A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa que afeta mais de 1 % das pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo. O seu tratamento produz resultados muito heterogéneos em termos de eficácia e de efeitos secundários, dependendo dos doentes. Com base num estudo publicado na revista Science, a microbiota intestinal pode ser a causa subjacente a esta variabilidade.
Tratamento com efeitos heterogéneos
O tratamento atual baseia-se num medicamento, a levodopa (L-dopa), que, quando metabolizado no cérebro, substitui a dopamina que as células neurais já não produzem. Problema: uma parte significativa da L-dopa é transformada em dopamina nos intestinos; contudo, a dopamina produzida a nível periférico não pode atravessar a barreira hematoencefálica e não pode alcançar o cérebro, o que não só reduz a eficácia do tratamento como pode gerar efeitos secundários graves (perturbações gastrointestinais e arritmias cardíacas). Por conseguinte, uma outra molécula, a carbidopa, é administrada concomitantemente para bloquear este processo de metabolização: apesar disso, até 56 % da L-dopa não chega ao cérebro.
Interferência da microbiota intestinal
Embora já se suspeitasse da interferência da microbiota intestinal na eficácia do tratamento, o seu mecanismo de ação não era claro até à realização deste estudo. A exploração do metagenoma bacteriano ajudou primeiramente a identificar uma espécie - Enterococcus faecalis - com atividade da tirosina descarboxilase que degrada a L-dopa em dopamina. Os investigadores revelaram a conversão de dopamina em m-tiramina sob a ação de outra enzima - uma desidroxilase dependente do molibdénio - presente em Eggerthella lenta. As diferenças nestas atividades microbianas podem contribuir potencialmente para respostas heterogéneas à L-dopa observadas nos doentes, explicando assim a sua reduzida eficácia e os efeitos secundários observados em alguns deles.
Bloqueio da degradação intestinal da L-dopa
Os investigadores tentaram então compreender porque é que a L-dopa se revelou pouco eficaz para impedir a metabolização intestinal da L-dopa. A sua conclusão foi que, embora esta molécula seja efetivamente capaz de inibir a descarboxilase humana envolvida na metabolização da L-dopa, acabou por não ter qualquer efeito sobre a descarboxilase presente na E. faecalis in vivo. Identificaram então um inibidor (AFMT1) capaz de bloquear a enzima bacteriana. A última fase dos seus trabalhos demonstrou que a administração do tratamento padrão (L-dopa + carbidopa), combinado com AFMT, a ratos gnotobióticos2 colonizados por E. faecalis, aumenta a concentração sérica de L-dopa, demonstrando assim in vivo a inibição da degradação da L-dopa pela microbiota intestinal. Esta é uma descoberta promissora3 que poderá abrir caminho para novas terapias que visem melhorar a nossa microbiota.
1. (S)-α-fluorometiltirosina
2. Refere-se a animais de laboratório nos quais apenas estão presentes certas estirpes de microrganismos conhecidas
3. O Professor E. Balskus recebeu o Prémio Internacional 2019 da Fundação Biocodex Microbiota por estes trabalhos e como apoio a projetos futuros sobre este tema.