenças crónicas por aumentar as respostas inflamatórias local e sistémica, levando a um metabolismo desregulado e comprometimento da homeostase imunológica10 (Figura 1). O período perinatal é caracterizado pelo desenvolvimento do sistema imunológico juntamente com a maturação da microbiota intestinal. Foi demonstrado ser um momento particularmente sensível, durante o qual a disbiose induzida por antibióticos se traduz em efeitos para a saúde a longo prazo, ou seja, um maior risco de doenças na idade adulta. Entre elas as doenças inflamatórias intestinais (por exemplo, a Doença de Crohn), doenças atópicas (por exemplo, asma) e distúrbios metabólicos (por exemplo, diabetes tipo 2, obesidade).

Caso clínico

por Lynne V. McFarland, PhD

  • Uma mulher de 53 anos consultou o seu médico, com história de 3 dias de sintomas do trato respiratório (tosse, dor de garganta e corrimento nasal) com febre e fadiga. Sem comorbidades e saudável. O médico prescreveu um exsudado nasofaríngeo e 10 dias de cefaclor oral (500 mg, b.i.d). As culturas de muco foram negativas aos patogénicos.

  • Internamento hospitalar ao 3º dia, com toma de antibióticos e desenvolvimento de diarreia aguda (fezes aquosas com 6 dejeções por dia, juntamente com cólicas abdominais). Sintomas respiratórios não resolvidos. As culturas laboratoriais (muco e fezes) foram negativas para patogénicos. Com a descontinuação dos antibióticos, a diarreia continuou nos dias seguintes.

  • O médico prescreveu-lhe eritromicina (500 mg t.i.d.) e um probiótico durante uma semana. Os sintomas respiratórios e a diarreia resolveram-se em quatro dias com alta médica depois de um dia sem complicações.

O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?

Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global. Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos. 

Fontes

1 Dethlefsen L, Relman DA. Incomplete recovery and individualized responses of the human distal gut microbiota to repeated antibiotic perturbation. Proc Natl Acad Sci U S A. 2011;108 Suppl 1(Suppl 1):4554-4561.

2 Francino MP. Antibiotics and the Human Gut Microbiome: Dysbioses and Accumulation of Resistances. Front Microbiol. 2016;6:1543.

3 McFarland LV, Ozen M, Dinleyici EC et al. Comparison of pediatric and adult antibiotic-associated diarrhea and Clostridium difficile infections. World J Gastroenterol. 2016;22(11):3078-3104.

4 Kabbani TA, Pallav K, Dowd SE et al. Prospective randomized controlled study on the effects of Saccharomyces boulardii CNCM I-745 and amoxicillin-clavulanate or the combination on the gut microbiota of healthy volunteers. Gut Microbes. 2017;8(1):17-32.

5 Bartlett JG. Clinical practice. Antibiotic-associated diarrhea. N Engl J Med 2002;346:334-9.

6 Theriot CM, Young VB. Interactions Between the Gastrointestinal Microbiome and Clostridium difficile. Annu Rev Microbiol. 2015;69:445-461.

7 Kuntz JL, Chrischilles EA, Pendergast JF et al. Incidence of and risk factors for community-associated Clostridium difficile infection: a nested casecontrol study. BMC Infect Dis. 2011;11:194.

8 Brown KA, Khanafer N, Daneman N et al. Meta-analysis of antibiotics and the risk of community-associated Clostridium difficile infection. Antimicrob Agents Chemother. 2013;57(5):2326-2332.

9 Slimings C, Riley TV. Antibiotics and hospital-acquired Clostridium difficile infection: update of systematic review and meta-analysis. J Antimicrob Chemother. 2014;69(4):881-891.

10 Queen J, Zhang J, Sears CL. Oral antibiotic use and chronic disease: long-term health impact beyond antimicrobial resistance and Clostridioides difficile. Gut Microbes. 2020;11(4):1092-1103.

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Detalhe do dossier Pediatria Gastroenterologia

A dupla face dos antibióticos: Salva-vidas e desreguladores da microbiota

Os Antibióticos foram uma das grandes descobertas do século XX. Apesar da sua utilidade inquestionável no combate a infeções, provocam atualmente problemas sérios de saúde, nomeadamente a disbiose da microbiota e resistência aos antibióticos.

Antibióticos e risco de DII: O que acontece nos adultos? E se a manipulação da microbiota puder melhorar a resposta à imunoterapia? Uma nova geração de agentes antibacterianos? Um plasmídio capaz de matar bactérias patogénicas

Introdução

Embora urja, o uso racional de antibióticos não devemos deixar de considerar que, ao longo dos últimos 80 anos, o uso generalizado salvou milhões de vidas. Os antibióticos são a principal arma na luta contra as infeções bacterianas. Juntamente com a vacinação adicionam atualmente cerca de 20 anos à vida média de um indivíduo1.

18 em cada 1.000 pessoas

“18 em cada 1.000 pessoas tomam antibióticos todos os dias5.”

De era dos antibióticos à era da microbiota

Infelizmente, os antibióticos eliminam não apenas as bactérias patogénicas, mas também as comensais2A microbiota intestinal é assim afetada para além de todas as outras microbiotas humanas (cutânea, pulmonar, urogenital...) que nos protegem contra o crescimento excessivo agentes de patogénicos. Embora seja difícil definir uma microbiota saudável com alguma precisão ou fornecer uma descrição adequada da disbiose, a ciência começa a compreender como os antibióticos afetam o funcionamento desses ecossistemas e também as consequências de tais mudanças para a saúde a curto e longo prazo3. (Ver Figura 1)

Disbiose

A “disbiose” não é um fenómeno homogéneo: varia de acordo com o estado de saúde de cada indivíduo. É comumente definida como uma alteração composicional e funcional na microbiota, motivada por um conjunto de fatores ambientais e inerentes ao hospedeiro que perturbam o ecossistema microbiano4 .

Resistência antimicrobiana: um problema de saúde pública mundial

Devido ao uso excessivo e indevido de antibióticos em humanos e animais, as bactérias responsáveis por infeções benignas e outras, patogénicas estão a tornar-se cada vez mais resistentes, e cada vez mais resistentes aos antibióticos. Em 2015, estimou-se que as bactérias patogénicas resistentes a antibióticos causam mais de 50.000 mortes cada ano na Europa e nos Estados Unidos3. “A resistência aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde global segurança alimentar e desenvolvimento”, afirma a OMS.

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Detalhe do dossier Pneumologia Pediatria Otorrinolaringologia Gastroenterologia

A microbiota intestinal

Microbiota intestinal: por que razão é tão importante para a nossa saúde?
Temos triliões1 de bactérias que povoam o nosso intestino, com poderes fascinantes para o corpo humano. Qual é a definição de microbiota intestinal? Vamos perceber como funciona a nossa microbiota intestinal e porque temos de cuidar dela!

The Gut microbiota

O que é, exatamente, a microbiota intestinal humana?

Já provavelmente ouviu falar em “flora intestinal”. Pois bem, ela designa-se cientificamente “microbiota intestinal”. Consiste em triliões1 de (sidenote: Microrganismos Organismos vivos que são demasiado pequenos para serem vistos a olho nu. Incluem as bactérias, os vírus, os fungos, as arqueias, os protozoários, etc., e são vulgarmente designados "micróbios". What is microbiology? Microbiology Society. ) que habitam o nosso intestino, nomeadamente bactérias, vírus, fungos (incluindo leveduras) e até parasitas.

A propósito, microbiota e microbioma são duas palavras usadas frequentemente como sinónimas, mas que têm significado diferente: enquanto microbiota se utiliza para falar sobre os microrganismos e responder à pergunta “Quem está lá?”, basicamente ao nível dos “indivíduos”, microbioma aplica-se ao respetivo genoma, “ao que está dentro deles”2 para responder à pergunta “o que é que eles fazem”, referindo-se à sua função.

Cada um de nós tem uma microbiota única, como uma impressão digital.1 Quando nascemos, os microrganismos fecais e vaginais transmitidos pela nossa mãe durante o parto vaginal, ou os microrganismos ambientais no caso do parto por cesariana,3 induzem o início de colonização da nossa microbiota intestinal.4 Demora cerca de três anos até que a microbiota intestinal se constitua, diversifique e estabilize.5 Durante a idade adulta,6 a composição da mesma é relativamente estável até à velhice, altura em que atravessa de novo mutações profundas, tornando-se ligeiramente mais empobrecida.7

100 milhões Há 100 milhões de milhões de bactérias "boas" que habitam o nosso intestino.

2.º a microbiota intestinal é frequentemente considerada como o segundo cérebro

Por que é que a microbiota intestinal é importante para a nossa saúde?

A microbiota intestinal pode ser considerada um órgão funcional do corpo humano. Porque é que devemos cuidar da nossa microbiotaTrabalha em estreita colaboração com os nossos intestinos e tem 4 papéis importantes:

Promove a digestão

ao ajudar à absorção pelas células intestinais dos nutrientes (açúcares, aminoácidos, vitaminas, etc.), ou à fermentação de uma pequena parte dos alimentos. Estes processos de fermentação produzem gases e vários metabolitos, incluindo ácidos gordos de cadeia curta, verdadeiro “combustível” para as células do nosso cólon.8

Desempenha um papel importante na maturação do aparelho digestivo,

ao ter intervenção ativa na produção do muco gastrointestinal, na irrigação das células intestinais e na atividade enzimática da mucosa.9

Funciona como barreira

contra os agentes patogénicos e as toxinas.10 Além disso, algumas bactérias libertam moléculas antimicrobianas que atacam as (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) , enquanto outras estimulam a produção de muco para proteger as células intestinais de ataques e evitar os efeitos nocivos para o nosso corpo.11

Desempenha uma função defensiva

no desenvolvimento do sistema imunitário humano. As bactérias da flora intestinal participam na maturação e ativação das células do sistema imunitário do intestino, que por sua vez nos protege contra os ataques de agentes patogénicos como bactérias e vírus. O intestino é o principal reservatório de células imunitárias do nosso corpo. Por seu turno, o sistema imunitário influencia a composição e a diversidade da microbiota.12 

O que é que afeta a nossa microbiota intestinal?

A composição da microbiota intestinal é caraterizada pela sua elevada diversidade (quantidade de espécies diferentes existentes num indivíduo) e pela sua abundância (número total de microrganismos presentes). Quando a composição é alterada, o equilíbrio é rompido e surge uma disbiose,13 que pode estar associada a várias doenças.

Numerosos fatores podem ter impacto na diversidade e composição da microbiota intestinal. De entre esses fatores, destacam-se os seguintes:

Fatores relacionados com o próprio indivíduo, como:

  • Idade 6
  • Genética 13 
  • Determinadas doenças e lesões 13 

Outros fatores associados ao contexto individual:

  • Uso de medicamentos: antibióticos, anti-inflamatórios, etc. 8 
  • Infeções (gastroenterite viral...) 13
  • Estilo de vida: dieta desequilibrada (alimentação rica em gorduras, por exemplo) ou alterações na mesma, stress, tabagismo, excesso de álcool, etc. 13

Quais são as doenças que podem estar ligadas à microbiota intestinal?

A disbiose, causa ou consequência destas doenças? A questão ainda não foi respondida com certeza por estudos científicos.

 

Vejamos algumas das doenças relacionadas com a disbiose intestinal:

  • A cólica infantil14  afeta 20 a 25% das crianças com idade entre 1 e 4 meses      

  • A diarreia associada a antibióticos15 surge em entre 5 e 35% dos pacientes que tomam antibióticos 

  • A diarreia do viajante é uma infeção causada pela ingestão de alimentos contaminados. Pode ocorrer síndrome do intestino irritável pós-infeciosa em 3% a 17% dos pacientes que tenham sofrido esta infeção16

  • A gastroenterite, geralmente benigna e com mais frequência viral, é responsável por mais de 200.000 mortes de crianças por ano em todo o mundo17  

  • A obesidade é uma doença crónica vulgar, dispendiosa e grave, e afetava 13% da população adulta do mundo (11% dos homens e 15% das mulheres) em 201618.

  • A SCI (síndrome do cólon irritável) é uma das afeções gastrointestinais mais funcionais, sendo caraterizada por dor abdominal e alterações nos hábitos intestinais do hospedeiro (obstipação, diarreia ou alternância entre ambas). A sua prevalência varia bastante de país para país19.

  • A doença de Crohn é uma doença inflamatória do intestino, na qual a inflamação pode atingir todo o sistema digestivo, desde a boca até ao ânus. Estudos recentes comprovam que a microbiota intestinal desempenha uma função importante na etiopatogenia dessa doença20.

  • O cancro do estômago21  e o cancro colorretal22  são dois cancros gastrointestinais associados com a disbiose da microbiota intestinal. 

Mas o papel da microbiota intestinal humana não se esgota no intestino: estudos recentes indicam que a microbiota intestinal pode ter um papel a desempenhar muito para além do trato gastrointestinal. De facto, a microbiota intestinal tem sido associada a várias doenças externas ao trato intestinal, por exemplo: acne,23 alergias24, obesidade,25, perturbações de ansiedade,26 perturbações do espectro autístico,26 etc., e ainda não é tudo. Parece que a microbiota intestinal poderá também estar associada a alterações neurodegenerativas, como as doenças de Alzheimer,27 ou de Parkinson.28 Efetivamente, existe comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, o chamado “eixo intestino-cérebro”, e a microbiota intestinal poderá influenciar estas interações. É por isso que há por vezes quem chame ao intestino o nosso segundo cérebro.

Como cuidar da nossa microbiota?

Agora já conhece o papel fulcral da microbiota intestinal na saúde humana. Então, como poderá cuidar da sua microbiota intestinal? Como reforçar a nossa microbiota intestinal? Muitos estudos científicos suscitaram a questão de se saber como evitar qualquer perturbação na sua composição e mantê-la o mais equilibrada possível.29 A resposta é mais difícil do que introduzir simplesmente as bactérias ou leveduras boas para preencher ou enriquecer a microbiota existente, ou substituir as más. De facto, a ideia será influenciar a microbiota para ajudá-la a funcionar sem problemas, melhorando assim a saúde do hospedeiro.30

Há várias formas de se afetar positivamente o equilíbrio e a diversidade da microbiota intestinal :

Dieta: a diversidade e qualidade daquilo que comemos contribui para o equilíbrio da nossa microbiota intestinal.31,32 Por outro lado, uma dieta mal equilibrada pode afetar a composição do nosso intestino e provocar várias doenças.33 É importante sabermos quais os tipos de alimentos que têm efeitos benéficos ou prejudiciais para mantermos o nosso intestino em forma!34

Probióticos: os probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, oferecem benefícios para a saúde do hospedeiro.35,36 

Prebióticos: os prebióticos são fibras alimentares não digeríveis específicas que protegem a saúde e que são utilizadas seletivamente pelos microrganismos benéficos na microbiota do hospedeiro.37,38 Alguns alimentos são particularmente ricos em prebióticos, e é por isso que é importante prestarmos atenção à nossa dieta. Quando aos prebióticos são adicionados probióticos em alguns produtos específicos, designamo-los simbióticos.39

Transplante: como no caso dos órgãos, a microbiota intestinal pode ser transferida para outra pessoa numa tentativa de restaurar o equilíbrio no seio do respetivo ecossistema microbiano intestinal.32 Conhecida por transplante de micobiota fecal (FMT), esta abordagem terapêutica só está homologada para a cura da Clostridioides difficile recorrente associada a doença,32 encontrando-se ainda sob investigação ativa para se avaliar seu efeito em outras afeções de saúde específicas, como a doença de Crohn, a colite ulcerosa, a síndrome do cólon irritável ou as doenças metabólicas,32 etc.. 

Oh! E mais uma coisa...

Agora que já leu tudo o que necessita de saber sobre a microbiota intestinal, temos também de lhe dizer que há microrganismos em todo o nosso corpo: na nossa pele,40 no trato urinário,41 na vagina,42 na boca,43 nos ouvidos,44 nos pulmões,45 e que, como no caso do intestino, esses microrganismos lá residentes desempenham um papel vital na manutenção do respetivo funcionamento, contribuindo para que nos mantenhamos saudáveis. Para saber mais, visite esta página.

Todas as informações contidas neste artigo são provenientes de fontes científicas aprovadas. Informamos que não são exaustivas.  Eis os estudos de onde extraímos todas estas informações

Observatório Internacional de Microbiotas

Descubra os resultados de 2023
BMI-21.10
Fontes

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Microbiota

Diarreia associada a antibióticos

Os antibióticos constituem uma ferramenta poderosa na luta contra as infeções bacterianas. Embora os tratamentos pareçam normalmente resultar sem que surjam efeitos secundários óbvios a curto prazo, o desequilíbrio da microbiota intestinal que eles causam  nos pacientes pode causar diarreia em até 35% destes1-3. Essa diarreia associada aos antibióticos pode, por vezes, ocultar uma infeção intestinal grave.3

A microbiota intestinal Probióticos
Antibiotic-associated diarrhea

Como é que os antibióticos desequilibram a flora intestinal?

Os antibióticos, embora eliminem os (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) responsáveis por determinada infeção, também podem destruir algumas bactérias benéficas da microbiota, causando sistematicamente um desequilíbrio mais ou menos importante dentro deste ecossistema. Este fenómeno, conhecido por (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) , será a causa da diarreia associada a antibióticos, uma vez que a microbiota intestinal fica com menos capacidade para cumprir as suas funções de proteção. A referida situação pode afetar até 35% dos pacientes,1-3 percentagem que nas crianças pode mesmo atingir os 80%.1

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Antibióticos PT

Além disso, a microbiota intestinal, apesar de possuir um certo nível de resiliência (ou seja, a sua composição regressar a uma composição próxima da que tinha antes do desequilíbrio induzido pelos antibióticos), pode, por vezes, não recuperar inteiramente.4,5 Um estudo recente demonstrou que os antibióticos podem alterar a diversidade e a abundância de bactérias, e que esse desequilíbrio pode ser prolongado (geralmente de 8 a 12 semanas após a cessação do tratamento).1,6

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Antibióticos são bem conhecidos por destruir patógenos, mas poucos sabem que eles também podem eliminar certas bactérias benéficas, chamadas comensais de nossa microbiota

Na maioria dos casos, trata-se de uma diarreia sem outros sintomas 

A principal consequência a curto prazo de um tratamento com antibióticos é uma alteração do trânsito intestinal em alguns pacientes, que na maioria das vezes resulta em diarreia. Esta define-se pela emissão, pelo menos três vezes, de fezes muito moles a líquidas, nas 24 horas seguintes ao início de um  tratamento com antibióticos, ou até 2 meses após a sua cessação.7-9 A incidência da diarreia associada aos antibióticos depende de vários fatores (idade, contexto, tipo de antibiótico, etc.). Na grande maioria dos casos, a diarreia é de origem funcional, ou seja, encontra-se associada a um desequilíbrio da microbiota intestinal, sendo geralmente de intensidade ligeira a moderada.1 Os antibióticos com atividade antimicrobiana de mais largo espectro (ou seja, que atuam sobre um maior número de bactérias) estão associados a taxas mais elevadas de ocorrência de diarreia.3 

Os antibióticos salvam vidas! Sabia que eles também têm impacto na sua microbiota? Sabia que a má utilização e o uso excessivo de antibióticos pode levar à resistência aos antibióticos? Já ouviu falar da Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW)? Todas as respostas nesta página :

Antibióticos: que impacto na microbiota e na saúde?

Saiba mais

No entanto, em 10 a 20% dos casos, a diarreia resulta de uma infeção por Clostridioides difficile (C. difficile): uma bactéria que se pode tornar patogénica sob a influência de certos fatores, como a toma de antibióticos, por exemplo, mas também a idade acima dos 65 anos ou mesmo certas patologias associadas3... A colonização da microbiota intestinal por esta bactéria desencadeia uma reação inflamatória, com consequências clínicas que vão desde diarreia moderada até sintomas muito mais graves e mesmo à morte3.

A suspensão da toma de antibióticos é o tratamento mais eficaz?

O tratamento da diarreia associada a antibióticos depende dos sintomas e do agente patogénico (C. difficile, por exemplo).10 Em casos de diarreia leve a moderada, o tratamento baseia-se na interrupção da toma do antibiótico em questão (ou na sua substituição por outro antibiótico com menor probabilidade de causar diarreia), para permitir que a microbiota se restabeleça e que o paciente se reidrate.10

Múltiplos estudos demonstraram já o valor dos probióticos quanto a permitirem a reconstituição da microbiota intestinal: alguns probióticos demonstraram ser eficazes na prevenção e no tratamento da diarreia associada aos antibióticos.13-15 Comprovou-se que há outros probióticos cuja toma durante o tratamento com antibióticos reduz o risco de uma primeira infeção por C. difficile, bem como de infeções recorrentes.6,11,12 Para terminar, o transplante de microbiota fecal, que consiste em implantar por via natural uma microbiota sã na pessoa doente para restaurar o seu ecossistema microbiano, está por enquanto restrito aos casos mais graves de infeções: apenas está indicado para o tratamento de recidivas de infeções pela bactéria patogénica C. difficile16,17

Este artigo recorre a fontes científicas homologadas, mas não substitui o aconselhamento médico. Em caso de sintomas, não hesite em consultar o seu médico generalista ou o pediatra dos seus filhos.

O que é a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM?

Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Conscientização sobre a RAM (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência antimicrobiana mundial.

A resistência antimicrobiana ocorre quando as bactérias, vírus, parasitas e fungos alteram-se com o tempo e já não respondem aos medicamentos. Como resultado da resistência aos medicamentos, os antibióticos e outros medicamentos antimicrobianos tornam-se ineficazes e as infeções tornam-se cada vez mais difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de doenças, doenças graves e morte.

Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizar cuidadosamente antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasíticos, de forma a evitar o surgimento futuro de resistência antimicrobiana. 

Fontes

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Doença

Gastroenterite infeciosa

Crianças, adolescentes, adultos... é difícil não se vir a ter gastroenterite pelo menos uma vez na vida. Ela representa a segunda causa de morte a nível mundial.1 Mas podemos ficar descansados, a gastroenterite infeciosa pode ser prevenida através de medidas de higiene. Está a ser, entretanto, cada vez melhor tratada.2 Além disso, mediante ação no sentido de restaurar a microbiota intestinal, a gravidade e a duração dos sintomas podem ser limitadas.3

A microbiota intestinal Diarreia do viajante
Gastroentérites-bandeau-article-1

O que é a gastroenterite infeciosa? Qual a sua relação com a microbiota intestinal?

A gastroenterite é uma doença diarreica, com sintomas geralmente impressionantes e que desaparecem rapidamente na maioria dos casos.4 Observa-se um desequilíbrio da microbiota intestinal nos pacientes afetados.5 Este pode persistir após a resolução da infeção, e estar associado a um risco agravado de desenvolvimento de patologias crónicas.6

Já sabia?

A palavra "gastroenterite" vem das palavras gregas gastron, que significa "estômago", e enteron, que significa "intestino delgado". Este termo indica que se trata de uma inflamação do estômago e do intestino delgado.7

Geralmente benigna nos países ocidentais, a gastroenterite infeciosa é uma das principais causas de óbito nos países em desenvolvimento, principalmente entre as crianças menores de 5 anos,4 constituindo um grave problema de saúde pública, uma vez representa 10% das causas de morte infantil.1 A mais elevada taxa de mortalidade situa-se nos países em vias de desenvolvimento,8 onde a hospitalização está frequentemente9 ligada aos casos graves de desidratação por ela ocasionados. Qual a sua causa? A ingestão de um microrganismo (sidenote: Agente patogénico Um agente patogénico é um microrganismo que provoca ou pode provocar uma doença. Pirofski LA, Casadevall A. Q and A: What is a pathogen? A question that begs the point. BMC Biol. 2012 Jan 31;10:6. ) : um vírus – este é o caso mais frequente – tratando-se então de uma gastroenterite viral.

O rotavírus é, aliás, um dos principais vírus responsáveis por gastroenterites virais em todo o mundo e por diarreias fatais nas crianças dos países em vias de desenvolvimento, apesar da existência de uma vacina disponível.10 Claro que há outros vírus que também podem ser responsáveis (norovírus, adenovírus, etc.).4 Mas a gastroenterite também pode ser causada por bactérias (gastroenterite bacteriana) ou por parasitas, especialmente quando se viaja.7 No entanto, verifica-se que o agente patogénico raramente é confirmado.11

O contágio ocorre através de alimentos ou água contaminados, ou diretamente mediante o contacto físico de uma pessoa com outra, agravado por medidas de higiene inadequadas.6 Os dados que confirmam a associação entre a microbiota intestinal e a gastroenterite ainda são muito limitados. Contudo, verifica-se um desequilíbrio intestinal ( (sidenote: Disbiose A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano. Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232. ) ) nos pacientes durante a infeção, independentemente da causa da mesma.5,12,13 Há estudos que asseveram que as crianças afetadas por gastroenterite viral grave e complicada, e em particular as infetadas por rotavírus, apresentam diversidade reduzida no seio da sua microbiota intestinal em comparação com as crianças saudáveis.14 Por outro lado, outros estudos sugerem que as alterações na microbiota intestinal podem persistir a longo prazo e ter consequências perniciosas para a saúde, nomeadamente mediante a promoção do desenvolvimento da síndrome do intestino irritável.15 Contudo, os dados atuais sobre a contribuição da microbiota intestinal para o aparecimento, as complicações e a evolução da doença necessitam de investigação mais aprofundada.

Sintomas que às vezes são impressionantes, mas que não duram muito

Além de diarreias (que se definem como a emissão, pelo menos 3 vezes, de fezes moles ou líquidas num dia)6, outros sintomas podem surgir, como  náuseas, vómitos, cólicas abdominais, febre ou ainda anorexia.16 Os sintomas de gastroenterite viral duram normalmente menos de uma semana, apresentando melhoras, regra geral, passados 1 a 3 dias.4 Deve ser prestada especial atenção às crianças, aos idosos e às pessoas imunodeprimidas, que apresentam maior risco de desidratação.4 Em alguns casos, o médico pode ter de prescrever exames complementares (análises às fezes, análises ao sangue, etc.) para excluir a possibilidade de outras patologias.4

Os antibióticos são muitas vezes inúteis ou mesmo contraproducentes 

Independentemente da causa da gastroenterite infeciosa, a terapêutica é sintomática.4 A reidratação constitui o principal tratamento para a diarreia.6 Longe de ser indispensável, o tratamento por antibióticos só se justifica se for confirmada a origem bacteriana da diarreia.11 Se a causa for essencialmente viral, os antibióticos podem até ser contraproducentes.11 Pelo contrário, a toma de probióticos com o objetivo de restaurar a microbiota intestinal pode limitar a extensão e a duração dos sintomas7,17.

Este artigo recorre a fontes científicas homologadas, mas não substitui o aconselhamento médico. Em caso de sintomas, consulte o seu médico generalista ou o pediatra dos seus filhos.

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