A disbiose intestinal e a inflamação sistémica observadas nos pacientes com VIH parecem estar presentes antes da seroconversão e aumentam a vulnerabilidade à infeção, revela um recente estudo americano1. Esta perspetiva inesperada sobre as ligações entre o VIH e a microbiota intestinal poderá abrir caminho para novas opções específicas de prevenção direcionada.
A poucos dias do Dia Mundial de Luta contra a SIDA, a 1 de Dezembro, análise relações entre o VIH e a microbiota. Os estudos que demonstram a associação entre a infeção pelo VIH e alterações na microbiota intestinal (MI) são numerosos, mas principalmente transversais e metodologicamente heterogéneos, e portanto sujeitos a várias distorções. Sabe-se que a infeção pelo VIH é acompanhada de disbiose intestinal e de uma translocação bacteriana responsável pela inflamação sistémica, mas o curso desses eventos não é totalmente compreendido. Além disso, estudos recentes apuraram que além da idade, da alimentação ou da toma de antibióticos, o comportamento sexual também exerce influência sobre a MI, independentemente do estado serológico2,3, o que complica ainda mais as pistas.
Um estudo longitudinal com vieses controlados
No sentido de avaliar as mudanças que ocorrem na IM e nos marcadores inflamatórios durante a infeção pelo VIH, os investigadores selecionaram amostras fecais e de sangue de quatro diferentes estudos longitudinais (EUA e Peru) realizados em períodos de 4 meses a 2 anos junto de homens que mantêm relações sexuais com outros homens. Entre estes, 27 estavam infetados pelo VIH. As amostras dos participantes infetados foram comparadas com as de 28 indivíduos de controlo com características demográficas e comportamentais semelhantes.
Alterações na MI e nos marcadores inflamatórios anteriormente à seroconversão
Os investigadores identificaram mudanças mínimas na MI dos indivíduos infetados pelo VIH durante a fase aguda. Apenas foi observado um aumento de Fusobacterium mortiferum logo após a seroconversão, bem como uma diminuição de Prevotella intermedia em um subgrupo de um estudo norte-americano. As diferenças mais significativas foram encontradas entre os sujeitos pré-infetados e os controlos. A microbiota intestinal desses sujeitos pré-infetados mostrou uma diminuição em várias espécies de Bacteroides e um aumento de Megasphaeraelsdenii. Os mesmos tinham também níveis plasmáticos mais elevados de citocinas inflamatórias: fator de ativação das células B, IL-8, TNFα.
A microbiota intestinal, uma opção para uma prevenção direcionada?
Segundo os seus autores, este estudo sugere que a alteração da MI será preexistente à infeção. Apoiado por resultados semelhantes de outra equipa americana4, ele sugere que esta disbiose intestinal pode contribuir para a infeção em vez de dela resultar, mesmo que possa ser também observada no estadio crónico. De facto, o período de observação do estudo foi demasiado curto para que os investigadores pudessem identificar mudanças subsequentes. Outras limitações relacionadas com o pequeno número de participantes e com as respetivas especificidades (sexo, idade, uso de drogas, comportamento sexual, etc.) também não permitem a generalização dos dados. No entanto, os investigadores acreditam que a identificação de uma assinatura intestinal de suscetibilidade ao VIH e/ou de marcadores inflamatórios pode constituir uma nova ferramenta para a prevenção direcionada.
Noguera-Julian M, Rocafort M, Guillen Y, et al. Gut microbiota linked to sexual preference and HIV infection. EBioMedicine. 2016;5:135–146.
Armstrong AJS, Shaffer M, Nusbacher NM, et al. An exploration of Prevotella-rich microbiomes in HIV and men who have sex with men. Microbiome. 2018;6(1):198
A infeção pelo VIH está associada a um desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose): há vários estudos que já demonstraram isso. Mas alguns investigadores americanos1 fizeram uma descoberta surpreendente: essa disbiose precede a infeção e pode até representar um potencial fator de risco para a mesma.
Para os cientistas, uma "associação" mostra que dois fenómenos ocorrem simultaneamente, não que eles tenham uma relação de causa e efeito! A disbiose intestinal (ou seja, um desequilíbrio na composição da flora) observada nas pessoas infetadas pelo vírus da imunodeficiência adquirida (VIH) deve-se à infeção ou será uma consequência da mesma? Ou ambas as coisas? A poucos dias do Dia Mundial da luta contra o SIDA a 1 de dezembro, continua a ser difícil ter uma opinião firmada: não só o estado da microbiota intestinal antes da infeção não é necessariamente conhecido, como há muitos outros fatores que influenciam o aparecimento da disbiose: a idade, a alimentação, a toma de antibióticos… e até mesmo o comportamento sexual, de acordo com alguns dados recentes2,3.
Para esclarecer o assunto, investigadores americanos recolheram amostras da microbiota intestinal de cerca de cinquenta homens que praticam sexo com outros homens, reunidas ao longo de vários estudos. Selecionaram indivíduos com perfil semelhante (idade, etnia, comportamento sexual, etc.), metade dos quais havia sido infetado pelo VIH durante esses estudos e a outra metade não. Puderam assim comparar a microbiota intestinal de homens infetados antes e logo após a respetiva infeção, e também a destes com a de indivíduos saudáveis “comparáveis” não infetados.
38 milhões
No final de 2021, havia em todo o mundo aproximadamente 38 milhões de pessoas que viviam com HIV, mais de 2/3 das quais em África.
Modificações mínimas da microbiota entre antes e depois da infeção pelo VIH…
Primeiro resultado: durante a fase aguda da infeção pelo VIH, a composição da microbiota intestinal dos homens muda muito pouco. Apenas foi observado um aumento de Fusobacterium mortiferum. Esta espécie bacteriana, que normalmente não existe na flora intestinal, já foi associada ao VIH em outros estudos.
… mas diferenças notáveis antes da infeção
Em contrapartida, a microbiota intestinal dos homens que posteriormente foram infetados com o VIH (portanto, a microbiota intestinal “pré-infeção”) apresentou diferenças em relação à dos indivíduos que serviam de controlo (que não se infetaram). Nomeadamente, menos bactérias do grupo Bacteroides e um aumento de outras (Megasphaera elsdenii, Acidaminococcus fermentans e Helicobacter cinaedi). Este tipo de disbiose já foi habitualmente observado nos indivíduos infetados com VIH. Só que neste novo estudo, o desequilíbrio intestinal pareceu já estar presente antes da infeção, o que contribuirá ou não para a suscetibilidade à infeção pelo VIH, segundo os autores.
Transmissão do VIH
O VIH é um vírus transmitido por via sexual, através do sangue e da mãe para filho (durante a gravidez, o parto ou a amamentação). Ataca as células portadoras de um recetor "CD4", em particular as células imunitárias, os linfócitos T. Os linfócitos T são um tipo de glóbulos brancos que desempenham uma importante função imunitária na defesa do organismo contra o ataque de agentes microbianos externos (bactérias, vírus ou fungos), ou outros tipos de invasores.
A infeção pelo VIH ocorre em 3 fases sucessivas ao longo de uma média de 10 anos (com diferenças significativas entre indivíduos):
A fase aguda ou infeção primária começa 10 a 15 dias após a contaminação e dura aproximadamente 2 semanas. O vírus invade o organismo, penetra nas células CD4 e é combatido pelo sistema imunitário. É um estágio que pode ser assintomático ou manifestar-se por sintomas semelhantes aos da gripe.
A fase crónica resulta no esgotamento do sistema imunitário, principalmente através de uma perda progressiva de células T CD4. Pode durar vários anos e ser acompanhada de pequenas perturbações cutâneas e digestivas, febre ligeira, suores noturnos, etc.
A fase de SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) corresponde a um nível muito baixo de linfócitos T CD4 e ao surgimento de doenças oportunistas (que “aproveitam” a fragilidade do sistema imunitário para se desenvolverem), como infeções graves ou certos tipos de cancro4.
Microbiota intestinal e VIH: uma nova arma de prevenção?
Isto significa que a composição da microbiota intestinal desempenha algum papel na suscetibilidade à infeção pelo VIH? Apoiando-se também nas descobertas semelhantes de outra equipa americana5, os investigadores acreditam que esta pista deve ser seguida em estudos com maior número de participantes. A esperança deles? Que a determinação de um “perfil de microbiota intestinal” associado a uma maior suscetibilidade à infeção possa contribuir para uma prevenção mais direcionada. E porque não, mediante intervenção na microbiota intestinal das pessoas em risco6.
Esta descoberta não contradiz a ideia de que o próprio VIH causa disbiose, apontam os investigadores: a curta duração do estudo simplesmente não permitiu observar as alterações na composição da microbiota intestinal que ocorrem na fase crónica de infeção pelo VIH. Os resultados, por terem sido obtidos num pequeno grupo com um perfil específico, também não podem ser generalizados para toda a população.
Noguera-Julian M, Rocafort M, Guillen Y, et al. Gut microbiota linked to sexual preference and HIV infection. EBioMedicine. 2016;5:135–146.
Armstrong AJS, Shaffer M, Nusbacher NM, et al. An exploration of Prevotella-rich microbiomes in HIV and men who have sex with men. Microbiome. 2018;6(1):198.
Collège des Universitaires de Maladies Infectieuses et Tropicales. Infection à VIH, UE6 n° 165. ECN Pilly 6ème édition 2020. Alinéa Plus, Paris ; p 195-210
Há milhões de pessoas em todo o mundo a beberem álcool regularmente, mas nem todas desenvolvem perturbações relacionadas com essa ingestão. Um estudo publicado na Translational Psychiatry1 sugere que a composição da microbiota intestinal pode ajudar a explicar as diferenças interindividuais nos padrões de consumo.
A microbiota intestinal interage com o sistema nervoso central e tem intervenção em várias doenças, incluindo as mentais. É ela que determina como o organismo se adapta e reage ao seu ambiente, o que poderá incluir o consumo de álcool. Alguns indivíduos parecem apreciar e/ou tolerar mais o álcool que outros, ou serem mais propensos ao abuso e à dependência do mesmo. Investigadores espanhóis quiseram explorar as ligações entre a microbiota intestinal e o comportamento alcoólico em seres humanos e em animais.
3 milhões
Todos os anos, o consumo excessivo de álcool é responsável por 3 milhões de mortes em todo o mundo.
A microbiota e o trânsito intestinais são modificados nos maiores bebedores
Os cientistas avaliaram através de questionário o consumo semanal em gramas de álcool de 507 estudantes (83,3% de mulheres, média de idades 19,8 anos) tendo em conta o tipo e a quantidade de álcool, o intervalo entre 2 doses e o peso do participante. A aparência das fezes dos participantes foi também classificada de acordo com a escala de Bristol. Enquanto quase 55% deles apresentaram-nas de tipo 3, os maiores bebedores surgiram com fezes do tipo 1 e foi constatada uma associação linear entre o consumo de álcool e as fezes do tipo 1. Um resultado inesperado, já que o abuso de álcool está geralmente associado a diarreia. Para estudarem o efeito do consumo de álcool na composição da microbiota intestinal, os investigadores analisaram as amostras fecais de 17 indivíduos abstémios da coorte e dos 17 indivíduos que consumiam mais álcool. A (sidenote:
Diversidade α
Uma medida que indica a diversidade de uma única amostra, ou seja, o número de diferentes espécies presentes num indivíduo.
Hamady M, Lozupone C, Knight R. Fast UniFrac: facilitating high-throughput phylogenetic analyses of microbial communities including analysis of pyrosequencing and PhyloChip data. ISME J. 2010;4:17-27. https://www.nature.com/articles/ismej200997) não diferiu significativamente entre os dois grupos, mas a (sidenote:
diversidade β
Uma medida que indica a diversidade de espécies entre amostras, permite avaliar a variabilidade da diversidade de microbiota entre sujeitos.
Hamady M, Lozupone C, Knight R. Fast UniFrac: facilitating high-throughput phylogenetic analyses of microbial communities including analysis of pyrosequencing and PhyloChip data. ISME J. 2010;4:17-27. https://www.nature.com/articles/ismej20099) apresentou um aumento das actinobactérias no segundo.
As perturbações geradas pelo consumo excessivo de álcool afetarão cerca de 107 milhões de pessoas em todo o mundo (70% do sexo masculino). As faixas etárias mais afetadas situam-se entre os 25 e os 34 anos de idade. Na Rússia, 1 em cada 10 pessoas com idades compreendidas entre os 30 e os 34 anos sofre de alcoolismo2.
Ratos transplantados desenvolvem apetite por álcool
Os investigadores induziram depois dependência alcoólica a 8 ratos mediante a administração intragástrica de álcool durante 10 dias, até que os sintomas de abstinência surgissem. Foram colhidas amostras fecais desses animais para transplante em ratos recetores. Duas semanas depois, esses animais apresentaram, em comparação com os ratos de controlo, um maior consumo voluntário de álcool (27,4%). Esse prazo poderá demonstrar que a nova microbiota foi a causa e não a consequência do aumento do consumo de álcool. A análise da microbiota intestinal dos ratos doadores intoxicados e da dos respetivos recetores indicou que o género Porphyromonas, em redução nesses animais em relação aos controlos, poderá estar associado a esse desejo de consumir. Os investigadores não detetaram géneros bacterianos aumentados, mas observam que em outros estudos com ratos alcoólicos, as actinobactérias sugiram em maior abundância, à semelhança dos seres humanos.
Segundo eles, a microbiota implantada será um fator de predisposição que, face ao álcool, aumentará no recetor determinadas populações de bactérias que beneficiarão mais desse álcool. Além disso, uma vez que os ratos recetores apresentaram uma redução na atividade locomotora, poderá também modificar o comportamento alcoólico ao influenciar a neurotransmissão de dopamina cerebral e o sistema de recompensa.
Tratar as perturbações relacionadas com o consumo de álcool graças à microbiota
Em conclusão, os autores acreditam que este estudo aponta na direção de uma ligação entre a microbiota intestinal e o consumo de álcool. Melhor ainda, pensam que intervir na microbiota intestinal através de probióticos e/ou prebióticos poderá ajudar a tratar as perturbações geradas pelo consumo excessivo de álcool. Os géneros e as espécies mais adequados estão ainda por determinar.
Apetência, tolerância, abuso, dependência… Diante do álcool, não somos todos iguais. Múltiplos fatores biológicos ou ambientais influenciam a nossa motivação para bebermos e a nossa vulnerabilidade ao alcoolismo. A nossa microbiota intestinal é um deles, de acordo com uma publicação da revista Nature1.
Os estudos comprovam: o álcool influencia a composição da nossa microbiota intestinal… que por sua vez influencia o nosso comportamento. Mesmo face ao álcool? Investigadores espanhóis decidiram verificar esse facto comparando o consumo semanal de álcool e as análises da microbiota intestinal de 507 estudantes. Em primeiro lugar descobriram que quanto mais os participantes eram "grandes bebedores", mais duras eram as suas fezes, típicas da obstipação. Uma surpresa, porque se pensava que o álcool gerava sobretudo diarreias. Descobriram depois que entre os alunos que bebiam mais álcool e os que não bebiam, a principal diferença quanto à composição da sua flora intestinal dizia respeito à classe das (sidenote:
Actinobactérias
As actinobactérias são um dos 4 principais grupos bacterianos (filos) da microbiota intestinal, juntamente com os Bacteroidetes, Firmicutes e Proteobacteria. Entre as actinobactérias, é possível citar as Bifidobactérias que são as mais representadas no âmbito da flora intestinal.
Binda C, Lopetuso LR, Rizzatti G, et al. Actinobacteria: a relevant minority for the maintenance of gut homeostasis. Digestive and Liver Disease. 2018 May 1;50(5):421-8.), com os primeiros a terem nitidamente mais que os segundos.
As perturbações relacionadas com o consumo de álcool, um problema de saúde pública
Cancro, doenças hepáticas (cirrose, hepatite, pancreatite, etc.), doenças cardiovasculares, afeções cognitivas, problemas psíquicos... Os transtornos relacionados com o consumo de álcool, ou, por outras palavras, o consumo excessivo de álcool que gera problemas de saúde, afetam mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. As faixas etárias mais afetadas situam-se entre os 25 e os 34 anos de idade. Na Rússia, 1 em cada 10 pessoas com idades compreendidas entre os 30 e os 34 anos sofre de alcoolismo2. Todos os anos, o consumo excessivo de álcool mata 3 milhões de pessoas em todo o mundo3.
Os ratos que recebem a microbiota de congéneres alcoólicos tornam-se “sequiosos”!
Os cientistas prosseguiram as suas pesquisas com ratos: tornaram alguns desses animais viciados em álcool e transplantaram a sua microbiota fecal para ratos “sóbrios”. Duas semanas após o procedimento, estes últimos preferiam beber água com álcool a beberem água pura quando podiam escolher entre as duas, em comparação com os ratos “controlo”. Esse prazo poderá sugerir que a mudança da composição da microbiota foi a causa e não a consequência do aumento do consumo de álcool, segundo os investigadores. No rato recetor, a microbiota intestinal de rato viciado em álcool tornar-se-á um fator de predisposição para um aumento do desejo de consumir álcool, o que só por si aumentará a proliferação de determinadas bactérias "apreciadoras de álcool". Por intermédio do “eixo intestino-cérebro”, poderá também afetar os circuitos neurológicos designados “de recompensa”, que participam no desenvolvimento das dependências.
Quem bebeu… já não vai beber mais graças a probióticos?
A análise da microbiota intestinal dos ratos alcoólicos doadores e recetores indica que o género bacteriano Porphyromonas, em redução relativamente aos controlos, poderá estar associado ao seu desejo acrescido de consumir. Os investigadores não detetaram géneros bacterianos especificamente aumentados, mas observam que em outros estudos, tal como nos seres humanos, as actinobactérias sugiram em maior abundância nos ratos alcoólicos. Contudo, acreditam que nos seres humanos, intervir na microbiota intestinal, através de probióticos e/ou prebióticos, poderá ajudar a tratar as perturbações geradas pelo consumo excessivo de álcool. Os géneros e as espécies mais adequados estão ainda por descobrir!
Advertência
O abuso do álcool é perigoso para a sua saúde, consuma com moderação.
Um estudo clínico aleatório e controlado mostrou que as microbiotas intestinal e oral são influenciadas pela ingestão de edulcorantes. Isto pode provocar modificações metabólicas que podem perturbar a resposta glicémica.
Trata-se de uma estratégia muito conhecida: para evitar ganhar peso, na nossa alimentação, o açúcar é trocado por edulcorantes não calóricos (NNS -non nutritive sweeteners). Apesar destes ingredientes serem geralmente considerados como não tendo riscos, trabalhos anteriores em ratos mostraram que podiam perturbar a microbiota intestinal e a resposta glicémica. A mesma equipa, desta vez, explorou os efeitos dos NNS no homem através de um ensaio aleatório e controlado reunindo 120 adultos de boa saúde distribuídos por 6 grupos. Quatro grupos deveriam consumir respetivamente saquetas com sucralose, com sacarina, com aspartamo e com estévia - com (sidenote:
A dose diária admissível ou DIA é a quantidade estimada de uma substância presente nos alimentos ou na água consumida diariamente durante toda a sua vida sem apresentar risco apreciável para a saúde.
) estabelecidas para estas substâncias. A glicose presente nas saquetas de edulcorantes (ingredientes suporte), um quinto grupo recebia saquetas de glicose (controlo com glicose) enquanto um sexto não recebia nenhum suplemento (controlo sem suplemento).
25,1% das crianças e 41,4% dos adultos norte-americanos
consumiram NNS entre 2009 e 2011, segundo os inquéritos anteriores.
Os edulcorantes modificam a mirobiotoa e as suas funções...
A sequência (shogtun) mostra que os 4 edulcorantes provocam modificações específicas (isto é, próprias de cada NNS) na composição e/ou nas funções metabólicas da microbiota intestinal como na oral. O efeito mais impactante sobre a microbiota intestinal foi observado após a ingestão de sucralose. Entretanto, apenas a sucralose e a sacarina afetavam significativamente a tolerância à glicose com uma elevação da glicemia nestes grupos.
... com possíveis consequências sobre a resposta glicémica
As modificações observadas na microbiota intestinal, tanto das suas funções como nos metabólitos circulantes sob o efeito dos diferentes NNS, estavam correlacionados com as respostas glicémicas dos participantes. Para determinar se as alterações podiam estar na origem dos distúrbios glicémicos, os investigadores transplantaram em (sidenote:
Ratos axénicos
Ratos sem germes, criados em ambiente estéril
) a microbiota intestinal de alguns indivíduos selecionados nos 4 grupos da experiência: aqueles cuja resposta glicémica era mais influenciada (“top responders”) e a menos influenciada ("botton responders") pelos NNS. As respostas glicémicas observadas em ratos eram a imagem das observadas nos doadores, corroborando assim para a hipótese causal.
Uma microbiota específica, uma resposta personalizada aos NNS
Enfim, os investigadores mostraram que a microbiota intestinal dos top responders versus o bottom responders possuem evoluções diferentes durante a sua exposição aos diferentes NNS, que poderiam depender do seu estado no início do estudo. Os investigadores comparam a microbiota a um centro de reatividadeou um adaptador que condiciona a resposta fisiológica aos edulcorantes, com os efeitos apenas em certos indivíduos com uma microbiota específica.
Pensava que os edulcorantes prestavam-lhe serviço limitando o consumo de açucar e o seu ganho de peso? Nem tanto. Um estudo no Homem evoca os efeitos preocupantes sobre a glicemia, mais ou menos marcados e que dependeriam da composição da microbiota intestinal. Explicações.
O prazer sem culpa, o doce gosto do açúcar sem as calorias - nem os problemas de saúde suscetíveis de aparecer (obesidade, diabetes...), no caso de excesso de aporte: esta é a promessa dos edulcorantes, estes substitutos do açúcar colocados tanto nas bebidas como nos refrigerantes “light” além dos alimentos como nos biscoitos com baixo teor de gordura cujo consumo cresce dia a dia. Seria muito bom para ser verdade? É o que sugere um estudo israelita conduzido em 120 adultos cujos investigadores pediram para consumir, durante 2 semanas, um dos 4 edulcorantes seguintes: sucralose, sacarina, aspartame e stévia.
25,1% das crianças e 41,4% dos adultos norte-americanos
consumiam NNS entre 2009 e os números cresceram em relação às pesquisas anteriores.
Um impacto na glicemia que varia de acordo com os indivíduos
Ironia da ciência, os grupos que receberam certos substitutos do açúcar, a sucralose ou a sacarina, não demoraram a mostrar uma elevação anormal da taxa sanguínea... de açúcar (glicemia). Entretanto, no mesmo grupo, as respostas glicémicas, muito heterogéneas, eram observadas de um indivíduo para outro. Tendo em conta esta heterogeneidade, os olhares dos investigadores voltaram-se para o microbiota intestinal, específico de cada indivíduo e já conhecido por desempenhar um papel direto na digestão. Eles constataram, então, que os 4 edulcorantes modificavam, cada um da sua forma, a composição da microbiota intestinal (e oral) e/ou as suas funções. Estas modificações estavam correlacionadas com os efeitos observados na glicemia, sugerindo que eles poderiam estar na sua origem.
A microbiota intestinal, o “centro” dos edulcorantes
Para ter a certeza, os investigadores transferiram a microbiota intestinal dos participantes para os chamados ratos (sidenote:
Ratos axénicos
Ratos sem germes, criados em ambiente estéril
). Esta manipulação por si só foi suficiente para reproduzir ratos recetores, sendo que as respostas glicémicas observadas confirmaram a sua hipótese. Quer dizer que a glicemia dos ratos se elevava se eles recebessem a microbiota dos participantes cuja glicemia se encontrava igualmente alterada. Os investigadores compararam, assim, a microbiota com um centro de reatividade que reagiria mais ou menos aos edulcorantes, segundo a sua composição.
Apesar de certos indivíduos parecerem mais protegidos do que outros pela sua microbiota em relação aos edulcorantes, estes resultados põem seriamente em causa a suposta inércia destas substâncias. Na espera de novos estudos que permitirão esclarecer as recomendações de saúde, o seu próximo refrigerante, seja ele açucarado ou edulcorado, corre o risco de o deixar com um gosto amargo.
Como monitorizar os genes resistentes aos antibióticos? Como preveni-lo? Qual a relação entre a resistência aos antibióticos e a microbiota? Todas as suas perguntas respondidas aqui.
Para assinalar a Semana Mundial da Consciencialização Antimicrobiana (18-24 de novembro), o Instituto Microbiota está a divulgar a palavra a dois peritos em resistência aos antibióticos: (sidenote:
A Dra. Windi Muziasari ganhou anos de experiência e conhecimentos para monitorizar a resistência aos antibióticos no ambiente utilizando um perfil genético de alto rendimento durante o seu doutoramento e pós-doutoramento na Universidade de Helsínquia, Finlândia. Queria que outros investigadores tivessem acesso fácil a esta tecnologia e foi por isso que passou da academia para o empreendedorismo, fundando a Resistomap em 2018. Sediada em Helsínquia, a missão da Resistomap é mitigar a propagação da resistência aos antibióticos, disponibilizando ferramentas robustas para a monitorização. A Resistomap combina métodos de genética molecular e ciência de dados para fornecer um serviço de deteção e quantificação de genes de resistência aos antibióticos a partir de amostras ambientais, como águas residuais e solos. Desde que entrou em pleno funcionamento em janeiro de 2019, a Resistomap já serviu mais de 250 projetos e analisou mais de 7.000 amostras ambientais em 40 países.
), PhD, CEO da Resistomap, e Pr. (sidenote:
O Christian G. Giske o médico chefe de bacteriologia, micobacteriologia e micologia no Hospital Universitário de Karolinska, em Solna, na Suécia. É também chefe das Divisões de Microbiologia Clínica e de Imunologia Clínica do Departamento de Medicina Laboratorial do Instituto Karolinska, onde também lidera um grupo de investigação. As atividades de investigação mais importantes no grupo de investigação de Giske dizem respeito à caracterização profunda dos mecanismos moleculares de resistência, virulência e epidemiologia molecular de bacilos entéricos extensivamente resistentes a medicamentos. A investigação de Giske é fortemente translacional, envolvendo uma extensa colaboração com as doenças infeciosas (incluindo a micobacteriologia), a hematologia e os cuidados intensivos. Giske tem também uma ampla colaboração internacional, servindo no conselho consultivo da vigilância europeia da resistência do CEPCD, e como presidente do Comité Europeu de Testes de Suscetibilidade Antimicrobiana.
) do Instituto Karolinska na Suécia.
O que é a Semana Mundial de Sensibilização para os Antimicrobianos?
Todos os anos, desde 2015, a OMS organiza a Semana Mundial de Sensibilização para os Antimicrobianos (WAAW), que tem como objetivo aumentar a sensibilização para a resistência aos antimicrobianos a nível global. Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.
Porque a resistência aos antibióticos é um grande problema de saúde pública?
Dr. Windi Muziasari
A resistência aos antibióticos é de facto uma ameaça global à saúde que causa anualmente mais de 1,2 milhões de mortes1. A resistência aos antibióticos é o que acontece quando os antibióticos já não são eficazes para tratar infeções bacterianas. Isto pode levar-nos de volta à era anterior à descoberta dos antibióticos por Alexander Fleming em 1928. Doenças de infeção bacteriana, como tuberculose, pneumonia, e simplesmente a infeção do trato urinário poderiam matar-nos novamente e, na pior das hipóteses, a realização de qualquer cirurgia e o parto de um bebé poderia ter elevadas taxas de mortalidade. Os antibióticos são fortemente utilizados tanto em medicamentos para uso humano como animal, o que acelera o aumento dos níveis de resistência aos antibióticos nas bactérias.
Pr. Christian G. Giske
A resistência aos antibióticos é, de facto, uma teia de vários problemas. Varia muito entre cenários geográficos, quer o problema se limite a infeções adquiridas em hospitais ou também generalizadas na comunidade. Os resultados da resistência aos antibióticos estão bem documentados: leva ao aumento da mortalidade, ao prolongamento da hospitalização, ao aumento dos custos de cuidados de saúde, e a mais efeitos secundários relacionados com o tratamento. Em muitos casos, algumas infeções adquiridas em hospitais podem ser extremamente difíceis de tratar. A resistência aos antibióticos levará também ao receio de complicações em cirurgias complicadas e/ou tratamentos imunossupressores - infeções com estirpes altamente resistentes aos medicamentos que comprometerão gravemente os resultados de outros tratamentos. Normalmente, as infeções adquiridas nos hospitais não afetarão tantos indivíduos, mas ainda assim representam um problema de saúde pública devido ao receio de que as infeções resistentes não possam ser geridas. Ao nível individual do paciente, as consequências podem ser terríveis, mas também para os pacientes da mesma unidade no hospital, aos quais podem ser transmitidas estirpes resistentes. As infeções adquiridas na comunidade afetarão mais indivíduos e também levarão a um aumento da hospitalização e, por conseguinte, afetarão a capacidade de cuidados de saúde. Não existe uma única solução para o problema da resistência aos antibióticos. É antes necessária uma combinação complexa de várias abordagens de mitigação.
Pedra angular do moderno arsenal terapêutico, os antibióticos salvaram milhões de vidas. Por outro lado, a sua utilização excessiva e por vezes inadequada pode levar ao aparecimento de múltiplas formas de resistência dos microrganismos. Todos os anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) organiza a Semana Mundial de Sensibilização para os Antimicrobianos (WAAW) para aumentar a sensibilização para este problema de saúde pública. Leia a página dedicada:
Está a monitorizar os genes resistentes aos antibióticos nos hospitais através da recolha de amostras de águas residuais. Pode explicar porque não está a recolher amostras diretamente dos pacientes para quantificar estes genes?
W. Muziasari:Existem duas importantes limitações à forma como a resistência aos antibióticos é atualmente monitorizada nos hospitais. Em primeiro lugar, a monitorização atual centra-se principalmente num número limitado de bactérias patogénicas. Em segundo lugar, baseia-se frequentemente na vigilância passiva de bactérias isoladas dos pacientes. Isto leva à deteção tardia de surtos, dados não comparáveis, e à incapacidade de capturar outras bactérias patogénicas e perfis de resistência a antibióticos que são frequentemente transportados por bactérias comensais.
A monitorização com base em águas residuais será um acréscimo potencialmente valioso às opções atuais de monitorização da resistência aos antibióticos nos hospitais. Embora não substitua os métodos de monitorização existentes, a monitorização das águas residuais pode fornecer dados que de outra forma seriam difíceis de obter e tornar-se o meio mais fácil de obter informações completas sobre a prevalência da resistência nos hospitais. Uma vez que os resíduos de todos os doentes são libertados nas águas residuais, a monitorização das águas residuais pode cobrir uma variedade mais ampla de perfis de resistência aos antibióticos em comparação com os dados parciais de algumas bactérias patogénicas selecionadas. Além disso, a análise das amostras de águas residuais não requer o consentimento informado, limitando assim as preocupações éticas. As barreiras práticas e logísticas para as amostras das águas residuais também são limitadas. Desta forma, a monitorização baseada nas águas residuais pode ser utilizada para compreender melhor o desenvolvimento e propagação de bactérias resistentes aos antibióticos nos hospitais e servir como um sistema de alerta precoce para futuros surtos.
Como é que a sua investigação e tecnologia ajuda os médicos a prevenir a resistência aos antibióticos?
W. Muziasari:Através da monitorização baseada nas águas residuais, os médicos terão informação aprofundada sobre os níveis de resistência aos antibióticos dos seus hospitais ao longo do tempo.
Resultado 1. Os hospitais ganham consciência das tendências para possíveis surtos.
Os hospitais terão uma visão mais completa sobre a presença dos genes de resistência aos antibióticos e bactérias patogénicas, o que lhes permitirá identificar possíveis surtos numa fase mais precoce. Assim, os hospitais estarão melhor preparados para tomar medidas de mitigação que levarão à diminuição de surtos de bactérias resistentes aos antibióticos nos hospitais.
Resultado 2. Os hospitais ganham consciência das implicações das atuais práticas de prescrição relativamente ao surgimento de resistência aos antibióticos.
Os hospitais poderão comparar os níveis de resistência aos antibióticos com a utilização de antibióticos dentro de um período específico. Desta forma, os hospitais tomarão consciência das implicações das atuais práticas de prescrição sobre o surgimento de resistência aos antibióticos. Portanto, os hospitais serão encorajados a melhorar a regulamentação sobre a prescrição de antibióticos, o que levará a uma utilização otimizada dos antibióticos nos hospitais.
Resultado 3. Os hospitais ganham consciência da qualidade dos fluxos das águas residuais libertados no ambiente.
Geralmente, as águas residuais hospitalares são tratadas numa instalação municipal ou própria de tratamento de águas residuais antes de serem libertadas em ambientes aquáticos. Os hospitais terão informações adicionais sobre a qualidade do fluxo de saída libertado na comunidade. Espera-se que esta informação encoraje os hospitais a melhorar a sua gestão das águas residuais, o que garantirá que as comunidades locais tenham acesso a água que é protegida da resistência aos antibióticos.
Qual a relação entre a resistência aos antibióticos e a microbiota?
C. G.Giske: Muitas estirpes resistentes são primeiro adquiridas como colonizadores no microbioma humano, quer seja intestinal ou respiratório. Assim que as estirpes sejam adquiridas no microbioma, podem estabelecer-se aí como transporte a longo prazo e, por vezes, causarão infeções no hospedeiro, ou podem propagar-se a outros indivíduos que possam ser mais suscetíveis a infeções bacterianas. Assim, o transporte de estirpes resistentes é um risco significativo de infeções resistentes, quer no hospedeiro, quer noutras pessoas próximas do hospedeiro original. No microbioma, as estirpes também podem facilmente trocar material genético e assim transmitir resistência a outras estirpes bacterianas. Por vezes, as estirpes que estão mais adaptadas ao intestino desse indivíduo e podem, portanto, permanecer no microbioma por muito tempo. A monitorização do transporte das estirpes resistentes no microbioma continua a ser uma parte importante do controlo de infeções, pois pode informar as decisões sobre os pacientes que precisam de ser hospitalizados em quartos individuais por pessoal dedicado, por exemplo, para evitar transmissões.
Apresentamos-lhe o Professor Sørensen, galardoado com a Bolsa Internacional 2022 da Biocodex Microbiota Foundation.
Su equipo fue el primero en lanzar un estudio de gran evergadura sobre el resistoma de 700 niños, que permitirá dar un paso agigantado en la comprensión de la evolución y diseminación de la resistencia a los antimicrobianos en el intestino humano al principio de la vida.
Poderá a microbiota ajudar os investigadores a combater a resistência aos antibióticos?
C. G.Giske: O microbioma é complexo e contém uma variedade de microrganismos, entre os quais também vírus. Alguns dos vírus, os chamados bacteriófagos, podem infetar seletivamente as estirpes bacterianas e matá-las. Esses bacteriófagos podem ser isolados do microbioma e podem ser utilizados terapeuticamente para tratar infeções em doentes. Numerosos estudos destacam o potencial in vitro e in vivo das suas utilizações terapêuticas e, embora tenham sido realizados vários ensaios clínicos ao longo da última década, o maior desafio continua a ser o de produzir dados adicionais que apresentem um sólido argumento regulamentar para a sua utilização clínica2. Além disso, a monitorização da resistência no microbioma pode ser altamente informativa para compreender o conjunto de genes de resistência disponíveis numa população e pode ser muito útil para conceber estratégias para combater a resistência aos antibióticos.
O uso maciço e por vezes inadequado de antibióticos torna-os cada vez mais ineficazes no tratamento das infeções. O resultado é que muitas bactérias estão agora a resistir-lhes! Assim, as doenças infeciosas podem tornar-se uma das principais causas de morte no mundo até 2050. Análise de um flagelo sanitário global e do seu impacto sobre a microbiota.
Por ocasião da Semana Mundial de Sensibilização para os Antimicrobianos organizada todos os anos pela OMS, O Biocodex Microbiota Institute faz um balanço.
O que é a Semana Mundial da Conscientização Antimicrobiana?
Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.
Resistência aos antibióticos: avanços nas pesquisas
Explicações do Professor Sørensen
Apresentamos-lhe o Professor Sørensen, galardoado com a Bolsa Internacional 2022 da Biocodex Microbiota Foundation. A sua equipa foi pioneira num estudo ambicioso sobre o resistoma de 700 crianças que permitirá um avanço na compreensão da evolução e disseminação da resistência antimicrobiana no intestino humano dos primeiros anos de vida.
Como é que o excesso de açúcares e de gorduras na dieta ocidental promove a síndrome metabólica, a obesidade e a diabetes tipo 2? Um estudo publicado em Cell1 revela a cascata de eventos moleculares envolvidos e, em particular, a participação da microbiota intestinal e dos linfócitos auxiliares Th17 do seu sistema imunitário.
Sabe-se atualmente que uma alimentação rica em açúcares e gorduras contribui para o aumento da inflamação intestinal e que o sistema imunitário intestinal desempenha um papel importante na homeostase metabólica. Sabe-se também que a microbiota intestinal é um importante modulador da imunidade intestinal e está envolvida em funções metabólicas. Por fim, sabe-se que certas células como as células linfoides inatas tipo 3 (ILCA3) e os linfócitos auxiliares Th17 (T helpers 17) podem participar, dependendo do contexto, na proteção contra a síndrome metabólica. Mas a cascata de mecanismos moleculares em ação entre a dieta ocidental rica em gorduras (High Fat Diet – HFD) e os seus efeitos metabólicos continua a ser mal compreendida.
Para esclarecer essas áreas cinzentas, os investigadores alimentaram ratos com HFD ou com uma dieta normal durante 4 semanas. O primeiro grupo desenvolveu uma síndrome metabólica típica com aumento de peso, resistência à insulina e intolerância à glicose, em comparação com o segundo. A análise da mucosa intestinal e das fezes destes ratos sobrealimentados revelou que a dieta HFD induziu uma rápida perda de bactérias filamentosas segmentadas (SFB) na microbiota intestinal, levando à perda de Th17, antes do início da síndrome metabólica.
Probióticos restauram a proteção contra a síndrome metabólica
Explorações sobre o envolvimento de outras células imunitárias como os linfócitos T ILCA3 ou CD4 permitiram aos investigadores afirmar que as células Th17 são necessárias para a proteção pela microbiota intestinal contra a síndrome metabólica. Tais investigações complementares mostraram também que a perda da homeostase de células Th17 pela eliminação de SFBs estava de facto implicada no efeito nocivo da dieta HFD.
Os investigadores administraram então o SFB diretamente aos ratos por sonda esofágica durante 4 semanas, o que resultou em:
Recuperação significativa das Th17 e da sua expressão nos intestinos
Diminuição da inflamação intestinal
Perda de peso
Proteção contra a resistência à insulina
Um regime microbiano que estimule as células Th17 poderá, portanto, melhorar a síndrome metabólica e a obesidade diabética através da recalibragem da homeostase imunitária intestinal.
Será o açúcar o principal culpado por detrás dos efeitos nocivos da dieta de tipo ocidental?
Entretanto, tendo em conta que a alimentação ocidental é rica não só em gorduras mas também em açúcares, os investigadores também compararam o efeito sobre os ratos da dieta HFD (25% de açúcares incluindo sacarose e maltodextrina, que são habituais nos doces e refrigerantes) com uma dieta muito pobre em açúcar (3 a 6%). Descobriram que o açúcar reduz indiretamente as células Th17 ao alterar a microbiota intestinal através de um aumento de bactérias como Faecalibaculum rodentium à custa dos SFBs que induzem as células Th17.
Uma dieta para a síndrome metabólica? Não é assim tão fácil...
Embora se tenha demonstrado que o açúcar é suficiente para uma perda concomitante de SFBs e de células Th17, a eliminação do açúcar alimentar só pode apresentar benefícios terapêuticos se as células imunitárias apropriadas estiverem presentes no intestino: uma simples mudança de dieta pode não ser suficiente para algumas pessoas. Os investigadores acreditam que o seu trabalho demonstra que a síndrome metabólica, a obesidade e a diabetes tipo 2 são reguladas por uma intrincada rede de interações entre alimentação, microbiota intestinal e células imunitárias. O tratamento destas doenças não pode, portanto, ser idêntico para todos os pacientes e, no futuro, as abordagens terapêuticas de precisão deverão ter em conta as variações interindividuais do sistema imunomodulador da microbiota intestinal.
Poderemos, um dia, prevenir e curar a osteoporose agindo sobre a microbiota intestinal?É o que sugerem os resultados de um estudo chinês publicado na revista Frontiers in Immunology.
Com cerca de 30% de mulheres de mais de 50 anos envolvidas, a osteoporose é um problema importante na saúde pública que se caracteriza por uma fraqueza óssea suscetível de provocar fraturas repetidas. Os mecanismos responsáveis por esta doença não são todos conhecidos porém, um número crescente de estudos sugere que a inflamação poderia aumentar os riscos.
Uma em cada três mulheres
Sofre de osteoporose após a menopausa. Os homens não são poupados uma vez que um em cada cinco homens é vítima de fratura devido à osteoporose após os seus 50 anos.
A microbiota intestinal: uma pista ainda pouco explorada
É sabido que alguns microrganismos da microbiota intestinal e vaginal são capazes de modular a resposta imunitária e de ter impacto sobre o sistema inflamatório. Podem estar implicados na osteoporose? É o que os investigadores de Universidade de Zhengzhou na China tentaram descobrir.
Eles contaram com 132 mulheres com idades entre os 45 e os 70 anos, todas menopausa durante um ano e dividiram-nas em 3 grupos de acordo com a sua densidade óssea: “sem problemas ósseos”, “densidade óssea ligeiramente diminuída” e “osteoporose”. Os cientistas recolheram as fezes e as secreções vaginais do conjunto destas mulheres voluntárias para analisar e comparar as suas microbiotas vaginais e intestinais.
Resultados: as microbiotas das mulheres com osteoporose possuem uma composição diferente daquelas das mulheres dos outros dois grupos e esta diferença é particularmente visível a nível intestinal (1).
A flora intestinal das mulheres que sofrem de osteoporose era mais rica em bactérias cuja presença está associada a uma taxa mais baixa de interleucina IL-10, molécula com propriedades anti-inflamatórias, além de bactérias associadas à produção de citocinas “pró-inflamatórias”, que favorecem a destruição dos ossos.
Ela, entretanto, era mais pobre do que as outras espécies de bactérias que produzem o butirato, um (sidenote:
Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC)
Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro.
Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25.) (AGCC) com propriedades anti-inflamatórias, e em bifidobactérias que melhoram a absorção do cálcio, indispensável para uma boa densidade óssea.
Em termos de microbiota vaginal, as mulheres com osteoporose tinham, em relação às outras, menos lactobactérias, conhecidas por diminuir a resposta inflamatória e os seus efeitos nocivos, e mais estreptococos que, ao contrário, a favorecem.
Os ossos, um tecido em contínua remodelação
Acha que os ossos, uma vez atingido o seu tamanho máximo não sofrem modificações? Engano seu! Os ossos estão em permanente remodelação, mesmo na idade adulta. Dois tipos de células são responsáveis por este fenómeno: os osteoclastos, que removem o osso antigo e os osteoblastos que formam o novo osso. Quando se está bem de saúde, as suas respetivas atividades estão equilibradas e os ossos regeneram-se de forma permanente. Entretanto, quando a menopausa chega, a falta de estrogénio favorece a ação dos osteoclastos e diminui a dos osteoblastos: os ossos são mais absorvidos e a sua estrutura torna-se frágil. É a osteoporose. (2)
Relativamente a terapias-alvo para melhor prevenir a osteoporose?
Para os investigadores, estas mudanças na composição são fundamentais. Elas podem um dia ser utilizadas para desenvolver terapias direcionadas ou então servir de biomarcadores para uma melhor prevenção da osteoporose.
Fontes
1. Yang X, Chang T, et al. Changes in the composition of gut and vaginal microbiota in patients with postmenopausal osteoporosis. Front Immunol. 2022 Aug 12;13:930244.
2. Florencio-Silva R, Sasso GR, et al. Biology of Bone Tissue: Structure, Function, and Factors That Influence Bone Cells. Biomed Res Int. 2015;2015:421746.