E se a endometriose, que deixa raparigas e mulheres jovens acamadas em cada ciclo menstrual, fosse em breve uma memória distante (e má) para algumas delas? Esta é a esperança suscitada por um estudo japonês 1 publicado em 2023...
Há uma enorme esperança para todas as mulheres que sofrem de (sidenote:
Endometriose
A endometriose é uma doença ginecológica crónica ligada à presença de um tecido semelhante à mucosa uterina que se desenvolve fora da cavidade uterina, nomeadamente no peritoneu e nos ovários.
): uma bactéria do género (sidenote:
Fusobacterium
Género de bactérias filamentosas que vivem na boca (placa dentária), no sistema digestivo, na vagina e, em menor grau, na cavidade uterina. Esta bactéria patogénica está implicada na periodontite (inflamação na base do dente) e no cancro colorretal.
) pode estar envolvida e, por isso, ser visada. Em particular, um simples tratamento com antibióticos poderá reduzir esta bactéria patogénica e diminuir as lesões dolorosas.
1 em cada 10
mulheres ou mesmo 1/7 ou 1/5 das mesmas em idade fértil são afetadas pela endometriose.
Cerca de 1 em cada 2 mulheres
não sabe exatamente o que é a flora vaginal.
Investigadores japoneses da Universidade de Nagoia 2 demonstraram que, em ratos de laboratório utilizados como modelos, a inoculação da vagina dos roedores com bactérias do género Fusobacterium induziu lesões típicas da endometriose, que eram mais numerosas e mais graves do que nos ratos de controlo. Isto implica a bactéria na génese da doença..., mas também aponta para possíveis soluções: um tratamento antibiótico dirigido a esta bactéria reduziu o tamanho e o número de lesões nestes ratinhos! Esta descoberta faz-nos esperar que este tratamento antibiótico possa também ser eficaz nas mulheres.
“A erradicação desta bactéria através de um tratamento antibiótico poderá representar uma abordagem terapêutica para a endometriose em mulheres infetadas com Fusobacterium, que podem ser facilmente identificadas por uma zaragatoa vaginal ou uterina.”
Prof. Yutaka Kondo, da Universidade de Nagoia, autor principal do estudo
Mas ainda não é tudo. A equipa japonesa realizou numerosas experiências para tentar compreender os mecanismos envolvidos. Na sequência do seu meticuloso trabalho, avançaram com a seguinte hipótese: em resposta à presença da bactéria Fusobacterium no útero, o sistema imunitário das mulheres será ativado, envolvendo uma cascata de reações que levam à produção de uma proteína chamada transgelina, que promove o desenvolvimento da endometriose.
Enquanto se aguardam resultados, não tome antibióticos sem receita e aconselhamento médicos. Se os utilizarmos de forma incorreta, corremos o risco de reduzir a sua eficácia para o dia em que realmente precisarmos deles!
Antibióticos
Os antibióticos devem ser utilizados com precaução e apenas mediante aconselhamento médico 4 .
E se amanhã um simples tratamento com antibióticos pudesse curar as mulheres que sofrem de endometriose? Esta é a sugestão de um estudo japonês publicado em 2023, que incrimina a Fusobacterium na génese da doença.
A endometriose afeta 10 a 15% das mulheres em idade fértil. Causa dor crónica, hipofertilidade e até infertilidade. Foram avançadas várias hipóteses para explicar a sua causa, onde se inclui a menstruação retrógrada. Mas suspeita-se da existência de outros mecanismos. De acordo com os trabalhos de uma equipa japonesa, a microbiota da cavidade uterina pode estar envolvida, em particular a bactéria Fusobacterium, um agente patogénico oportunista pró-inflamatório.
1 em cada 10 mulheres
Pensa-se que 1 em cada 10 mulheres é afetada pela endometriose.
49%
Apenas 1 em cada 2 mulheres sabe o que é exatamente a flora vaginal
Fusobacterium na origem de uma resposta inflamatória?
A análise de tecidos colhidos durante a histerectomia de 79 pacientes que sofriam de endometriose revelou uma presença mais frequente de bactérias do género Fusobacterium no endométrio uterino e nos fibroblastos dos ovários, em comparação com 76 controlos sem endometriose (amostras colhidas durante cirurgias por displasia endocervical, adenomiose, etc.). De facto, detetou-se Fusobacterium presente no endométrio de 64,3% das pacientes com a doença, em comparação com 7,1% dos controlos saudáveis.
Além disso, as amostras vaginais mostraram um aumento da presença desta bactéria na esfera vaginal das mulheres que sofriam de endometriose. O que reforça a hipótese já avançada da participação da microbiota vaginal na patogénese da doença, tendo em conta que a microbiota digestiva também parece estar implicada.
Acima de tudo, a inoculação vaginal de Fusobacterium num modelo de rato com endometriose resulta num aumento acentuado dos fibroblastos e num agravamento do número e do peso das lesões, ao contrário de outras bactérias como Lactobacillus iners ou Escherichia coli.
Estudos complementares permitem aos autores propor o seguinte cenário: a infeção das células endometriais por Fusobacterium leva à produção do fator de crescimento TGF-β1 pelos macrófagos, o que induz a transição dos fibroblastos de um estado de repouso para um estado ativado, no qual expressam uma proteína citoplasmática denominada transgelina (TAGLN), que promove a proliferação, migração e adesão destes fibroblastos fora do endométrio. Este mecanismo parece confirmar-se no ser humano: A TAGLN está também sobre expressa nos fibroblastos das pacientes, promovendo a sua proliferação e motilidade.
Tratamento por antibióticos?
Finalmente, os investigadores testaram um tratamento vaginal com antibióticos de amplo espetro (metronidazol e cloranfenicol) em animais durante 21 dias, com o objetivo de erradicar a F. nucleatum. Administrado no momento da inoculação dos ratinhos com Fusobacterium ou mais tarde (quando as lesões já cresceram), o tratamento limita a expressão de F. nucleatum, TGF-β1 e TAGLN e reduz o número e o peso das lesões. Que esperança existe para uma futura abordagem ao tratamento da endometriose? Há um ensaio clínico a decorrer em 2023 para investigar os efeitos dos antibióticos nas mulheres que sofrem de endometriose. Os seus resultados poderão um dia tornar possível a prescrição de um antibiótico a pacientes que sofram de endometriose e estejam infetadas por esta bactéria.
Considerado o “segundo cérebro”, o nosso intestino dialoga constantemente com o nosso cérebro e vice-versa. É a isso que chamamos eixo intestino-cérebro. A disfunção deste eixo poderá estar implicada em grande número de perturbações gastrointestinais, doenças metabólicas, doenças neurodegenerativas e doenças neuropsiquiátricas, bem como em certas doenças de pele...
Nesta página, contamos tudo sobre o eixo intestino-cérebro, a sua descoberta, o papel da microbiota, como essa comunicação pode ser interrompida e quais as doenças associadas. E também como podemos intervir nele.
100 milhões
O sistema nervoso do intestino contém mais de 100 milhões de neurónios
O cérebro
Órgão complexo, o cérebro1,2 é capaz não só de integrar informações provenientes de todas as partes do corpo, mas também de controlar o pensamento, a memória, as emoções, o tato, a motricidade, a visão, a respiração, a temperatura, a fome e todos os restantes mecanismos que regulam o nosso corpo. Graças a uma rede interligada de 100 mil milhões de neurónios, o cérebro é o verdadeiro regente de orquestra do nosso corpo.
O que é o sistema nervoso?
O sistema nervoso3é composto por duas partes principais:
Sistema nervoso central, composto pelo cérebro e pela medula espinal.
Sistema nervoso periférico, constituído por nervos que vão da medula espinal a todas as partes do corpo.
O sistema nervoso transmite sinais entre o cérebro e o resto do corpo, incluindo os órgãos internos.
O sistema nervoso entérico (SNE), um "segundo cérebro" no seio dos nossos intestinos4,5
O sistema nervoso entérico (SNE) é o sistema nervoso específico do intestino. Constituído por uma rede de neurónios que revestem as paredes do trato gastrointestinal, controla a atividade sensorial, motora, secretora e imunitária do sistema digestivo.
Está com borboletas no estômago? Sente um nó nas tripas? Ou será que ler este artigo lhe dá dores de barriga? Existem estas e tantas outras expressões populares que fazem parte da nossa linguagem quotidiana e que refletem, sem que nos apercebamos, a existência de uma ligação entre o cérebro e a barriga.
Já sabia?
Diz-se que o intestino é o nosso segundo cérebro, mas sabe porquê?5,6
É porque o sistema nervoso do intestino contém mais de 100 milhões de neurónios e é muito semelhante ao cérebro em termos de complexidade e de funcionalidade (neurotransmissores e moléculas sinalizadoras).
Historicamente, o primeiro relato documentado de uma possível ligação entre o intestino e o cérebro remonta ao século XIX.7
Foi um comerciante de peles que, apesar de tudo, fez avançar a ciência, e cujas desventuras levaram à descoberta de uma ligação entre as emoções e a fisiologia intestinal8,9. Alexis St. Martin tinha sido acidentalmente baleado no estômago à queima-roupa. Foi tratado pelo cirurgião do exército americano Dr. William Beaumont. A cirurgia terminou por deixar esse paciente com uma (sidenote:
Fístula
Uma fístula é uma ligação anormal entre um órgão do sistema gastrointestinal e a pele.
)e o Dr. Beaumont aproveitou para observar o intestino: a digestão humana em tempo real!!
Foi no decurso dessas suas observações que ele se apercebeu que o processo digestivo do seu paciente era afetado pelo respetivo estado emocional, quando estava zangado ou irritado, e que existia, portanto, um eixo cérebro-intestino8. Seguiram-se outros estudos científicos, os quais demonstraram que a comunicação entre o intestino e o cérebro era um processo bidirecional – do intestino para o cérebro e do cérebro para o intestino – e que a microbiota intestinal desempenhava um papel fundamental nestas trocas8,10,11.
O que é o eixo intestino-cérebro?
O eixo intestino-cérebro pode definir-se como uma rede de comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, com o intestino a enviar mensagens para o cérebro e vice-versa. A comunicação efetua-se através de três canais diferentes8,12:
a via neuronal (neurónios), principalmente através do nervo vago e do sistema nervoso entérico,
a via endócrina por secreção de hormonas como o (sidenote:
Cortisol
O cortisol é conhecido como a hormona do stress. Participa na resposta ao stress, quer físico, quer emocional. O cortisol está igualmente envolvido na manutenção do equilíbrio de certas funções fisiológicas, como a tensão arterial, o sistema imunitário, o metabolismo das proteínas, dos glúcidos e das gorduras e a ação anti-inflamatória.
Katsu Y, Iguchi T, Subchapter 95D - Cortisol. In Ando H, Kazuyoshi U, and Shinji N, eds. Handbook of hormones: comparative endocrinology for basic and clinical research. Pages 533-e95D-2 Academic Press, 2021.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/B9780128010280002312), a (sidenote:
Adrenalina
A adrenalina, também conhecida como epinefrina, é uma hormona segregada pelas glândulas suprarrenais e libertada na corrente sanguínea em caso de stress intenso, perigo ou emoções fortes. Prepara o corpo para lutar ou fugir do perigo.
https://my.clevelandclinic.org/health/body/23038-adrenaline) ou a serotonina
a via do sistema imunitário, através da modulação das citocinas
O eixo intestino-cérebro afeta o nosso comportamento, a cognição (memória), as emoções, o humor, os desejos e a perceção, entre outras áreas.
90%
As células do intestino são responsáveis por mais de 90% da produção de serotonina do organismo
Já sabia?
As células do intestino são responsáveis por mais de 90% da produção de serotonina do organismo – a serotonina é um neurotransmissor que pode afetar o humor e as sensações de felicidade e prazer, bem como o apetite8,13,14.Os restantes 10% são produzidos no cérebro por determinados neurónios denominados "serotoninérgicos"15. Certas bactérias da microbiota intestinal podem afetar a produção de serotonina no intestino8,16.
Imagem
A microbiota desempenha um papel na comunicação entre o intestino e o cérebro?
Pode-se dizer que a microbiota é o terceiro interveniente no eixo intestino-cérebro, também conhecido como eixo Microbiota-Intestino-Cérebro (MIC)17.
O cérebro, o intestino e a microbiota intestinal compõem os três nós da rede Microbiota-Intestinal-Cérebro. Todos os nós estão interligados uns aos outros e interagem de forma bidirecional. A microbiota intestinal pode comunicar com o cérebro diretamente através da secreção de moléculas sinalizadoras como os (sidenote:
Neurotransmissores
Moléculas específicas que permitem uma comunicação entre os neurónios (as células nervosas do cérebro), mas também com as bactérias da microbiota. São produzidas tanto pelas células do indivíduo como pelas bactérias da microbiota.
Baj A, Moro E, Bistoletti M, Orlandi V, Crema F, Giaroni C. Glutamatergic Signaling Along The Microbiota-Gut-Brain Axis. Int J Mol Sci. 2019;20(6):1482.) ou os (sidenote:
Ácidos gordos de cadeia curta (AGCC)
Os ácidos gordos de cadeia curta são uma fontede energia (carburante) das células do indivíduo, interagem com o sistema imunitário e estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro.
Silva YP, Bernardi A, Frozza RL. The Role of Short-Chain Fatty Acids From Gut Microbiota in Gut-Brain Communication. Front Endocrinol (Lausanne). 2020;11:25.), ou indiretamente como intermediárias, interagindo com as células intestinais para comunicar com o cérebro. Da mesma forma, o cérebro pode modular a microbiota direta ou indiretamente, modulando a fisiologia do intestino para modificar o ambiente microbiano.
Quais são os fatores que podem influenciar a comunicação entre o intestino e o cérebro?
Sabe-se que muitos fatores afetam o diálogo entre o intestino e o cérebro8:
- A alimentação e, em particular, certos alimentos como o chocolate, podem regular o nosso humor. A dieta mediterrânica também é conhecida pelos seus efeitos benéficos para a memória e para a saúde em geral. Por outro lado, deve-se ter cuidado com o que se põe no prato e limitar o consumo de alimentos processados ricos em aditivos. Um estudo recente em roedores sugere que estes podem estar na origem de certos transtornos psicocomportamentais (ansiedade, sociabilidade, etc.).
- A prática regular de atividade física tem abundantes efeitos positivos na saúde. A atividade física contribuirá igualmente para a boa saúde cerebral. Múltiplos estudos científicos já demonstraram que existe uma ligação entre o nosso sistema cognitivo e o nosso nível de atividade física
- O ambiente em que vivemos é também um dos fatores com maior impacto na nossa saúde e na nossa microbiota. Assim, a poluição conduzirá a um maior risco de doenças respiratórias, cancros e problemas cognitivos.
- Certos medicamentos, e os antibióticos em particular, poderão influenciar o desenvolvimento do sistema nervoso da criança e contribuir para certas doenças.
- Estudos científicos demonstraram que os primeiros anos de vida e o tipo de parto têm um grande impacto na microbiota dos nossos filhos e, consequentemente, no seu eixo intestino-cérebro. De facto, vários estudos mostram uma ligação entre o parto por cesariana e um risco acrescido de se vir a desenvolver várias afeções, incluindo a obesidade, bem como doenças do sistema imunitário, como a asma e outras alergias.8 O stress pré-natal terá também impacto, não só na microbiota da criança, na sua composição e no seu desenvolvimento neurológico, mas também na gravidez, aumentando o risco de parto prematuro.18
- O stress e o medo são também fatores comportamentais que afetam a nossa microbiota e no eixo intestino-cérebro.
- A forma como nos comportamos estará assim ligada à nossa microbiota? É isso o que alguns estudos sugerem... Ela será uma garantia de boa saúde emocional, responsável pela nossa libido e pelo nosso desejo. Mas também, em alguns casos, influenciará os nossos vícios e comportamentos de dependência.
- Tanto para jovens como para idosos, a microbiota intestinal também terá uma palavra a dizer no sono e no ritmo circadiano
O que é que acontece quando a comunicação entre o intestino e o cérebro é alterada?
Pensa-se que a perturbação do eixo intestino-cérebro estará envolvida em diversas doenças.
Por perturbação deste eixo, entende-se uma má comunicação entre o cérebro e o intestino: ou os sinais enviados são errados, ou as mensagens enviadas são mal compreendidas, ou são interpretadas de forma excessiva... Em suma, o par intestino-cérebro já não se entende. A investigação está a fazer progressos na compreensão do eixo intestino-cérebro e aponta para o envolvimento da microbiota intestinal numa lista crescente de doenças8,17
Segue-se uma lista não exaustiva de doenças em que se pensa estar envolvida uma perturbação do eixo intestino-cérebro.
Examinemos mais de perto algumas dessas patologias:
AFEÇÕES GASTROINTESTINAIS
Síndrome do cólon irritável (SCI)
A síndrome do cólon irritável (SCI) é a patologia mais frequente atribuível ao eixo intestino-cérebro, anteriormente conhecida por "doença funcional do intestino". Caracteriza-se por dores abdominais recorrentes, distensão abdominal, problemas do trânsito intestinal, etc.
Dispepsia funcional
A dispepsia funcional é uma forma de indigestão crónica - dor de estômago, sensação de plenitude ou distensão abdominal durante e após as refeições. Também faz parte das perturbações da interação entre o intestino e o cérebro.19,20
Doenças inflamatórias crónicas do intestino (DICI)
Estudos recentes mostraram o envolvimento do eixo intestino-cérebro na DICI21,22, o que pode influenciar tanto o desenvolvimento da doença quanto a saúde mental.
DOENÇAS METABÓLICAS
Diabetes tipo 2
A diabetes tipo 2 caracteriza-se por um excesso crónico de açúcar no sangue (hiperglicemia) associado a um mau funcionamento da produção ou da utilização da insulina, a hormona que regula os níveis de açúcar no sangue (ou glicemia). O declínio cognitivo é uma das complicações da diabetes tipo 2 (DMT2)23
Obesidade, excesso de peso, síndrome metabólica...
Estas patologias (obesidade, excesso de peso, síndrome metabólica) são frequentemente acompanhadas de perturbações psicológicas como a ansiedade, a depressão e a perturbação bipolar, e de alterações do comportamento metabólico.8
A microbiota influencia também o que colocamos no nosso prato, a nossa sensação de saciedade24 e os nossos comportamentos alimentares. Estudos recentes demonstram o envolvimento da microbiota intestinal e do eixo intestino-cérebro nas perturbações alimentares (que envolvem alteração ao nível da dieta ou do comportamento relacionado com a alimentação)25,26
Anorexia nervosa
A anorexia nervosa27,28 (AN) é um distúrbio alimentar que afeta 1% da população, incluindo 95% de mulheres. O desequilíbrio do metabolismo intestinal contribuirá para a evolução e a manutenção das perturbações ligadas à doença, como as perdas de apetite e de peso, agindo sobre o eixo intestino- cérebro e sobre o metabolismo.
As doenças psiquiátricas englobam uma série de perturbações mentais que se manifestam sob uma grande multiplicidade de formas, tendo sido identificados desequilíbrios na microbiota intestinal em algumas destas doenças.
Perturbações da ansiedade
As perturbações de ansiedade29,30,31 são definidas pela OMS como medo e preocupação excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Os sintomas são suficientemente graves para causarem sofrimento significativo ou uma importante incapacidade funcional. Algumas perturbações de ansiedade estarão ligadas à atividade do microbiota intestinal através da regulação das hormonas do stress.
Perturbações do humor
Depressão, doença bipolar... As perturbações do humor8,32 são perturbações emocionais que consistem em longos períodos de tristeza excessiva (depressão) ou de alegria ou euforia excessivas (mania), ou ambas.
A depressão e a doença bipolar estarão ligadas à disbiose intestinal, por vezes correlacionada com o grau de gravidade dos sintomas.
Outros estudos foram ainda mais longe, utilizando a microbiota intestinal como ferramenta de diagnóstico.
Neurose obsessiva compulsiva (NOC)
A neurose obsessiva compulsiva (NOC)33,34,35 é uma perturbação neuropsiquiátrica que afeta 1,3% da população geral. A perturbação caracteriza-se por obsessões (ideias ou imagens repetidas, persistentes, indesejadas e frequentemente geradoras de ansiedade), que levam a compulsões e/ou esquivas repetitivas e demoradas destinadas a neutralizar a ansiedade e a angústia resultantes das obsessões. Alguns estudos sugeriram que certas bactérias produtoras de butirato são menos abundantes em pacientes com NOC.
Esquizofrenia
A esquizofrenia8,36,37 afeta cerca de 1 em cada 300 pessoas. Esta doença psiquiátrica caracteriza-se pela ocorrência de delírios e alucinações, isolamento social e perturbações da vida psíquica. Pensa-se que estarão envolvidas perturbações da microbiota intestinal e do sistema imunitário.
Perturbações do espetro do autismo
As perturbações do espetro do autismo38 (PEA) são um grupo de perturbações heterogéneas associadas a anomalias no desenvolvimento cerebral. Os sintomas incluem défices de comunicação e perturbações da interação social e do comportamento, bem como comportamentos repetitivos.
Alguns estudos demonstraram que os pacientes autistas têm frequentemente a flora intestinal alterada (disbiose) e que certos distúrbios intestinais (diarreia, constipação, etc.) estão frequentemente associados à doença.
Como vimos, a disbiose intestinal tem sido identificada em várias doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia, a depressão e a neurose obsessiva compulsiva (NOC).
As doenças neurodegenerativas caracterizam-se pela destruição progressiva de determinados neurónios.
Doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer39,40 é a doença neurodegenerativa mais comum e a principal causa de demência.
Desde há vários anos que a microbiota intestinal suscita interesse, nomeadamente no que se refere a certas proteínas (péptidos amiloides) produzidas por bactérias "nocivas", as quais poderão desencadear um mecanismo inflamatório e perturbar as funções de barreira do intestino e do cérebro no sentido de favorecer o desenvolvimento da doença.
Doença de Parkinson
A doença de Parkinson41 é uma patologia neurodegenerativa que destrói progressivamente os neurónios dopaminérgicos do cérebro. A doença é caracterizada por lentidão de movimentos, rigidez nos músculos e tremores.
Foi demonstrada a existência de uma sua associação com perturbações da microbiota intestinal e do eixo intestino-cérebro.
Esclerose múltipla
A esclerose múltipla42,43 é uma doença inflamatória do sistema nervoso central. Caracteriza-se pela existência de uma "resposta autoimune" do sistema imunitário contra a bainha protetora dos neurónios, a "mielina". Esta inflamação vai provocar a degeneração das células nervosas, os neurónios, com perda de comunicação entre o cérebro e os órgãos periféricos.
Estudos recentes sugerem associações específicas entre a microbiota intestinal e o risco, a evolução e a progressão da doença.44
Um eixo intestino-cérebro-pele?
Sabia que?
Talvez não o saiba, mas o intestino e a pele partilham um conjunto de características comuns45: ambos contêm numerosos vasos sanguíneos e ligações nervosas, ambos interagem com o sistema imunitário e, como é óbvio, ambos são maciçamente colonizados por comunidades microbianas. Mas isso não é tudo... já reparou como a sua pele reage às suas emoções? Música, medo, excitação... e o mesmo se aplica a certas doenças dermatológicas quando o intestino, a pele e o cérebro deixam de comunicar corretamente.
Já em 1930, os dermatologistas Stokes e Pillsbury46 acreditavam que os estados emocionais (ansiedade, depressão) podiam alterar a microbiota intestinal e levar a uma inflamação local e depois sistémica noutros órgãos, como a pele47. Eles recomendavam, nessa altura, a utilização de leite fermentado para se reintroduzir microrganismos benéficos.
Desde há alguns anos, têm vindo a acumular-se provas que sublinham a existência de uma ligação entre o intestino, o cérebro e a pele48. Mais especificamente, pensa-se que o stress levará à secreção de hormonas (serotonina, cortisol, etc.), o que provoca permeabilidade intestinal e uma inflamação local e sistémica através da corrente sanguínea11,23. Em última análise, isso terá impacto na barreira cutânea e na inflamação da pele25. Pensa-se que este eixo intestino-cérebro-pele está envolvido em determinadas patologias de pele: Acne, Dermatite atópica, Psoríase.
Como manter uma boa comunicação entre o intestino e o cérebro?
Existe um diálogo bidirecional: do intestino para o cérebro e do cérebro para o intestino, sendo a microbiota intestinal a sua pedra angular!
Mas como se pode cuidar do seu próprio microbiota para que as mensagens sejam enviadas e recebidas alto e claro?
Numerosos estudos científicos analisaram a forma de evitar qualquer perturbação da composição microbiana e de preservar o equilíbrio da melhor forma possível.49
Aquilo que comemos irá contribuir para o equilíbrio da nossa microbiota intestinal50,51. É benéfica quando os alimentos são diversificados e de boa qualidade, mas uma dieta desequilibrada pode, por outro lado, afetar a composição da microbiota intestinal e causar certas doenças52. Portanto, é importante saber quais os tipos de alimentos que têm efeitos positivos para a nossa saúde,53 como, por exemplo, os alimentos fermentados ou naturalmente ricos em prebióticos e em microrganismos benéficos, alguns dos quais produzirão efeitos na nossa saúde mental. Esses alimentos representarão um apoio para o nosso moral, atuando no cérebro através da microbiota intestinal.54
=> Com uma entrevista com o professor Rémy Burcelin, que estuda os mecanismos implicados na comunicação entre o cérebro, o intestino e o resto do corpo.
O que é um psicobiótico?
Os psicobióticos são probióticos e prebióticos que, quando ingeridos, proporcionam benefícios para a saúde mental, atuando através da microbiota intestinal55.
Os investigadores da Universidade de Cork, na Irlanda, propõem alargar a definição de psicobióticos para além dos probióticos e prebióticos, de modo a incluir qualquer substância que exerça um efeito psicológico mediado pela flora intestinal56.
Os probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, beneficiam a saúde do indivíduo57,58. Alguns estudos pré-clínicos e clínicos centraram-se na administração de probióticos para melhorar os sintomas de stress, ansiedade e depressão, com resultados que revelam efeitos benéficos promissores.8
Os prebióticos são fibras alimentares específicas não digeríveis que têm efeitos benéficos para a saúde. São utilizados seletivamente pelos microrganismos benéficos da microbiota do hospedeiro59,60. Estudos demonstraram que certos prebióticos têm efeitos benéficos nas perturbações relacionadas com o stress8.
No sentido de restabelecer o equilíbrio do ecossistema microbiano do intestino, pode ser efetuado, a partir de um dador saudável, um transplante de microbiota fecal (FMT) para outro indivíduo61. De momento, esta abordagem terapêutica só está autorizada para o tratamento de infeções recorrentes por Clostridioides difficile62, mas os investigadores estão muito interessados nela e tentam avaliar os seus efeitos contra as dependências, como a do álcool,63 ou contra as perturbações da interação intestino-cérebro, como a síndrome do cólon irritável64,65.
Não serão apenas as bactérias da microbiota intestinal a estar implicadas na depressão. Os fungos microscópicos que povoam o cólon também o estarão. Pelo menos, é o que sugere um estudo realizado com adolescentes chineses.
Estará a depressão ligada aos fungos microscópicos que povoam os nossos intestinos juntamente com bactérias e vírus?
É o que sugere um estudo realizado com pacientes adolescentes, cujos resultados acabam de ser publicados no Journal of Affective Disorders1. Mais uma prova da existência do eixo intestino-cérebro!
Os fungos intestinais de 300 adolescentes analisados a pente fino
Para chegarem a este resultado, os investigadores chineses recrutaram 145 adolescentes com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos que sofriam de depressão. Recolheram 2g de fezes de cada um deles e analisaram a composição de fungos (que constitui a "micobiota") e bactérias da sua microbiota intestinal. Em seguida, compararam estas análises com as das fezes de um grupo de 110 jovens sem problemas de saúde mental.
O que mostram os resultados
Em primeiro lugar, que existem diferenças significativas em termos de composição entre a micobiota dos adolescentes que sofrem de depressão e a dos adolescentes que não sofrem.
Quase 1 em cada 2 europeus não sabe que a microbiota contém fungos
Não sabia que, tal como vírus e bactérias, há fungos que fazem parte da microbiota? Não se envergonhe porque obviamente não é o único! De acordo com os resultados do Observatório Internacional da Microbiota, um vasto estudo realizado pela Ipsos junto de 6.500 pessoas em 7 países, quase 1 em cada 2 europeus não sabe que a microbiota é composta por bactérias, fungos e vírus (46%). Este é também o caso de 1 em cada 2 brasileiros e de 1 em cada 2 chineses.
“Disbiose fúngica”
Os autores apontam para a existência de uma “ (sidenote:
Disbiose
A "disbiose" não é um fenómeno homogéneo – varia em função do estado de saúde de cada indivíduo. É geralmente definida como uma alteração da composição e do funcionamento da microbiota, causada por um conjunto de fatores ambientais e relacionados com o indivíduo que perturbam o ecossistema microbiano.
Levy M, Kolodziejczyk AA, Thaiss CA, et al. Dysbiosis and the immune system. Nat Rev Immunol. 2017;17(4):219-232.) fúngica” no primeiro caso, com mais Saccharomyces e Apiotrichum e menos Aspergillus e Xeromyces do que no segundo. Este tipo de disbiose já foi demonstrado em crianças que sofrem de autismo ou de síndroma de Rett.
Porque é que este resultado é interessante? Porque estudos anteriores mostraram que os fungos são capazes de sintetizar moléculas que podem chegar ao cérebro e induzir comportamentos depressivos. Por exemplo, Aspergillus é capaz de modular indiretamente a inflamação do sistema nervoso central e alterar seu funcionamento.
A micobiota, chave da saúde humana
Menos numerosos do que as bactérias (apenas 0,1% dos microrganismos intestinais), menos conhecidos e menos estudados, os fungos microscópicos da microbiota – conhecidos como "micobiota" – são, no entanto, cruciais para a saúde.
De acordo com uma análise publicada em 2022 na revista The Lancet2 :
Desempenham um papel importante na regulação da homeostase e imunidade;
O seu desequilíbrio poderá ter repercussões em certas doenças: doenças inflamatórias intestinais, cancros colorretal e pancreático, obesidade, diabetes, autismo, Alzheimer, etc.;
A manutenção das suas interações com as bactérias da microbiota será uma garantia de boa saúde.
Influência nas bactérias da microbiota intestinal
Outra descoberta foi que, nas crianças deprimidas, a presença de certos fungos surgia associada a determinadas bactérias, sugerindo uma forte interação entre estes dois grandes grupos de microrganismos.
Além disso, estas ligações entre as populações fúngicas e bacterianas apresentaram-se claramente alteradas em comparação com adolescentes saudáveis. Sabe-se que a existência de fortes interações entre bactérias e fungos é a garantia de um ecossistema microbiano estável.
Por exemplo, na microbiota intestinal dos adolescentes deprimidos, o fungo Penicillium e a bactéria Faecalibacterium surgiram conjuntamente reduzidos, mas a bactéria Faecalibacterium prausnitzii é bem conhecida dos investigadores pelas suas propriedades anti-inflamatórias e pelo seu potencial efeito ansiolítico e antidepressivo (em animais). Por outro lado, o fungo Candida, conhecido pelos seus efeitos nocivos para a saúde, revelou-se positivamente associado a Bacteroides e Parasutterella, e esta "copresença" potencialmente associada à depressão.
Este estudo foi o primeiro a explorar as ligações entre micobiota e depressão nos adolescentes. Embora os resultados devam ser confirmados numa fase posterior, abrem novas perspetivas de que um dia se possa modular o micobiota intestinal – através da utilização de probióticos, prebióticos, medicamentos antifúngicos, transplante de micobiota fecal, etc. – para tratar a depressão, uma doença que continua a ser deficientemente tratada.
Em 2023, clínicos dinamarqueses e americanos publicaram o caso de uma mulher na casa dos trinta anos com historial de abortos espontâneos tardios e que sofria de disbiose vaginal grave. O transplante de uma microbiota vaginal saudável eliminou a disbiose e respetivos sintomas. Seguiu-se uma gravidez a termo. Analisemos em pormenor este caso clínico.
A história tem um real interesse científico: uma mulher com historial de abortos tardios e disbiose vaginal grave recebeu um transplante de microbiota vaginal (TMV). Cinco meses depois, ela estava grávida, com uma flora vaginal saudável, tendo depois dado à luz uma criança a termo. No entanto, é importante salientar as limitações deste estudo: trata-se de apenas uma doente a quem foi diagnosticada síndrome dos anticorpos antifosfolipídicos (SAF, uma trombofilia associada a abortos espontâneos) e cujo tratamento durante a sua última gravidez poderá explicar (parcial ou totalmente) os resultados.
50%
Apenas uma em cada duas mulheres sabe exatamente o que é a flora vaginal
Disbiose vaginal, sintomas e abortos espontâneos recorrentes
Antes deste transplante, a paciente de 30 anos, mãe de uma criança, teve uma série de abortos espontâneos, por vezes tardios (semana 27 em 2019, semanas 17 e 23 em 2020). Há 9 anos que se queixava de comichão e de corrimento vaginal (corrimento vaginal abundante amarelo/verde e com odor fétido) que se agravou durante as suas tentativas de engravidar, apesar dos tratamentos. E por um bom motivo: em julho de 2021, a sua microbiota vaginal apresentava uma disbiose muito forte, com 91,3% de Gardnerella spp. Uma flora situada nos antípodas de uma microbiota vaginal saudável, ou seja, dominada por algumas espécies de lactobacilos vaginais (L. crispatus, L. gasseri, L. iners ou L. jensenii) cuja produção de ácido lático reduz o pH e assegura o bem-estar das mulheres.
Sob un protocolo de uso compassivo, foi-lhe realizado um TMV de uma dadora saudável em setembro de 2021, no 10.º dia do seu ciclo menstrual, sem pré-tratamento com antibióticos. De facto, embora o tratamento com antibióticos orais ou vaginais (metronidazol ou clindamicina) permita esperar uma taxa de cura da disbiose vaginal de 80 a 90% passado um mês, a taxa de recorrência pode atingir 60% ao fim de um ano, com o risco acrescido de resistência.
O TMV corrigiu rapidamente a disbiose e os seus sintomas, e estabeleceu uma dominância de Lactobacillus durante vários meses, com estirpes semelhantes às da dadora. Em fevereiro de 2022, a paciente engravidou naturalmente, (sidenote:
A paciente testou negativo para anticorpos antifosfolipídicos após o primeiro aborto espontâneo em 2019, e testou positivo em agosto de 2021, antes da sua quinta gravidez.
). A monitorização regular da sua microbiota vaginal revelou o regresso de Gardnerella spp. às 6 semanas de gestação (41,8%). Um segundo TMV foi inicialmente planeado para 2 semanas mais tarde..., mas, no dia previsto, L. crispatus já tinha mais uma vez reconquistado em grande medida a microbiota da paciente. No termo dessa gravidez, nasceu um menino perfeitamente saudável por cesariana planeada.
Estes resultados necessitam de ser confirmados por mais estudos clínicos, mas sugerem que o TMV possa ser um potencial tratamento para pacientes com disbiose vaginal grave, inclusivamente aquelas em risco de complicações após a fertilização in vitro. Para os autores, este estudo de caso serve como prova de conceito, mas também suscita a esperança de poder desenvolver terapias baseadas na modulação da microbiota vaginal.
Um estudo relaciona as mucinas intestinais da disbiose que se instalam ao longo da progressão do cancro gástrico e durante o prognóstio deste: promovem a colonização do estômago por bactérias orais pró-inflamatórias.
Devido à ausência de sintomas numa fase precoce da doença, a deteção da mesma é habitualmente tardia, fazendo com que o prognóstico do cancro gástrico continue a ser delicado. Se estiverem envolvidos fatores genéticos e ambientais, a causa mais frequente é a infeção por Helicobacterpylori, que favorece, posteriormente, a propagação de outros tipos de bactérias (de origem oral ou intestinal) envolvidas no desenvolvimento do tumor. As (sidenote:
Mucina
Glicoproteínas que constituem a maior parte do muco, este gel viscoelástico complexo que reveste os epitélios secretores, protege-os das partículas estranhas e dos organismos patogénicos.
Fontes : Demouveaux B, Gouyer V, Magnien M, et al. La structure des mucines conditionne les propriétés viscoélastiques des gels de mucus [Gel-forming mucins structure governs mucus gels viscoelasticity]. Med Sci (Paris). 2018 Oct;34(10):806-812. French.
) segregadas pelo muco digestivo também parecem ter influência: os fenótipos específicos das mucinas (gástricas em estados precoces, intestinais em estados avançados) são detetáveis nos adenocarcinomas. Ao ponto de supor que existem assinaturas mucinas-microbiota nos adenocarcinomas gástricos? Em todo o caso, é esta a hipótese de uma equipa belga.
5.º
O cancro gástrico é o 5.º tipo de cancro mais frequente.
4.ª
O cancro gástrico é a 4.ª causa de morte por cancro em todo o mundo.
A análise do tumor e dos tecidos não tumorais adjacentes de 108 pacientes operados a um cancro gástrico e as biópsias de 20 pacientes submetidos a uma gastroscopia na sequência de uma dispepsia funcional (sem tumor), permitiu avaliar a expressão relativa das mucinas gástricas (MUC1, MUC5AC, MUC6) e intestinais (MUC2, MUC4, MUC13). Os resultados demonstram que três das mucinas estão mais frequentemente presentes nos tecidos sem tumor (adjacentes ou biópsias). Em oposição, a sobre-expressão da mucina intestinal MUC13 revela-se típica em tumores e está correlacionada com um mau prognóstico da evolução do cancro.
Uma ligação mucinas-microbiota
As bactérias adjacentes (identificadas através de sequenciação do gene ARNr 16S), várias espécies previamente associadas a cancros gastrointestinais, mais especificamente a Corynebacterium, Fusobacterium, Streptococcus, Porphyromonas e Prevotella, diferem significativamente nos tecidos tumorais, nos tecidos adjacentes não cancerígenos e nos tecidos alvo de biópsia. Além disso, foram igualmente observadas as ligações entre as bactérias presentes e o fenótipo específico das mucinas em contacto com o ambiente do tumor: As Helicobacter estavam mais presentes nos tumores sem mucinas, as outras espécies (algumas descritas anteriormente como presentes nos patogénicos orais) Prevotella, Veillonella e Neisseria parecem desenvolver-se em maior número nos tumores supramencionados MUC13.
Perante um prognóstico de cancro gástrico?
As mucinas podem assim desempenhar um papel fundamental no prognóstico do cancro gástrico e na formação da microbiota tumoral. Um aumento de determinadas espécies de bactérias orais, associado a uma sobre expressão de MUC13, poderá significar a presença da doença. E a dupla mucinas-microbiota poderá ser utilizada na deteção precoce da doença? Poderá ser, mesmo que estas conclusões ainda sejam precoces, outros estudos prévios deverão apoiar estas primeiras conclusões.
As pessoas afetadas pela doença de Cushing parecem manter um desequilíbrio acentuado na sua microbiota intestinal durante vários anos após a sua cura. Esta disbiose poderá explicar porque é que, nessas pessoas, o risco de diabetes e de doenças cardiovasculares persiste.
Já se sabe que o desequilíbrio da microbiota está implicado na obesidade, na resistência à insulina e no excesso de triglicéridos ou de colesterol... todos estes constituindo fatores de risco de diabetes e de doenças cardiovasculares.
Se as pessoas que sofreram de doença de Cushing, uma patologia causada por um tumor benigno da glândula pituitária, têm um risco cardiometabólico mais elevado, mesmo vários anos depois de terem entrado em remissão, poderá isso dever-se também à disbiose?
Para responder a esta pergunta, uma equipa de investigadores espanhóis recrutou 28 mulheres com menos de 60 anos que tinham sofrido de doença de Cushing1. Todas elas se encontravam em remissão há mais de 5 anos.
Recolheram-lhes as fezes para analisar a respetiva microbiota e amostras de sangue para nelas medirem vários parâmetros de risco cardiovascular. Analisaram também a distribuição da gordura corporal nessas mulheres.
Estes dados foram comparados com os de um grupo de controlo de 25 mulheres saudáveis com a mesma idade e constituição física ( (sidenote:
Índice de Massa Corporal (IMC)
IMC o Índice de Massa Corporal avalia a corpulência de uma pessoa, estimando a massa gorda do corpo com recurso ao cálculo da relação entre o peso (kg) e a altura elevada ao quadrado (m2) da pessoa.
https://www.nhlbi.nih.gov/health/educational/lose_wt/BMI/bmicalc.htm
https://www.euro.who.int/en/health-topics/disease-prevention/nutrition/a-healthy-lifestyle/body-mass-index-bmi)).
O que mostram os resultados?
Diferenças evidentes o nível da microbiota
Como era de esperar, as mulheres em remissão apresentaram vários fatores de risco cardiovascular em comparação com as voluntárias saudáveis: mais gordura abdominal, níveis mais elevados de hemoglobina glicada, triglicéridos e glicose em jejum, menos colesterol "bom" (HDL), etc.
Paralelamente, todas apresentavam uma disbiose intestinal significativa. Não só a sua microbiota surgiu menos rica e diversificada, como também tinha uma estrutura muito diferente.
Por exemplo, a estirpe Suturella, que estava ausente no grupo de controlo, surgiu presente em abundância nas mulheres do grupo da doença de Cushing. Ora, há diversos estudos referem a presença desta bactéria em pessoas que sofrem de diabetes, obesidade, excesso de insulina, aterosclerose, etc.
O excesso de cortisol causa estragos na doença de Cushing
A doença de Cushing é uma patologia relativamente rara causada por um tumor benigno da glândula pituitária, uma pequena glândula no cérebro que gere muitas das funções do organismo2. Esta anomalia afeta mais as mulheres do que os homens. Ela causa uma sobre-estimulação das glândulas suprarrenais, que segregam cortisol.
A exposição dos órgãos a esse excesso de cortisol causa vários sintomas, alguns dos quais aumentam o risco cardiovascular:
Acumulação de gordura no tronco, nas vísceras e no rosto,
Excesso de glicose, triglicéridos e colesterol,
Resistência à insulina,
Aumento da tensão arterial,
Perda de massa muscular e osteoporose,
Aumento da pilosidade,
Infertilidade, problemas sexuais, etc.
O tratamento baseia-se em intervenção cirúrgica (remoção do tumor), medicação e radioterapia.
A persistência de perturbações metabólicas nas ex-doentes de Cushing pode estar ligada à disbiose
Facto surpreendente: nas antigas doentes, o índice que mede a diversidade bacteriana surgiu associado aos níveis de fibrinogénio, uma proteína envolvida na coagulação e, por conseguinte, ligada ao risco de acidente vascular. E esse índice mostrou-se inversamente correlacionado com os triglicéridos, a glicémia e os níveis de insulina.
Isto sugere que a persistência de perturbações metabólicas nas antigas doentes de Cushing está muito provavelmente ligada à disbiose.
Esta é a primeira vez que tal ligação foi cientificamente demonstrada.
Tais resultados têm ainda de ser confirmados por estudos de maior escala. No entanto, eles sugerem a possibilidade de um dia se poder vir a intervir especificamente – recorrendo a probióticos ou ao transplante de microbiota fecal (TMF) – para reequilibrar a microbiota de pessoas que sofrem da doença de Cushing.
Recompensa: a possibilidade de ganhar vários anos de vida saudável!
A bactéria intestinal Desulfovibrio poderá ser uma das causas prováveis da doença de Parkinson. Esta é, nem mais, nem menos, a conclusão de um estudo finlandês que sugere a possibilidade de se vir a despistar, ou mesmo a prevenir, a doença.
O que é que têm em comum o Papa S. João Paulo II, o ator Michael J. Fox (o Marty Mc Fly de Regresso ao Futuro) e o pugilista Muhammad Ali? Todos foram afetados pela doença de Parkinson, uma doença degenerativa cerebral reconhecível em particular pelos tremores que causa. Mas estas celebridades, tal como os quase 9 milhões de pessoas vítimas desta doença em todo o mundo, provavelmente têm também em comum uma bactéria chamada Desulfovibrio. Ou, mais precisamente, um excesso desta bactéria, que se pensa estar presente em quantidades (demasiado?) elevadas nas pessoas com a doença de Parkinson, sobretudo nas que desenvolvem formas graves da mesma.
Doença de Parkinson: Definição
A doença de Parkinson é uma doença degenerativa do cérebro que se encontra associada a perturbações motoras (movimentos lentos, tremores, rigidez e desequilíbrio) e a outras complicações, incluindo problemas cognitivos, problemas de saúde mental, perturbações do sono, dor e problemas sensoriais.A
A disfunção gastrointestinal constitui também uma caraterística importante da doença, tendo sido observada disbiose intestinal nestes pacientes. Numerosos estudos demonstram que, através do eixo intestino-cérebro, a microbiota intestinal desempenhará um papel importante no risco e na progressão da doença.B
Será que são essas bactérias as culpadas pela doença? Sim, a acreditar nos resultados publicados em 2023 por uma equipa finlandesa. Os seus trabalhos consistiram em sacrificar alguns nemátodos – vermes redondos e delgados – e, mais especificamente, dos designados C. elegans, que foram alimentados com bactérias Desulfovibrio extraídas quer das fezes de doentes de Parkinson quer das fezes dos respetivos cônjuges saudáveis. Conclusão: os vermes que ingeriram bactérias Desulfovibrio dos doentes de Parkinson desenvolveram mais (em termos numéricos) agregados proteicos típicos da doença nos seus cérebros, e agregados maiores (em termos de volume) do que os vermes alimentados com bactérias Desulfovibrio recolhidas das fezes dos respectivos cônjuges. Por outras palavras, as estirpes de bactérias Desulfovibrio, em particular as provenientes de doentes, favorecem a acumulação de agregados.
8,5 milhões
Em 2019, mais de 8,5 milhões de pessoas em todo o mundo sofriam da doença de Parkinson.
329.000 mortes
Em 2019, a doença de Parkinson causou 329.000 mortes, correspondentes a um aumento de mais de 100% desde 2000.
Mortalidade acrescida
E não é tudo! Os vermes alimentados com bactérias Desulfovibrio de pacientes morrem mais passados 4 dias. Esse excesso de mortalidade poderá ser explicado pela maior virulência das bactérias retiradas deles.
Esta descoberta suscita uma esperança imensa: não só os doentes de Parkinson poderão ser rastreados através do rastreio da bactéria em causa nas suas fezes, como também será provavelmente possível, um dia, controlar ou mesmo prevenir a doença, erradicando ou simplesmente limitando o número destas bactérias patogénicas.
A prevalência da doença duplicou nos últimos 25 anos.
Já havia essa suspeita por parte de alguns cientistas. As bactérias intestinais Desulfovibrio são agora indiciadas de induzir agregados no sistema digestivo que depois se propagam ao cérebro através do nervo vago.
Na doença de Parkinson, a acumulação de proteínas alfa-sinucleína sob a forma de corpos de Lewy é detetada não só no cérebro, mas também em vários outros tecidos e órgãos (medula espinal, nervos autónomos, tecido do miocárdio, etc.), inclusivamente no aparelho digestivo humano. Alguns cientistas suspeitam que a bactéria Desulfovibrio, que é mais frequente e mais abundante nas pessoas que sofrem de Parkinson (sobretudo nas formas graves), está envolvida na formação destes agregados intestinais, que se propagam através do nervo vago até ao cérebro como um (sidenote:
Prião
Os priões são agentes infeciosos compostos por proteínas, associados a formas específicas de doenças neurodegenerativas. Por exemplo, a encefalopatia espongiforme bovina (BSE ou "doença das vacas loucas") é uma doença priónica que afeta os bovinos, tendo como corolário a sua variante humana, a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ).
Fonte: https://www.who.int/fr/news-room/fact-sheets/detail/food-safety). Mas será que estas bactérias, conhecidas pela sua capacidade de produzir sulfureto de hidrogénio (H2S), são realmente capazes de o fazer? Foi isso o que pretendeu verificar um estudo finlandês que utilizou animais e, mais especificamente, um modelo de nemátodo (C. elegans) que exprime a alfa-sinucleína humana.
10 pacientes, 10 cônjuges e nemátodos
Foram isoladas três estirpes (D. desulfuricans, D. fairfieldensis e D. piger) de Desulfovibrio das amostras fecais de 10 doentes de Parkinson de uma clínica na Finlândia e dos respetivos 10 cônjuges saudáveis. Estas bactérias foram utilizadas para alimentar os nemátodos. Simultaneamente, outros vermes foram alimentados com Escherichia coli MC4100 que produz proteína curli, uma fibra amiloide que facilita a agregação de alfa-sinucleína (controlo positivo). E um grupo final de vermes recebeu uma dieta contendo E. coli LSR11, incapaz de produzir proteína curli (controlo negativo).
8,5 milhões
Em 2019, mais de 8,5 milhões de pessoas em todo o mundo sofriam da doença de Parkinson.
2x
A prevalência da doença duplicou nos últimos 25 anos.
329 000
Em 2019, a doença de Parkinson causou 329.000 mortes, correspondentes a um aumento de mais de 100% desde 2000. Os homens são mais afetados do que as mulheres.
A observação de secções da cabeça dos vermes mostrou que todas as 3 estirpes de Desulfovibrio induziram agregados nas cabeças dos vermes. Os vermes oriundos das fezes dos doentes de Parkinson pareceram ser "mais eficazes" do que os dos seus cônjuges saudáveis: os vermes possuíam mais agregados (em número) e agregados maiores (em volume). Além disso, os vermes alimentados com D. desulfuricans e, em menor grau, com D. fairfieldensis apresentavam agregados de alfa-sinucleína significativamente maiores do que os vermes alimentados com D. piger.
Efeito na mortalidade
Quanto à sobrevivência, após 4 dias, a mortalidade foi maior no grupo de vermes alimentados com Desulfovibrio dos pacientes com Parkinson. Este aumento da mortalidade poderia ser explicado pela maior virulência das suas bactérias, resultando numa maior toxicidade e num maior número de agregados, atingindo níveis letais. Na opinião dos autores, o aumento da virulência das estirpes provenientes de doentes de Parkinson pode dever-se à maior ou menor capacidade das Desulfovibrio de produzirem H2S. De facto, o sulfureto de hidrogénio poderá estar envolvido na agregação da alfa-sinucleína, facilitando a libertação do citocromo c das mitocôndrias.
Embora este estudo demonstre que as bactérias Desulfovibrio aumentam a agregação de alfa-sinucleína em volume e quantidade, muitas perguntas permanecem sem resposta. Será que os mecanismos envolvidos passarão pela produção de H2S? A pesquisa destas bactérias nas fezes poderá ser suficiente para identificar os doentes? E, acima de tudo, será que a erradicação ou limitação dessas bactérias patogénicas poderá ajudar a prevenir a doença de Parkinson?
As nuvens transportam grandes quantidades de múltiplos genes de resistência bacteriana aos antibióticos, revela um estudo publicado em Science of The Total Environment1. Resultantes da libertação de antibióticos no meio ambiente, estes genes podem viajar longas distâncias.
Todos os anos, dezenas de milhares de toneladas de antibióticos são utilizados no sector da saúde humana, animal e vegetal, parte dos quais sendo libertados no meio ambiente. É assim que é possível encontrar antibióticos nas águas residuais, mas também nos rios, nos mares e no solo, permitindo que as bactérias ambientais adquiram genes de resistência que podem ser transferidos para outras bactérias. Material genético e células bacterianas podem aerossolizar-se e, sob o efeito da turbulência do ar, subir para a atmosfera, viajar longas distâncias e passar a integrar o ciclo da água.
A resistência aos antibióticos foi classificada como uma das 10 maiores ameaças para as sociedades humanas num futuro próximo.
Prova da presença de um "resistoma" nas nuvens
Uma equipa de investigação franco-canadiana avaliou, na estação meteorológica de Puy-de Dôme, no Maciço Central, França, a uma altitude de 1.465 m, a quantidade de genes de resistência a antibióticos presentes nas nuvens. Foram recolhidas doze amostras através de aspirador de elevado desempenho entre setembro de 2019 e outubro de 2021, revelando uma concentração média de cerca de 5.400 de cópias de genes de resistência por m3 de ar (medição por citometria de fluxo). Os 33 genes de resistência selecionados correspondem aos principais antibióticos utilizados atualmente: quinolonas, sulfonamidas, tetraciclinas, aminoglicosídeos, glicopeptídeos, beta-lactâmicos e macrólidos. Destes, 29 foram detetados pelo menos uma vez e 6 foram observados em pelo menos 75% das amostras.
A distribuição desses genes não variou de acordo com as estações do ano, mas sim de acordo com a origem geográfica das massas de ar. Os genes de resistência às quinolonas, antibióticos fortemente implicados na resistência aos antibióticos e cuja utilização tem sido restringida na Europa desde 2018, surgiram mais abundantes nas nuvens altas oceânicas. Os da resistência às sulfonamidas e às tetraciclinas detetaram-se maioritariamente nas nuvens formadas em superfícies continentais, talvez devido à sua utilização generalizada na criação de gado.
4,95 milhões
Em 2019, mais de 4,95 milhões de mortes foram associadas à resistência antimicrobiana
1,27 milhões
Em 2019, 1,27 milhões foram diretamente atribuídas a infeções bacterianas resistentes a antibióticos
Atmosfera, uma via importante para a propagação do resistoma
Partindo do princípio de que a concentração média de genes de resistência transportados pelas nuvens é equivalente à encontrada neste estudo (5.400/m3 de ar), os investigadores calculam que as nuvens transportem permanentemente cerca de 2,53 × 1021 cópias de genes de resistência em todo o mundo. Assim, todos os anos, transitarão pelas nuvens entre 1,29 × 1025 e 2,06 × 1026 genes de resistência, com uma quantidade muito grande (2,2 × 1024) a cair de novo em terra sob a forma de precipitação (e uma fração a permanecer evaporada na atmosfera).
Este estudo vem colocar em destaque a atmosfera como uma das vias através das quais os fatores de resistência aos antibióticos se espalham pelo mundo: estudos que permitam identificar as fontes de emissões bacterianas poderão vir a ajudar a limitar a sua dispersão2.
Realizada entre 18 e 24 de novembro, esta campanha incentiva o público em geral, os profissionais de saúde e os decisores a utilizarem cuidadosamente os antimicrobianos, a fim de evitar o surgimento de uma maior resistência aos antimicrobianos.