Que papel desempenha a L. iners na saúde vaginal das mulheres grávidas? Um estudo Chinês 1 destaca o papel complexo e globalmente benéfico da bactéria na manutenção de uma microbiota vaginal saudável.
Amicrobiota vaginalesse complexo ecossistema de bactérias que colonizam a vagina, desempenha um papel essencial na saúde das mulheres, inclusivamente das grávidas: por exemplo, uma maior presença de lactobacilos parece reduzir o risco de abortos espontâneos.
De entre os diversos lactobacilos da flora vaginal, o Lactobacillus iners revela-se particularmente intrigante: esta bactéria está presente tanto nas microbiotas saudáveis como nas doentes, o que suscita interrogações quanto ao seu papel exato. Um estudo realizado com 91 mulheres chinesas no terceiro trimestre de gravidez vem lançar uma nova luz sobre este assunto.
O estudo demonstra que uma em cada duas mulheres saudáveis possui uma flora vaginal dominada por L. iners, enquanto menos de uma em cada três mulheres doentes ( (sidenote:
Diabetes gestacional
Diabetes gestacional, por vezes designada “diabetes da gravidez”: A diabetes gestacional pode surgir durante a gravidez em mulheres que ainda não sejam diabéticas, geralmente por volta da 24.a semana. O rastreio é geralmente realizado entre a 24.ª e a 28.ª semana. Surge quando o corpo não é capaz de produzir insulina suficiente durante a gravidez — uma hormona que permite que o açúcar (glicose) do sangue penetre nas células para ser utilizado como fonte de energia. Consequentemente, os níveis de açúcar no sangue (glicemia) tornam-se mais elevados do que o normal. Todos os anos, entre 5% e 9% das gestações nos Estados Unidos são afetadas pela diabetes gestacional. O tratamento adequado da diabetes gestacional permite assegurar uma gravidez e um bebé saudáveis.
CDC), complicações, etc.) apresenta uma microbiota desse tipo.
Por outro lado, uma flora dominada por L. crispatus é mais habitual nas futuras mães doentes: esse tipo de flora atinge mesmo os 57% entre as mulheres com diabetes gestacional.
A maior frequência, bem como a maior abundância de L. iners nas mulheres grávidas saudáveis, poderá explicar a boa saúde de que gozam? Talvez, no entender dos investigadores. De facto, quanto maior for a quantidade de L. iners, maior será a produção de moléculas microbianas benéficas por esta bactéria. A começar pelo aumento da biossíntese de uma molécula com o nome complicado de “tetrahidrofolato”, que ajuda a manter um nível moderado de inflamação no final da gravidez.
Este tipo de funcionamento ilustra como certas estirpes de lactobacilos, embora não sejam tradicionalmente consideradas protetoras, podem contribuir para a regulação do ecossistema vaginal durante a gravidez.
50%
50% das mulheres saudáveis apresentavam a microbiota com predominância de L. iners.
Estirpes diferentes de L. iners
No entanto, nem todas as estirpes de L. iners são iguais. Das sete estirpes identificadas em mulheres grávidas, houve três delas associadas à (sidenote:
Vaginose bacteriana
A vaginose bacteriana (VB) é um tipo de inflamação vaginal causada por um desequilíbrio das espécies bacterianas que estão normalmente presentes na vagina.
) que se revelaram particularmente eficazes na formação dos temidos biofilmes, que são refúgios onde os agentes patogénicos se multiplicam; e quatro estirpes (algumas associadas à vaginose, outras não) terão a capacidade de inibir o crescimento do agente patogénico Gardnerella vaginalis. Em suma, cada estirpe de L. iners tem as suas especificidades e provavelmente vários truques na sua manga bacteriana. Mas algumas estirpes poderão ajudar a manter a estabilidade do ecossistema vaginal nas mulheres grávidas.
A vagina e as bactérias: um equilíbrio frágil
A vagina é naturalmente povoada por milhares de milhões de bactérias, cuja função é proteger o equilíbrio da flora local. Quando ocorre uma disbiose, esse equilíbrio pode alterar-se, permitindo o aparecimento de infeções como a vaginose bacteriana. Os probióticos são hoje considerados uma pista promissora para restaurar esse equilíbrio, especialmente no caso das mulheres grávidas, cuja microbiota vaginal pode apresentar-se mais instável.
Longe de ter um papel exclusivamente benéfico ou patogénico, a L. iners age como um verdadeiro agente duplo, cujo impacto na microbiota vaginal depende tanto do contexto como da estirpe em causa e do ecossistema envolvente. Um equilíbrio delicado que necessita de ser monitorizado de perto durante a gravidez.
A bactéria Lactobacillus iners, presente tanto nas microbiotas saudáveis como nas disfuncionais, desempenha um papel ambíguo que um estudo realizado em mulheres grávidas vem elucidar sob uma nova perspetiva.
A microbiota vaginal foi classificada em 5 “tipos”, designados CST (community state types): três CST benéficos (dominados, respetivamente, por Lactobacillus crispatus, Lactobacillus gasseri ou Lactobacillus jensenii), um desfavorável e um (CSTIII) dominado por L. iners, cujo papel na saúde vaginal é ainda alvo de discussão. De facto, esta bactéria apresenta um carácter ambivalente: embora pareça fazer parte integrante de uma microbiota vaginal saudável, é paradoxalmente também abundante em situações patológicas e disbióticas, tendo mesmo sido associada à colonização por estreptococos do grupo B durante a gravidez.
Maior quantidade de L. iners nas futuras mães saudáveis
Visando uma melhor compreensão das relações entre a flora microbiana e a saúde vaginal, uma equipa de investigadores chineses analisou o caso específico de mulheres grávidas (3.º trimestre), saudáveis (34 mulheres) ou não (61 mulheres com diabetes gestacional, complicações, infeções, etc.).
Os respetivos resultados evidenciaram a persistência da predominância dos Lactobacilos e a manutenção da diversidade alfa em todas as futuras mães.
50%
50% das mulheres grávidas saudáveis apresentam uma microbiota vaginal com predominância de L. iners.
57%
57% das mulheres grávidas com diabetes gestacional apresentam uma microbiota vaginal com predominância de L. crispatus.
Mas, acima de tudo, o tipo dominado por L. iners apresentou-se com menor frequência no grupo de mulheres doentes (31,15%) do que no grupo de mulheres saudáveis (50%). Por outro lado, a bactéria L. iners revelou-se relativamente mais abundante (em percentagem das espécies presentes) nas mulheres saudáveis.
Em contrapartida, o tipo dominado pela protetora L. crispatus surgiu, paradoxalmente, mais frequente nas mulheres com diabetes gestacional ou complicações maternas. Esta constatação contextualiza a compreensão da disbiose vaginal, frequentemente simplificada como um mero desequilíbrio entre bactérias “boas” e “más”.
Vias metabólicas modificadas
A presença exacerbada de L. iners nas mulheres grávidas saudáveis coincidiu com a sobrexpressão de vias metabólicas favoráveis a uma gravidez saudável: por exemplo, a biossíntese do (sidenote:
Tetrahidrofolato
coenzima derivada do ácido fólico e associada, em particular, à síntese das bases nucleicas, purinas e pirimidinas, as quais constituem os ácidos nucleicos (ADN e ARN) do material genético. O THF também participa na síntese de aminoácidos como a metionina, a histidina e a serina.
) poderá desempenhar diferentes papéis (síntese microbiana de folato, estado ligeiramente pró-inflamatório).
Mas a presença reforçada desta bactéria nas mulheres saudáveis também coincidiu com a existência de vias de síntese de (sidenote:
Glicosiltransferase
enzima da membrana que catalisa a ligação de um hidrato de carbono a uma proteína para formar uma glicoproteína. Nas bactérias patogénicas, as referidas glicoproteínas têm sido associadas a diferentes etapas do processo infecioso.
Análises mais aprofundadas mostraram que nem todas as estirpes de L. iners são iguais: de entre as 7 estirpes de L. iners identificadas pelos autores, 3 associadas à vaginose bacteriana (contra 4 associadas à boa saúde) apresentaram maior capacidade de formação de biofilmes, graças a genes que codificam as proteínas envolvidas. A equipa demonstrou também que 5 das 7 estirpes identificadas (associadas ou não à vaginose bacteriana) inibem o crescimento do agente patogénico G. vaginalis, associado à prematuridade.
Estes resultados sugerem que a L. iners poderá ter uma influência protetora, dependendo das condições ambientais e das estirpes envolvidas. Uma flora dominada por determinadas estirpes de L. iners poderá, assim, contribuir para a prevenção de complicações relacionadas com uma disbiose recorrente.
Na opinião dos autores, essa heterogeneidade, especialmente em relação à G. vaginalis, requer uma investigação mais aprofundada, especialmente porque a L. iners, provavelmente em virtude da sua flexibilidade metabólica, aparentou contribuir para a estabilidade do ecossistema vaginal na população estudada.
Explore os últimos desenvolvimentos sobre as condições que promovem uma microbiota vaginal equilibrada:
E se o segredo do nosso bem-estar estiver guardado na nossa pele? Um estudo britânico pioneiro aponta para uma correlação entre a microbiota cutânea e o equilíbrio emocional: as pessoas com mais Cutibacterium tendem a ser menos stressadas e mais felizes.
em vez de “de bem com a sua pele”? É basicamente isso o que sugere um estudo britânico que relaciona o bem-estar psicológico com os microrganismos que habitam a nossa pele, mais precisamente a do rosto, do couro cabeludo, dos antebraços e das axilas, com base na análise de 53 britânicos com uma média de idade de 63 anos. Esta investigação revela um sistema de interações entre a pele e o cérebro, em consonância com as dinâmicas já conhecidas no eixo intestino-cérebro.
O estudo mostra, pela primeira vez, uma maior presença de determinados géneros bacterianos nos participantes que se sentem melhor consigo próprios, tanto em termos de bem-estar geral como de conforto da área cutânea em questão. Qual a bactéria cutânea mais frequentemente presente nos britânicos mais bem-dispostos? (sidenote:
Cutibacterium
Um tipo de bactérias cuja classificação foi bastante alterada nos últimos anos (até 2016, chamava-se Propionibacterium). Este género bacteriano inclui várias espécies, nomeadamente a famigerada C. acnes (agente patogénico oportunista responsável pelo acne e por infeções em próteses mamárias, no ombro, etc.), mas também C. avidum, C. granulosum, C. namnetense e C. humerusii.Ahle CM, Feidenhansl C, Brüggemann H. Cutibacterium acnes. Trends Microbiol. 2023 Apr;31(4):419-420. ; CTCB). Temos mais no nosso rosto? Devemos estar sob pouco stress. As nossas axilas estão cheias delas: é muito provável que estejamos de bom humor e com o nível de stress no mínimo. Pelo contrário, uma menor presença dessa bactéria pode contribuir para perturbações como o stress, a ansiedade ou a depressão.
É interessante notar que esta descoberta é surpreendente: quando se fala em Cutibacterium, a primeira imagem que nos vem à mente é a de C. acnes e dos pesadelos da puberdade. Não é exatamente a de fleumáticos idosos britânicos. Além disso, essa bactéria também poderá contribuir para a saúde da nossa pele, repelindo os organismos patogénicos e regulando a acidez cutânea, graças à sua capacidade de transformar o sebo em ácidos gordos livres.
Efeitos da Cutibacterium de acordo com a região do corpo
Face: as pessoas com mais Cutibacterium no rosto sentem menos stress.
Axilas: uma maior presença desta bactéria está ligada a um melhor humor e a uma redução do stress.
Antebraço: mais Cutibacterium nesta área está associado a uma maior satisfação com o estado da pele.
Causa ou consequência?
A questão fundamental permanece: a presença de Cutibacterium é uma causa ou uma consequência do bem-estar? Por outras palavras, será que é a presença de Cutibacterium que nos torna felizes ou é o nosso bem-estar que a atrai para a nossa pele? A menos que ambos os factos tenham outro denominador comum (o estilo de vida, o desporto ou a alimentação, por exemplo)?
É impossível responder nesta altura. Sabe-se que a pele e a sua microbiota cutânea proporcionam uma barreira de proteção ao nosso corpo, repelindo os agentes patogénicos e, consequentemente, proporcionando-nos segurança e tranquilidade. Por outro lado, está comprovado que o stress, a ansiedade ou a depressão podem afetar a nossa pele, fazendo com que apareçam problemas cutâneos como o eczema (ou dermatite atópica), a psoríase, o acne, ou o mau odor nas axilas.
18%
Apenas 18% dos entrevistados afirmaram saber exatamente o que é a microbiota da pele. ²
Já tínhamos ouvido falar do eixo intestino-cérebro, e agora existe o eixo bidirecional pele-cérebro, em que a primeira influencia o segundo e vice-versa. E, pela primeira vez, é demonstrada uma relação entre a microbiota cutânea e o bem-estar psicológico. Tudo isto incentiva a investigação na área da (sidenote:
Psicodermatologia
A psicodermatologia é um campo relativamente novo da medicina que estuda as interações entre a mente e a pele. O tratamento das perturbações psicodermatológicas incide na melhoria da função, na redução do sofrimento físico, no diagnóstico e tratamento da depressão e da ansiedade associadas às doenças da pele, na promoção da integração social e na melhoria da autoestima do paciente. São utilizadas intervenções farmacológicas e psicológicas no tratamento de distúrbios psicocutâneos.
Aprofundar:Jafferany M, Franca K. Psychodermatology: Basics Concepts. Acta Derm Venereol. …) a estudar mais aprofundadamente as bactérias envolvidas e a sua possível influência na saúde cutânea e geral.
Seca, húmida ou oleosa: cada zona do corpo tem a sua microbiota
Frequentemente muito seca nas mãos – ao ponto de passarmos o inverno a hidratá-las –, a pele, pelo contrário, apresenta-se húmida nas axilas, nas dobras (cotovelos, parte posterior dos joelhos) ou nas virilhas.
E há ainda uma terceira variante: a pele oleosa, típica de certas áreas do rosto, do peito ou das costas. São três ambientes (seco, húmido e oleoso), nos quais vivem três microbiotas diferentes, adaptadas às especificidades desses três ambientes.
Nota: a microbiota cutânea também varia de acordo com a espessura da pele, desde a epiderme (à superfície) até ao hipoderme (camada situada sob a derme): quanto mais em profundidade, menos bactérias existem e mais semelhantes elas são de um indivíduo para outro.
Otimizar o rastreio não invasivo do cancro colorretal através da microbiota: é este o objetivo da análise de 3741 metagenomas fecais provenientes de 18 coortes para identificar melhores combinações de biomarcadores microbianos.
O cancro colorretal (CCR) é o terceiro tipo de tumor mais frequente e o segundo quanto a taxa de mortalidade. A microbiota intestinal parece desempenhar um papel fundamental na carcinogénese. No entanto, a investigação ainda apresenta lacunas demasiado significativas para que a microbiota possa ser utilizada como instrumento de rastreio clínico, apesar de a deteção precoce aumentar a probabilidade de sobrevivência.
Daí o interesse do trabalho publicado em 2025 em Nature Medicine, com base na análise de 18 conjuntos de dados: 12 provenientes de bases pré-existentes, correspondentes a 2.116 pessoas (930 pacientes com CCR, 210 com adenomas e 976 controlos saudáveis), e 6 provenientes de novas coortes (1.625 indivíduos), fornecendo informações sobre o estágio do cancro e a localização anatómica dos tumores.
O número total corresponde a 3.741 participantes, o que deixa prever uma excelente potência estatística e uma grande precisão nos resultados.
3
O cancro colorretal (CCR) é o terceiro tipo de tumor mais frequente no mundo.
2
O CCR é o segundo cancro quantoi a taxa de mortalidade no mundo.
Espécies presentes, nomeadamente orais
Os autores detetaram 3.866 espécies bacterianas, 15 eucariotas e 23 arqueias. As microbiotas dos controlos saudáveis apresentaram nítidas diferenças em relação às dos pacientes com CCR, confirmando os resultados dos estudos anteriores: 125 espécies surgiram com maior abundância nos doentes (106 conhecidas e 19 desconhecidas), contra 83 nos controlos saudáveis (53 conhecidas e 30 desconhecidas).
Entre as espécies mais abundantes nos pacientes, existiam 5 subespécies de F. nucleatum, a saber, F. nucleatum subsp. animalis, vincentii (2 subespécies diferentes), nucleatum e polymorphum. Somam-se a estas outras bactérias já associadas ao CCR, como P. micra e B. fragilis.
A ação da microbiota intestinal poderá englobar a regulação do amoníaco no microambiente tumoral do CCR.
Parte significativa das bactérias intestinais específicas do CCR corresponde a espécies tipicamente orais: é o caso de 21 das 125 espécies mais abundantes nos doentes (16,8%), 11 das quais são caraterísticas da placa dentária.
30 %
A incidência do CCR é 30% mais elevada nos homens.
60-65%
60 a 65% dos casos ocorrem em indivíduos sem histórico familiar.
Prever o CCR
Mas, acima de tudo, este extenso conjunto de dados permitiu melhorar a precisão da previsão do CCR com base em uma simples amostra de fezes: a área abaixo da curva (AUC), critério de avaliação do desempenho deste tipo de modelo, atinge agora 0,85, o que representa um progresso em relação a estudos anteriores (no máximo 0,81). Uma grande parte desta previsão é baseada em bactérias tipicamente orais.
Os autores demonstraram também:
que os biomarcadores microbianos estão relacionados com a presença do tumor;
que eles variam de acordo com o estágio da doença: a prevalência de P. micra e F. nucleatum aumenta a partir do estágio I do CCR, enquanto a de Akkermansia muciniphila e Parabacteroides distasonis se acentua nos estágios avançados, indicando que as alterações na microbiota ocorrem de forma contínua e se intensificam com a progressão do cancro (sequência adenoma-carcinoma);
e que eles também diferem de acordo com a localização do tumor: três espécies tipicamente orais, por exemplo, surgiram significativamente aumentadas no cancro colorretal proximal.
40%
Apenas 40% dos casos de CCR são diagnosticados previamente ao aparecimento de metástases, com as melhores taxas de sobrevivência a serem observadas quando o tumor é detetado precocemente.
5 anos
As taxas de sobrevivência a 5 anos para o cancro do cólon e o do reto em estágio IV são, respetivamente, de 11% e 15%.
Estudos anteriores relacionaram o amoníaco do ambiente tumoral com a exaustão dos linfócitos T e a progressão do cancro.
Embora este estudo de associação não permita estabelecer uma relação causal entre a microbiota e o cancro colorretal, dados independentes apontam para a existência de um papel contributivo.
Ele vem confirmar o valor da microbiota fecal como biomarcador de rastreio e identificar assinaturas microbianas relacionadas com a progressão tumoral, a explorar mais a fundo através de estudos mecanísticos.
Noitadas bem regadas, múltiplos parceiros, antibióticos, produtos de higiene íntima... quais são os fatores de risco para a microbiota vaginal das estudantes e que floras vaginais são mais sensíveis a todos eles?
Ao longo da vida da mulher, a sua microbiota vaginal evolui... por vezes chegando até a mudar de tipo (ver caixa), como demonstra 1 o acompanhamento de 125 mulheres sexualmente ativas, com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos e residentes no Sul de França (Montpellier).
Existem 5 tipos de comunidades vaginais 2 (ou CST, Community State Type), que podem ser classificadas em três grupos, como fazem os autores deste estudo:
3 tipos ótimos em termos de saúde vaginal, dominados pelos lactobacilos: CST I onde predominam os Lactobacillus crispatus, CST II onde prevalecem os L. gasseri e CST V onde imperam os L. jensenii;
1 tipo subótimo, CST III, com predomínio de outro lactobacilo (L. iners), que é muito mais vulnerável à disbiose;
e 1 tipo não ótimo, caracterizado pelo seu baixo teor em lactobacilos (CST IV).
Oslactobacilosgarantem a estabilidade
O primeiro resultado do estudo é que as comunidades bacterianas dominadas por Lactobacilos - bactérias em forma de bastonete que se sabe serem as mais benéficas para a saúde íntima das mulheres - são também mais estáveis ao longo do tempo. Por outras palavras, se a microbiota vaginal for rica em lactobacilos, quer se trate de L. crispatus, L. gasseri, L. jensenii ou L. iners, será mais difícil de ser abalada.
Uma microbiota vaginal em equilíbrio, com predominância de Lactobacillus, limita a proliferação de agentes patogénicos, mas isso não deixa de poder acontecer se a microbiota fosse submetida a um stress excessivo.
Segundo resultado: uma lista dos fatores que podem causar o caos na flora vaginal.
Entre os suspeitos identificados nas 125 estudantes incluídas no estudo: o álcool, o fator com o impacto mais forte e mais constante, que promove uma flora subótima e aumenta a vulnerabilidade da vagina às infeções, nomeadamente ao facilitar a proliferação de bactérias patogénicas.
Mas há outros fatores que também podem influenciar a transição de uma comunidade bacteriana vaginal para outra:
Um elevado número de parceiros sexuais pode aumentar o risco de se manter (ou de se adquirir) uma flora não ótima, propiciando assim o aparecimento de infeções vaginais que podem evoluir para vaginose bacteriana.
A utilização de produtos de higiene íntima (cremes, óvulos, cápsulas, geles e toalhetes) tem efeitos variáveis para a saúde de uma mulher para outra, com possíveis alterações circulares de um tipo de flora para outro.
O estudo indica que os probióticos podem causar perturbações temporárias na microbiota vaginal. No entanto, eles não integram as covariáveis analisadas neste estudo.
A utilização de produtos de higiene íntima, por sua vez, encontra-se associada a efeitos variáveis nas comunidades bacterianas, consoante o tipo de microbiota presente.
A utilização de antibióticos não pareceu estar ligada à transição para um tipo diferente de flora vaginal. Esta ausência de efeito foi uma surpresa para os investigadores, que se interrogaram se as amostras não estariam demasiado espaçadas no tempo para poderem “captar” a curta alteração da flora eventualmente associada ao antibiótico.
De qualquer das formas
O estudo revela a que ponto a flora vaginal é frágil e se encontra num estado de equilíbrio constante. E embora as microbiotas vaginais dominadas pelos lactobacilos pareçam ser resilientes, é importante não exagerar, uma vez que uma vida de estudante demasiado preenchida pode colocá-las em risco.
Durante a infância, é possível que exista una janela de vários meses em que o enriquecimento da microbiota com determinados microrganismos, nomeadamente Candida, seja necessário para o desenvolvimento das células β pancreáticas e, por conseguinte, para a prevenção da diabetes de tipo 1 ou de tipo 2 e de determinadas doenças metabólicas.
No peixe-zebra (Danio rerio), uma proteína bacteriana promove a proliferação das células β nas ilhotas pancreáticas. E quanto aos mamíferos? Após o nascimento, a proliferação destas células, que são necessárias para que haja suficiente produção de insulina, aumenta rapidamente, enquanto que a microbiota intestinal simultaneamente se diversifica.
Mera coincidência ou verdadeira correlação, como no caso do peixe-zebra? Uma equipa britânica 1 conseguiu responder a esta pergunta ao demonstrar que o desenvolvimento das células β pós-natais em ratinhos é estimulado por espécies bacterianas e fúngicas ao longo de curtas janelas de colonização, períodos que são também críticos para a saúde metabólica.
830 milhões
O número de pessoas com diabetes aumentou de 200 milhões em 1990 para 830 milhões em 2022. ²
14%
Em 2022, 14% dos adultos em todo o mundo sofriam de diabetes, contra 7% em 1990.²
Ao eliminar e reconstituir a microbiota em diferentes períodos pré e pós-natais nos ratinhos, a equipa identificou um período crítico (do 10.º ao 20.º dia pós-natal) durante o qual a flora digestiva é fundamental para a constituição de uma massa normal de células β. Tais observações foram corroboradas por experiências com antibióticos e antifúngicos, que evidenciaram o papel das bactérias e dos fungos na manutenção do equilíbrio glicémico.
Estas alterações precoces da microbiota têm repercussões persistentes no metabolismo, incluindo a redução da secreção de insulina, o aumento dos níveis de glucose no sangue e a redução da tolerância aos hidratos de carbono. Todos estes desequilíbrios são suscetíveis de agravar o risco de diabetes.
E no ser humano? Amostras de fezes de bebés humanos com idades compreendidas entre os 7 e os 12 meses (mas não de outros grupos etários) estimularam fortemente a massa de células β em ratinhos. Por conseguinte, os seres humanos também devem possuir uma janela de oportunidade para a colonização por microrganismos promotores de células β.
Mais um argumento a favor da famosa janela de oportunidade de 1.000 dias para a saúde futura e a prevenção de doenças metabólicas como a obesidade.
59%
Em 2022, mais de metade (59%) dos diabéticos com 30 anos ou mais não se encontrava a fazer qualquer tratamento. A cobertura do tratamento da diabetes é mais reduzida nos países de baixos e médios rendimentos. ²
2 milhões
Em 2021, a diabetes e a nefropatia diabética provocaram mais de dois milhões de óbitos. Por outro lado, cerca de 11% das mortes por doenças cardiovasculares deveram-se à hiperglicemia. ²
Bactérias e fungos responsáveis
A comparação de comunidades microbianas capazes de induzir (ou não) o desenvolvimento de células β permitiu identificar os taxa bacterianos e fúngicos intervenientes no rato: Escherichia coli, Enterococcus gallinarum e Candida dubliniensis. Este último apresenta-se como o mais eficaz, através de um mecanismo que envolve macrófagos e células β, o qual permite o reconhecimento de sinais específicos da parede celular das leveduras comensais.
Assim, a C. dubliniensis não só reduz a prevalência e a gravidade da diabetes em modelos de ratinhos, como também ajuda a restabelecer a população de células β após uma ablação ou subdesenvolvimento na sequência de um tratamento com antibióticos. Ao afetarem a microbiota intestinal durante a infância, estes tratamentos são suscetíveis de alterar a regulação da glicémia e de dificultar a manutenção de um peso corporal estável. Poderá a C.dubliniensis ser utilizada profilaticamente para compensar as perdas decorrentes do tratamento com antibióticos, nomeadamente nas pessoas com predisposição para a diabetes tipo 1 ou 2 ou para a obesidade?
Desde 2000
As taxas de mortalidade decorrentes da diabetes aumentaram, enquanto a probabilidade de se morrer de um dos 4 principais tipos de doenças não transmissíveis (doenças cardiovasculares, cancro, doenças respiratórias crónicas ou diabetes) entre os 30 e os 70 anos diminuiu 20% à escala mundial entre 2000 e 2019. ²
Abril de 2021
Em abril de 2021, a OMS publicou o Pacto Mundial sobre a Diabetes, uma iniciativa global que visa melhorar de forma sustentável a prevenção e o tratamento, com especial destaque para o apoio aos países de baixos e médios rendimentos. ²
E prevenir ou mesmo reverter a perda de células β?
Este estudo revela que existe um período crítico nos bebés, entre os 7 e os 12 meses, durante o qual determinadas bactérias e fungos são necessários para o desenvolvimento das células β pancreáticas. Se não for aproveitada esta janela de oportunidade, o desenvolvimento das células β fica comprometido, provocando disfunções e um risco agravado de doenças metabólicas como a obesidade e a diabetes.
No entanto, os mecanismos identificados pelos autores poderão eventualmente permitir prevenir ou mesmo reverter a perda de células β, desde que a pessoa seja tratada precocemente, tendo nomeadamente em conta o papel fundamental da microbiota intestinal.
Segundo um novo estudo, os desequilíbrios da microbiota vaginal podem estimular a ressurgência de pólipos endometriais nas mulheres que os tenham removido. Esta constatação aponta para a possibilidade de tratamentos preventivos.
Teremos futuramente de nos certificar de que a microbiota vaginal Teremos futuramente de nos certificar de que a microbiota vaginal se encontra bem equilibrada antes de se proceder à remoção dos pólipos uterinos? Ao que parece, tal pode ser o caso, de acordo com um estudo publicado no European Journal of Obstetrics and Gynecology. Os autores, investigadores na Universidade de Nanning, na China, demonstraram que a presença de disbiose vaginal é importante fator de risco para a recorrência de pólipos após a respetiva ressecção. 1
Até 40% das mulheres
Apresentam pólipos endometriais, mais frequentemente durante os anos reprodutivos, mas também após a menopausa. ²
1/3 das mulheres
Registam uma reabsorção natural dos pólipos uterinos ²
A ligação entre a disbiose e a recorrência assenta no impacto deste desequilíbrio microbiano na vagina e no útero, duas zonas anatómicas com fortes ligações imunitárias e microecológicas.
Para obterem este resultado, os investigadores recolheram amostras de secreções vaginais de 679 mulheres, com idades compreendidas entre os 25 e os 50 anos, que iam ser submetidas a “ressecção histeroscópica”, uma operação para a remoção de pólipos endometriais.
O que são os pólipos endometriais?
Os pólipos endometriais (ou pólipos uterinos) são massas, com tamanhos que variam entre alguns milímetros e vários centímetros, localizadas na mucosa que reveste a parede uterina ou no colo do útero. São normalmente assintomáticos, mas podem causar hemorragias anormais, dor ou infertilidade. Nas mulheres com problemas de infertilidade, é geralmente aconselhável removê-los por via cirúrgica, através de ressecção histeroscópica, no intuito de se aumentar a probabilidade de gravidez.
Sob anestesia local ou geral, introduz-se um pequeno aparelho equipado com uma câmara, chamado histeroscópio, para se visualizar o interior do útero, sendo o(s) pólipo(s) posteriormente extirpado(s) com um bisturi elétrico ou um laser.
Após a intervenção cirúrgica, as mulheres foram monitorizadas durante dois anos e os investigadores registaram a recorrência de pólipos em 105 delas.
A análise das secreções revelou que as mulheres que apresentavam disbiose vaginal antes da operação tinham um risco 3,3 vezes maior de recorrência. A mesma observação foi feita para as mulheres que padeciam de endometriose.
A análise das microbiotas vaginais evidenciou que, nas mulheres “recidivantes”, a densidade e a diversidade bacteriana, tal como a presença de lactobacilos, eram significativamente mais reduzidas do que naquelas em que não foi detetada qualquer recidiva. Por outro lado, essas microbiotas também continham mais microrganismos patogénicos, como a bactéria Gardnerella vaginalis que causa a vaginose, ou o fungo Candida, responsável pela micose.
Os investigadores observaram ainda um aumento da atividade de certas enzimas, como a esterase leucocitária, indício de uma inflamação persistente na vagina, o que pode propiciar a ascensão de uma infeção e a sua propagação ao útero.
A diminuição dos Lactobacillus, fator-chave nos casos de recidiva
Como é que estas anomalias da microbiota vaginal contribuem para o ressurgimento dos pólipos? Para os investigadores, a resposta está nos Lactobacillus.
Normalmente, estas bactérias produzem bacteriocinas, substâncias capazes de eliminar os agentes patogénicos, bem como ácido lático, o qual acidifica o meio vaginal e estabiliza a microbiota. Também sintetizam um tipo de moléculas chamadas glicerofosfolípidos, que ajudam o organismo a produzir prostaglandinas, sinalizadores anti-inflamatórios. Por último, reforçam ainda a síntese das proteínas associadas à integridade da parede vaginal.
Portanto, ao reduzirem o risco de infeção e de inflamação após a cirurgia, os Lactobacillus poderão ter um efeito protetor contra a recorrência dos pólipos.
Esta ação positiva torna-se ainda mais indispensável nas mulheres com antecedentes de desequilíbrios microbianos crónicos ou de endometriose, nas quais os riscos de recorrência são significativamente mais elevados.
10-15 a 58,1%
Esta é a taxa de recorrência dos pólipos uterinos após a sua ressecção (dependendo do estudo). ¹
95 %
Dos pólipos uterinos são benignos ¹
Rumo a tratamentos preventivos
Os investigadores frisam a importância da manutenção do equilíbrio da microbiota vaginal, em especial a predominância a longo prazo dos Lactobacillus, no caso de pólipos uterinos. Nesse sentido, citam vários tratamentos preventivos possíveis:
uma combinação de probióticos e agentes antimicrobianos que permita combater os desequilíbrios patogénicos imediatos e promover uma saúde microbiana a longo prazo;
Geles ou óvulos à base de ácido lático;
bacteriófagos, vírus capazes de destruir seletivamente as bactérias patogénicas sem prejudicar a microbiota;
prebióticos e ómega 3, que ajudam a equilibrar a microbiota.
Estas estratégias de regulação poderão também melhorar a saúde vaginal em geral, reduzindo o risco de infeções persistentes.
Serão ainda necessários mais estudos para se avaliar a eficácia destas intervenções, mas estas pistas parecem prometedoras. Assunto a acompanhar, portanto...
Todos sabemos que uma má noite de sono pode arruinar o dia seguinte, mas e se o seu intestino tivesse algo a ver com isso? Há cada vez mais estudos que analisam o papel que a microbiota intestinal pode desempenhar em problemas de sono como a insónia, o stress ou mesmo a apneia do sono. Quando o intestino está desequilibrado, pode interferir com a forma como o cérebro regula o nosso ciclo de sono e vigília. Será que cuidar do seu microbioma pode ajudá-lo a dormir melhor? Vejamos mais de perto o que a ciência nos diz.
Em alguns casos, as noites mal dormidas e os episódios de insónia podem estar relacionados com perturbações psiquiátricas. Para saber mais sobre a forma como o microbiota pode influenciar a saúde do cérebro e o humor, consulte as ligações abaixo.
Como se explicam os efeitos abscópicos da radioterapia no âmbito da imunoterapia? Crê-se que a irradiação intestinal de dose reduzida, tanto intencional como acidental, atua em sinergia com a imunoterapia, tendo a microbiota intestinal um papel importante.
Trata-se de um dos enigmas da investigação oncológica: os efeitos (sidenote:
E Efeito abscópico
Do latim ab- “distante” e do grego skopos “alvo”, literalmente “longe do alvo” - Regressão de lesões tumorais localizadas fora do campo de irradiação, uma vez que a irradiação de uma lesão pode levar à ativação de respostas imunitárias antitumorais, ou potenciar a sua eficácia, levando assim à destruição de lesões não irradiadas por parte de efetores imunitários antitumorais.
Aprofundar:https://doi.org/10.1016/j.mednuc.2024.11.007) da radioterapia, que se observam em alguns doentes, mas não noutros. No entanto, há uma grande novidade em 2025: uma equipa internacional demonstrou que a irradiação intestinal de baixa dose (ILDR) aumenta a eficácia clínica da quimioterapia ou das imunoterapias que têm como alvo os (sidenote:
Os pontos de controlo imunitário são utilizados pelos tumores para se protegerem dos ataques do sistema imunitário e podem ser bloqueados pela terapêutica com ICI, de modo a restaurar a função do sistema imunitário.
) em 8 coortes retrospetivas de doentes e num modelo pré-clínico de ratinho. Esta investigação evidencia o papel fundamental do ambiente intestinal na resposta ao tratamento.
Os investigadores tomaram como ponto de partida doentes com tumores metastáticos incluídos num ensaio multicêntrico de fase 2, os quais receberam (sidenote:
SABR (Stereotactic Ablation Body Radiotherapy, ou radioterapia de ablação estereotáxica) também chamada SBRT (Stereotactic Body Radiation Therapy, ou radioterapia estereotáxica corporal)
Radioterapia, que consiste na emissão de múltiplos feixes de radiação de diferentes ângulos que convergem para o tumor. O tumor recebe assim uma elevada dose de radiação, enquanto cada feixe que circula no tecido vizinho é de dose reduzida. Isto reduz os efeitos da radiação no tecido saudável ao redor do tumor. A SBRT é administrada em menos sessões do que a radioterapia externa convencional. Pode ser utilizada para tratar tumores do pâncreas, do pulmão, do fígado ou da coluna vertebral.
Aprofundar:https://cancer.ca/fr/treatments/treatment-types/radiation-therapy/external-radi…) em combinação com um anticorpo anti-PD-L1. De entre estes, 13 doentes (41%) expostos a ILDR acidental, com uma dose mediana de radioterapia de 3,3 Gy no duodeno, 1,0 Gy no jejuno/íleo e 1,3 Gy no cólon, apresentaram uma taxa de sobrevivência muito superior aos 24 meses: 38% (5/13) contra 5% (1/19). Este resultado destaca o aumento da eficácia de um tratamento combinado.
Na sequência deste resultado inesperado, os investigadores revisitaram os resultados de 7 coortes independentes de doentes com cancro, num total de 388 doentes. A conclusão foi a mesma: a administração fortuita de ILDR em doses de 0,25 a 3 Gy aumenta a sobrevivência nos doentes com cancro avançado.
Microbiota, cancro e imunoterapia
A microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na resposta às imunoterapias contra o cancro. Determinadas bactérias intestinais, como as Clostridiales, reforçam a imunidade antitumoral. Inversamente, os antibióticos podem comprometer a eficácia dos tratamentos imunitários. O transplante de microbiota fecal (TMF) surge assim, portanto, como uma estratégia terapêutica promissora.
A resposta imunitária antitumoral e a taxa de sobrevivência parecem também estar ligadas a diferenças na flora intestinal dos pacientes: em comparação com adultos saudáveis, os indivíduos refratários ao tratamento combinado de ILDR e anticorpos anti-PD-L1 albergavam, antes do tratamento, menos espécies de bactérias típicas daqueles que responderam ao tratamento (Christensenella minuta e Ruminococcus bromii) e mais espécies de bactérias típicas de uma má resposta ao tratamento (Enterocloster aldensis e Parabacteroides distasonis).
Aparentemente, as interações metabólicas e imunitárias entre o hospedeiro e a microbiota intestinal permitirão a ativação das células T CD8⁺. Diversas estirpes de Christensenella minuta parecem aumentar seletivamente a eficácia da ILDR e do anti PD-L1, fomentando a migração de células dendríticas intestinais que expressam PD-L1 para os gânglios linfáticos que drenam o tumor.
Segundo os autores, a análise da microbiota intestinal antes do início do tratamento poderá ajudar a selecionar os doentes suscetíveis de beneficiar deste tratamento combinado... e os doentes disbióticos que poderão tirar partido de um transplante prévio de microbiota fecal.
E se as doenças gengivais não forem apenas uma questão das bactérias orais, mas estiverem relacionadas com o que secretam? Um novo estudo 1 rrevela metabólitos específicos do microbioma oral que não apenas coexistem, mas inflamam, danificam e estimulam doenças periodontais. É verdade que a boca fala, mas os metabólitos gritam.
As doenças periodontais (doenças gengivais) representam um grande problema de saúde global. Um fator contribuinte significativo para o seu desenvolvimento e progressão é a (sidenote:
Disbiose
A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano.
Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232.) da microbiota oral. Historicamente, concentramo-nos veementemente na identificação de espécies patogénicas de bactérias, mas este novo estudo 1 estaca outra camada crítica: os metabólitos que estes micróbios produzem e como influenciam diretamente a saúde dos nossos tecidos gengivais.
Este estudo mostra que um desequilíbrio na microbiota oral afeta diretamente a quantidade e o equilíbrio composicional dos metabólitos. Alguns metabólitos correlacionados com bactérias prevalentes na periodontite podem exibir efeitos indutores de inflamação nas (sidenote:
Células epiteliais gengivais
São as células superficiais que formam o revestimento das gengivas e atuam como a primeira barreira contra a invasão microbiana na cavidade oral.
) humanas. Isso demonstra uma nítida ligação entre o ecossistema microbiano oral alterado, a sua produção metabólica e a resposta inflamatória nos tecidos do hospedeiro.
Os autores deste estudo, da Faculdade de Ciências Odontológicas da Universidade de Kyushu, no Japão, examinaram a água utilizada para enxaguar a boca de indivíduos com doença periodontal (n=24) e controlos saudáveis (n=22). A água utilizada para enxaguar a boca é considerada uma amostra pertinente, pois reflete as informações presentes na saliva. Não apenas identificaram as bactérias mais prevalentes nos estados de doença confirmando a presença dos suspeitos usuais como a Porphyromonas gingivalis e a Fusobacterium nucleatum, but crucially, they correlated these specific bacterial species with the metabolites found in the same samples. mas, crucialmente, correlacionaram estas espécies bacterianas específicas com os metabólitos encontrados nas mesmas amostras. Esta abordagem direcionada identificou 20 metabólitos estreitamente associados ao microbioma da periodontite. Estes compostos não eram apenas aleatórios, mas incluíam coisas como derivados de aminoácidos, (sidenote:
Ácidos Gordos de Cadeia Curta (AGCC)
Os Ácidos Gordos de Cadeia Curta são uma fonte de energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro.
Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25.) e poliaminas.
Esta abordagem destaca a profundidade com a qual o microbioma oral interage com o ambiente do hospedeiro através dos seus subprodutos metabólicos. Além de espécies bacterianas bem conhecidas, o estudo demonstra que os seus perfis metabólicos — especialmente sob condições de doença — podem interromper significativamente a homeostase da placa, sugerindo que tais desequilíbrios não são apenas correlativos, mas possivelmente causais.
Metabólitos com efeitos patogénicos
O próximo passo crítico consistiu em observar se esses metabólitos identificados poderiam realmente agir sobre as células da gengiva humana. Foram testados 20 metabólitos correlacionados em células epiteliais gengivais humanas. Os resultados mostraram que vários compostos exibiram sinais claros de patogenicidade. Especificamente, o propionato, o succinato, a (sidenote:
Homoserina
Derivado de aminoácidos não comumente encontrados no metabolismo humano, mas produzido por certas bactérias. Pode ter efeitos pró-inflamatórios ou citotóxicos nos tecidos do hospedeiro, como o epitélio da gengiva.
), e a citrulina inibiram significativamente o crescimento dessas células epiteliais da gengiva. Além disso, o tratamento de células que contêm homoserina, propionato e succinato aumentou significativamente a expressão de (sidenote:
Interleucina-8 (IL-8)
Proteína de sinalização (citocina) liberada pelas células para atrair células imunes como neutrófilos para o local da infeção ou inflamação. Uma IL-8 elevada geralmente indica inflamações teciduais contínuas.
), uma citocina inflamatória essencial, indicando que esses metabólitos podem desencadear inflamações locais e contribuir para o dano tecidual induzido pela placa.
O estudo também sugere que a periodontite crónica pode ser exacerbada por um desequilíbrio sustentado no metabolismo microbiano, tornando os metabólitos microbianos potenciais biomarcadores tanto do início precoce da doença quanto da rutura da placa.
Finalmente, embora se saiba que a homoserina é produzida por outras bactérias, este estudo apresentou uma nova descoberta ao detetar a sua produção por várias espécies-chave de bactérias periodontais, incluindo as bactérias Prevotella melaninogenica, Prevotella intermedia ePorphyromonas gingivalis. Isto sugere que estes micróbios associados à periodontite estão a contribuir diretamente para os níveis locais de homoserina observados em condições de doença, confirmando o seu potencial de impacto no hospedeiro.
Novas terapias baseadas em microbiomas dentários estão a oferecer alternativas promissoras para o tratamento de doenças gengivais, restaurando o equilíbrio saudável das comunidades microbianas da boca. Os probióticos, bactérias benéficas encontradas em suplementos alimentares, demonstraram reduzir a inflamação e os micróbios prejudiciais quando utilizados juntamente com uma assistência odontológica tradicional.
Outras abordagens inovadoras e emergentes, como transplantes orais de microbiomas 2 e peptídeos antimicrobianos direcionados, estão a ser exploradas em ambientes de investigação, com o objetivo de fornecer tratamentos mais suaves e eficazes que abordem a causa principal de doenças gengivais, em vez de simplesmente eliminar todas as bactérias.
Este estudo fornece essencialmente evidências convincentes de que metabólitos específicos, além das próprias bactérias, são participantes ativos na condução da progressão de doenças periodontais. Estes subprodutos microbianos oferecem novos alvos terapêuticos e também podem servir como novos indicadores de diagnóstico de periodontite, abrindo perspetivas futuras em cuidados preditivos, diagnósticos orais e terapias centradas na microbiota.